A (ir)rracionalidade do ser humano sem Deus

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“O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Isaías 1.3).

O ser humano é reputado como sendo o único animal racional. Sua capacidade cognitiva e de raciocínio é o fundamento da sua categorização como homo rationalis. Os outros animais, em sua totalidade, são classificados como sendo irracionais. A Bíblia afirma que a capacidade cognitiva e racional humana é de natureza ectípica, ou seja, é derivada de um modelo original e perfeito, o Arquétipo, no caso, o próprio Deus Soberano Criador do universo: “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança [...] Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gênesis 1.26,27). Uma das características da imagem de Deus no homem é justamente a sua racionalidade.

Não obstante, à luz do que as Sagradas Escrituras afirmam a respeito do homem, podemos afirmar com toda a certeza, que, na realidade, o ser humano, morto em seus delitos e pecados, é o mais irracional de todos os animais. A passagem do profeta Isaías é demasiadamente clara a este respeito: “O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Isaías 1.3). Isto não quer dizer, todavia, que, por ocasião da queda, o homem perdeu por completo a sua racionalidade. O homem não é incapaz de fazer uso da razão. O que a Escritura está ensinando, na verdade, é que o pecado causou um estrago imenso na razão humana. Esta se encontra absurdamente deformada, a ponto de Deus afirmar que o seu povo não possuía conhecimento real a seu respeito. É verdade que, no contexto, está enfocado o povo de Israel apóstata. Não obstante, podemos afirmar a mesma realidade no que concerne ao homem enquanto ser criado por Deus.

O homem sem Deus, cego em seu entendimento (2 Coríntios 4.4), é incapaz de reconhecer o Criador e se curvar em obediência e adoração a Ele. O apóstolo Paulo afirma que o ser humano se encontra em estado tal, que em vez de adorar o Criador, adora a criatura (Romanos 1.18-25). Ao passo que os animais irracionais conhecem os seus donos e possuidores, o homem é incapaz de reconhecer o seu Possuidor. A desgraça do pecado consiste nisto: no impedimento ao verdadeiro conhecimento de Deus. Por isso, podemos afirmar com propriedade que o homem é o mais irracional dos animais. Isso nos lembra o dito do puritano Joseph Alleine, na sua obra Um Guia Seguro para o Céu. Ele disse o seguinte: "Ó homem! Que monstro o pecado te transformou!"

O reformador francês João Calvino (1509-1564) estabeleceu as bases da verdadeira epistemologia. Calvino nos ofereceu uma diretriz clara de como o homem pode chegar a conhecer algo verdadeiramente no capítulo de aberturas das Institutas (1559). Eis suas palavras:

Quase toda a soma de nosso conhecimento, que de fato se deva julgar como verdadeiro e sólido conhecimento consta de duas partes: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos. Como, porém, se entrelaçam com muitos elos, não é fácil, entretanto, discernir qual deles precede ao outro, e ao outro origina.

De fato, é impossível ter qualquer conhecimento verdadeiro se não tivermos o correto conhecimento acerca de Deus e de nós mesmos. A grande questão que se levanta nesse momento é: Como o ser humano morto espiritualmente pode obter qualquer conhecimento acerca de Deus, visto que o pecado tem o poder devastador de impedir o relacionamento entre o Criador e a criatura? Vale salientar ainda que, não se trata de um mero conhecimento acerca da existência de Deus, mas um conhecimento piedoso e devoto, que envolva relacionamento íntimo entre Deus e o homem. Em virtude de o homem trazer em seu coração aquilo que Calvino denominou de semen religionis, ele tem conhecimento da existência de uma divindade. Não obstante, o pecado impede que ele reconheça o seu Criador. Então, como resolver esse dilema?

A resposta é: em Jesus Cristo, o nosso Redentor. É somente por meio de Jesus Cristo que podemos conseguir qualquer conhecimento real. Apenas em Cristo o homem encontra a expressão genuína da sua racionalidade. As Escrituras mostram isso de forma maravilhosa quando afirma: “Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do SENHOR, como as águas cobrem o mar” (Isaías 11.9). Não se trata de uma passagem citada fora de contexto. Basta observar que o capítulo 11 de Isaías trata exatamente da vinda dAquele que é o descendente de Davi, Jesus Cristo. Ademais, Deus, falando por meio do profeta Jeremias, no contexto da Nova Aliança, afirma: “Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao SENHOR, porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o SENHOR. Pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus pecados jamais me lembrarei” (Jeremias 31.34; cf. os versículos 31-33).

Então, por mais que os grandes “luminares” do pensamento intelectual pós-moderno postulem a autonomia da razão humana, na verdade, posicionamo-nos nas fileiras daqueles considerados como “loucos” pelo mundo (1 Coríntios 1.18-31), que proclamam a falência da razão humana. Somente por meio do nosso Cristo é que recebemos o verdadeiro conhecimento. Apenas em Jesus é que o homem é salvo (leia-se “passivamente”) da sua irracionalidade.

Graças a Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, “o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção”.

Autor:
Fonte: [ Cristão Reformado ]
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