Um alerta contra a maldade

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Por Leonardo Dâmaso


Texto base: Provérbios 6.16-19

Introdução

Salomão traça uma descrição de seis pecados que Deus odeia, porém o sétimo Ele abomina. Cada um destes pecados demonstra a maldade do homem. Esta lista de sete pecados apresenta um quadro vívido e lacônico do “promotor de intrigas”. As formas de comportamento social enfatizadas por estes sete pecados destroem tanto o relacionamento de uma pessoa com a outra quanto o próprio “disseminador de contendas”.

Este catálogo de sete pecados baseia-se no que há dentro do coração do homem, isto é, na sua parte interior (veja Mt 15.19). Eles possuem uma ligação com o trecho antecedente (vs.12-14), e funcionam como um sumário destes alertas ao homem de “Belial”:

1) Olhos altivos (vs.13a, acena); 2) língua mentirosa (vs.12b, perversidade); 3) mãos (vs.13c, dedos), 4) coração (vs.14a); 5) pés (vs.13b); 6) testemunha falsa (vs.12b); 7) contenda (vs.14c).

No trecho a lume, esta lista também forma pares que resultam numa estrutura cruzada, tais como: mãos (vs.17c) e pés (vs.18b), e língua mentirosa (vs.17b) com falso testemunho (vs.19a). Por outro lado, existe um contraste destes sete pecados com as sete bem aventuranças. “Bem-aventurados os humildes de espírito” (Mt 5.3), contrasta com o primeiro pecado detestável, os olhos altivos, e “bem-aventurados os pacificadores” (Mt 5.9), contrasta com a sétima abominação, o divulgador de conflitos (vs.19).  
           
Este catálogo de sete pecados que o Senhor detesta pode ser dividido em três partes:
1) Uma introdução a lista dos pecados que são execráveis para Deus (vs.16) 
2) As partes do corpo humano que são aplicadas indevidamente ao pecado (vs.17-18)
3) Duas atitudes antissociais (vs.19)

Explanação

1) Uma introdução a lista dos pecados que são execráveis para Deus (6.16) 

Antes de argumentar acerca dos seis pecados que são detestáveis a Deus, e o sétimo é abominável para Ele, Salomão começa com uma introdução, afirmando que estes seis pecados são menos graves que o sétimo pecado, o qual é gravíssimo. “A poesia hebraica passa do número menor para o maior em linhas paralelas para dar a ideia de “quanto mais” na segunda linha”.¹

O trecho composto pelos versículos 16-19 também está relacionada ao homem de “Belial”, que foi descrito no trecho anterior (vs.12-15). Este termo é abrangente em seu significado. “Belial” traz a ideia de alguém que é maligno, e significa também algo “sem proveito”; “inútil”; que não possui nenhum valor (1Sm 2.12; 1Rs 21.10). É frequentemente empregado no Antigo Testamento para enfatizar o pecado (veja, como exemplo, Jz 19.22). 

Abrange, ainda, uma tendência à destruição (Na 1.11,15); e, finalmente, “Belial” foi aplicado por Paulo como sendo um dos nomes de Satanás (2Co 6.15). Logo, os seis pecados que Deus aborrece, e o sétimo que ele abomina, são marcas desse tipo de pessoa, a qual peca com os olhos e com as mãos (13-17), com o coração (14-18), com os pés (13-18), causa divisões e maquina perversidades (14-19).

“Uma vez que as sete características são detestáveis para Deus, aquele que as possui será removido de sua presença benévola e entregue à perdição. A ligação com o versículo 15, ainda que não explícita, é clara”.²    
   
2) As partes do corpo humano que são aplicadas indevidamente ao pecado (6.17-18)

O “promotor de conflitos” peca contra Deus e contra os outros utilizando todas as partes do seu corpo. Ele peca com o seu comportamento, no pensamento, com a sua boca, proferindo mentiras particulares e públicas, e, por fim, com sua influência maligna (vs.17-19). Vejamos, então, cada um destes pecados que caracterizam o “homem agitador” que desencadeia inimizades nos lugares em que interage na sociedade.   

a) Os pecados comportamentais (vs.17a, c-18b)  

Salomão escreve que o “disseminador de intrigas” possui olhos arrogantes, mãos que derramam sangue inocente e pés que se apressam a correr para o mal.

i. Olhos arrogantes [literalmente, “par de olhos que se levanta”]

A arrogância é a exaltação de si mesmo sobre outras pessoas. O arrogante pensa que é melhor que os outros em tudo. Este pecado transgride as virtudes fundamentais que cada indivíduo possui; ou seja, todos possuem características que o fazem se destacar entre os outros, mas não que isso faça alguém ser melhor que outro.

O rei da Assíria é o exemplo de um homem dominado pela a arrogância (veja Is 10.13-14). Contudo, Deus humilhará e executará o seu juízo sobre o orgulhoso de coração que se coloca acima dos outros como foi com o rei da Assíria (Is 10.12; 2.11-12; veja, ainda, Pv 8.13; 16.5; 29.23; 30.13; 1Pe 5.5-6). Nenhum pecado se opõe mais à sabedoria e ao temor a Deus que o orgulho.

ii. Mãos que derramam sangue inocente

As mãos são uma parte do corpo que fica localizada entre o cotovelo e a ponta dos dedos. A expressão derramam sangue inocente “não é uma expressão neutra para “matar”; antes julga o ato; é um homicídio intencional e, portanto, apesar da exceção da compensação (Gn 9.6), é um homicídio que envolve culpa”.³ Sangue inocente traz a ideia de uma morte violenta, como o assassinato.

O homem de Belial, que derrama sangue inocente, mata o outro sem que o mesmo tenha feito algo contra ele. Caim matou seu irmão Abel sem que este tenha feito nada contra ele. Caim matou o inocente Abel simplesmente por inveja dele (Gn 4.2-8).

iii. Pés que se apressam a correr para o mal 

Os pés são a parte inferior do corpo ligado às pernas. A expressão se apressam para fazer o mal, denota a compulsão interior que a pessoa tem para fazer o mal contra o outro. Realça a urgência na execução de um plano malévolo. Quantos são os que não desperdiçam um passo sequer para prejudicar os outros de alguma forma!

b) O pecado mental (vs.18a)

i. Coração que trama projetos iníquos 

O coração é a sede dos pensamentos, sentimentos e vontade. É o que dá origem a toda a atividade física e espiritual da pessoa. Esta palavra aparece 46 vezes em Provérbios e 858 vezes no Antigo Testamento.

Na antropologia bíblica, o coração controla o corpo, suas expressões faciais (15.13), sua língua (15.28; 12.23) e todos os seus outros membros (4.23-27; 6.18). O coração também pensa, reflete e pondera (24.12). A função do cérebro era desconhecida no Antigo Testamento. Assim como os olhos foram feitos para ver e os ouvidos para ouvir, o coração se destina a discernir e levar à ação.4

Quando uma pessoa não tem discernimento ou julgamento, o hebraico fala de uma “falta de coração” (10.13). O coração também planeja (6.14, 18; 16.9); é o fórum interior no qual as decisões são tomadas.

Bruce Waltke salienta:

Os autores bíblicos também atribuíam funções espirituais ao coração. Na esfera religiosa o coração aceita e confia (3.5). Ele sente todos os tipos de desejo, desde as formas físicas mais ordinárias, como fome e sede, até as formas espirituais mais elevadas, como reverência e remorso. Um elemento intimamente relacionado com sua função piedosa é a atividade ética. O mestre adverte o filho para não permitir que seu coração cobice a beleza da adúltera (6.25) e não invejar os pecadores (23.17), mas “o coração sábio procura o conhecimento” (15.14). O estado ou condição espiritual do coração é básico para as suas funções fisiológicas e espirituais; ele pode ser sábio (14.33) e puro (20.9), ou perverso (17.20; 26.23-25). Essa direção ou predisposição do coração determina suas decisões e, portanto, as ações do indivíduo (Êx 14.5; 35.21; Nm 32.9; lRs 12.27; 18.37).6

Sendo assim, o coração do “divulgador de contendas” trama projetos iníquos. Esta expressão significa que este homem planeja em seu coração maneiras pérfidas de prejudicar os outros.  

c) O pecado verbal (vs.17b)

Salomão ressalta os pecados da boca na esfera particular e pública. Senão vejamos:   

i. Língua mentirosa

A língua é um órgão muscular que serve como instrumento para a fala. O termo mentirosa, unido à língua, denota uma falsidade agressiva que tem como alvo prejudicar o outro através das palavras. Assim, o “disseminador de intrigas” é alguém que difama o outro com mentiras, cujo intuito é arruiná-lo moralmente com as pessoas as quais se convive (Sl 109.2-3).

Matthew Henry escreve:

Nada é mais sagrado do que a verdade, e nada é mais necessário para a conduta de alguém do que dizer a verdade.  Deus e todos os homens de bem detestam e abominam a mentira.7

3) Duas atitudes antissociais (6.19) 

Salomão, agora, traça duas advertências para concluir a perícope sobre a maldade. Ele esboça dois pecados sociais: a testemunha mentirosa e o que dissemina conflitos pessoais. Este último pecado recebe a ênfase em toda a seção como sendo o pecado mais abominável para Deus. Senão vejamos: 

a) Os pecados sociais (vs.19)

i. Testemunha falsa que profere mentiras      
    
Uma testemunha é alguém que tem o conhecimento de uma situação que presenciou e que pode relatar num tribunal baseada no que viu ou ouviu em favor de alguém. No entanto, a testemunha falsa que profere mentiras refere-se a uma pessoa que transmite conscientemente uma falsa informação no tribunal com o intuito de prejudicar o outro. O nono mandamento da lei de Deus adverte a não mentir num testemunho (Êx 20.16).  

O objetivo da testemunha que mente é ameaçar a vida e/ou a propriedade de alguém, e não necessariamente defender ou promover a si mesma. Contudo, segundo Provérbios 19.5,9, a testemunha que mente não ficará empune, e o que profere mentiras não escapará, pois certamente perecerá (veja, também, 12.17; 21.28). A testemunha mentirosa sofrerá exatamente o mesmo castigo que pretendia impor a seu acusado, pois atrai a ira de Deus sobre si (Dt 19.18-20).    
   
Dar falso testemunho, que é uma das maiores maldades que a imaginação ímpia pode imaginar, e contra a qual a proteção é menor. Não pode haver maior afronta a Deus a quem se faz uma súplica através de um juramento, nem uma ofensa maior ao nosso próximo [de quem todos os interesses neste mundo, até mesmo os mais preciosos, estão abertos a um ataque deste tipo] do que dar intencionalmente um falso testemunho.8  

ii. O que semeia contendas entre os irmãos 

A palavra irmãos pode se referir aos parentes de sangue, como um irmão de sangue (Gn 25.26), um membro da mesma família (Gn 14.14), um compatriota, isto é, uma pessoa do mesmo país e/ou da cidade da outra (Gn 31.32; 18.19), e também pode ser aplicada aos “irmãos espirituais” unidos em Cristo pela fé (1Co 11.9-11; 2Co 11.9; 1Ts 4.6; 1Jo 4.20).

As contendas divulgadas causam nos relacionamentos mais íntimos efeitos devastadores, como divisão, discórdia e feridas emocionais prementes!

Conclusão

Aquele que promove inimizades na família, na turma de amigos, no trabalho e, especialmente na igreja, é abominável para Deus! O disseminador de conflitos é dissimulado, manipulador, mentiroso e distorce as informações. Ele diminui ou eleva a informação num patamar inexistente, para, assim, tentar fazer com que seja acreditado e enlace suas vítimas em sua teia de intrigas.

Que não sejamos homens de “Belial”! Que não sejamos “divulgadores de intrigas” em nossas casas, em nossas famílias, em nosso trabalho, com os nossos amigos e em nossas igrejas! Que Deus possa retirar da igreja todos os “Beliais”, todos os maliciosos! Que Deus purifique a sua igreja dos arrogantes, dos que derramam sangue inocente, dos que tem pressa em fazer o mal contra os outros, dos conspiradores de projetos malévolos, dos mentirosos e das testemunhas mentirosas; e, principalmente, dos promotores de divisões nos relacionamentos interpessoais, pois é a vontade de Deus que os irmãos vivam em união (Sl 133.1)! 
  
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Notas:
[1] Bíblia de Estudo Genebra. Notas de Rodapé, pág 817. 
[2] Bruce Waltke. Provérbios, volume 1, pág 441. 
[3] Ibid, pág 442.
[4] Ibid, pág 141.
[5] Ibid, pág 141-142
[6] Ibid, pág 142.
[7] Matthew Henry. Comentário Bíblico do Antigo Testamento. Jó a Cantares, pág 747.
[8] Ibid.   

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Fonte: Bereianos
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