Um dos maiores mitos do mundo moderno é a ideia de que há algo chamado “Natureza”, a qual é definida pela Segunda Edição Integral do Dicionário Merriam-Webster como “um princípio, força ou agente, ou ainda um conjunto de forças ou princípios controladores e criativos, que opera ou se encontra em operação num ente, determinando total ou principalmente sua constituição, desenvolvimento, bem-estar...”; ou também “aquilo que é produzido por forças naturais; o universo, tomado como as leis que governam a natureza; na natureza nada acontece sem causa; mais precisamente, a totalidade da realidade física, excluindo as mentes e o elemento mental”.
Ora, uma coisa é dizer que o universo ou criação existe; outra, todavia, é afirmar que este universo é a fonte de suas próprias leis e fenômenos, ou que é um sistema autocontido de causalidade. Não há na Bíblia um termo como “Natureza”. E, na verdade, as Escrituras não reconhecem a Natureza como a fonte e causa dos fenômenos naturais; pelo contrário, elas veem Deus em operação direta e absoluta em todos os fenômenos naturais. Não há lei inerente à “Natureza”, mas, sim, uma lei sobre a “Natureza”. Destarte, o termo “Natureza” é um coletivo para uma realidade não-coletivizada, e com isto queremos dizer que a “Natureza” não possui unidade em e de si mesma que faça dela uma ordem unificada. Afirmar a existência da unidade na e como “Natureza” é advogar um princípio hierárquico no tocante ao universo e suas esferas.
Desse modo, se a “Natureza” é uma unidade, seja em fase estacionária, ou em processo, logo representa um sistema de autoridades, poderes e leis superiores e inferiores, estando sujeita a uma compreensão com base em seu desenvolvimento passado, presente ou contínuo – como uma cadeia do ser no qual há os seres inferiores e superiores. As leis, pois, deste domínio do ser devem ser derivadas a partir da interioridade da escala do ser. Caso o elemento primitivo e inferior seja encarado como vital, então configura-se como a verdadeira fonte de poder e determinação. Todavia, caso seja se considere o racional e superior como o mais importante, segue-se que este se torna, então, a fonte necessária de poder e determinação. Contudo, em todo o caso, a causalidade e o poder criativo não inerentemente localizados dentro do universo, de modo que é necessário tomar a “Natureza” como o fundamento do ser, a fonte da ultimidade, e “o sistema de todos os fenômenos no espaço e tempo”.
Se Deus é o Criador, então o sistema não é a “Natureza”, mas, sim, o decreto eterno de Deus. Ora, a exclusão do conceito tradicional de “Natureza” implica também na alteração dos conceitos tradicionais de natural e sobrenatural. No âmbito do mito [da Natureza], o natural representa a vida normal de um sistema cósmico autocontido, ao passo que o sobrenatural é a intrusão da atividade de Deus neste sistema.
No entanto, se os eventos naturais e sobrenaturais são igualmente a atividade do Deus triúno, e, ambos, de semelhante modo, Sua atividade direta, então a distinção deve ser pautada em outros termos. A Bíblia não hesita em atribuir a Deus as tempestades, relâmpagos, trovões, secas, pragas e outros acontecimentos naturais da mesma forma que atribui também a Ele o nascimento virginal e outros milagres. Ora, as Escrituras fazem uma distinção notável entre o nascimento dos homens em geral e o nascimento de Jesus Cristo; porém a diferença não está em situar Deus no milagre e atribuir os nascimentos habituais à “natureza”. Pelo contrário, Deus Se encontra igualmente em ambos; e tanto um quanto o outro se tratam da ação, poder e decreto diretos de Deus. Portanto, a diferença não está no grau da presença ou atividade divinas, mas na natureza dos atos. Os nascimentos naturais representam o padrão de Deus para a humanidade em sua geração, ao passo que o nascimento virginal representa Seu padrão para a humanidade em sua regeneração. Ora, o nascimento virginal é ímpar, entretanto é ainda o padrão ou plano de Deus nos termos de Seu decreto eterno: em Cristo, é dada uma nova criação à humanidade, e todos aqueles que nasceram de novo nEle são “os que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (João 1:13).
A introdução do conceito de “Natureza” e da lei natural, oriunda da filosofia helênica, levou a um desvio da fé bíblica. A lei natural trata de um sistema autocontido de sua própria lei inerente. O deísmo foi um de seus produtos, o qual reduziu Deus a um mecânico que somente criou a “Natureza”, e esta, agora, funciona independentemente de Deus. O próximo passo foi a aceitação da ultimidade da “Natureza” e o afastamento total de Deus.
O caminho para o restabelecimento teísta é apenas possível por meio de um ataque sistemático sobre o conceito ilegítimo da “Natureza”, que impôs, pelo menos, uma membrana entre Deus e o homem, e, em sua forma plenamente desenvolvida, suplanta Deus com um universo autocontido. A “Natureza” é um conceito bastardo e deve ser, portanto, abandonado.
NOTAS SOBRE “A MITOLOGIA DA NATUREZA”, POR VÍTOR BARRETO
A crítica de Rushdoony à lei natural é comumente equivocadamente compreendida no meio reformado conservador. Ela não pode ser confundida, por exemplo, com a crítica de Karl Barth, cuja cosmovisão manteve o dualismo tomista natureza-graça, e que, como uma espécie de existencialista cristão, desvalorizando o “andar inferior da natureza”, em termos schaefferianos.
Rushdoony, pelo contrário, seguiu a trilha iniciada por Herman Dooyeweerd, buscando apenas subjugar a política ao motivo básico religioso da Criação-Queda-Redenção. Assim sendo, sua crítica começa com uma abordagem histórica dos efeitos do dualismo graça-natureza em Tomás de Aquino, que era uma síntese da teologia cristã com uma visão de natureza derivada do aristotelismo. Como Dooyeweerd explica em “Raízes da Cultura Ocidental”, a visão de natureza da filosofia grega era, ela própria, oriunda de uma síntese entre as antigas religiões da natureza e a nova religião cultural grega (ver “Raízes da Cultura Ocidental”). Não é possível negligenciar a impossibilidade de reconhecermos a filosofia grega como “neutra”, mas como igualmente religiosa. Em “The One and The Many”, Rushdoony mostra como a filosofia aristotélica tinha um aspecto esotérico. É impossível sintetizar motivos religiosos básicos, porque ambos partem de pontos absolutos distintos. Nas palavras de Rushdoony no livro Sovereignty, “As raízes da mudança do homem cristão para o homem civil estão na adoção do pensamento de Aristóteles pela igreja medieval”. A síntese tomista, portanto, foi o descarrilar político-filosófico que trouxe-nos a secularização e a exclusão do cristianismo da vida pública, especialmente depois que Guilherme de Ockham levou o dualismo tomista às suas consequências lógicas, distanciando a natureza e a graça. Se a natureza é reconhecida como uma realidade substantiva e equilibrada, funcionando por leis próprias independentemente da ação divina, então ela é também a fonte da lei e a base para a organização humana. A Lei de Deus não é mais levada em consideração, antes, deve-se obedecer à natureza. Isto é perceptível nos nossos dias, quando anti-cristãos atacam a fidelidade conjugal e a castidade antes do casamento, alegando que a natureza humana requer sexualidade como uma “necessidade fisiológica”.
Nesse caso, o conflito entre uma natureza tornada normativa e a Lei de Deus torna-se evidente. Para Aristóteles, por exemplo, que não possuía a Revelação especial de Deus, a família seria uma instituição “natural” cuja função seria prover a satisfação de necessidades alimentares e sexuais. Não há menção aqui ao propósito espiritual do casamento. Semelhantemente, o estado passou a ser visto como uma organização natural responsável por conduzir a comunidade a um objetivo também natural, que em momento algum leva em conta a existência do pecado ou a função de punição do mal, conforme Paulo descreve em Romanos 13. A visão da sociedade natural de Tomás era derivada do aristotelismo. Para ele, a igreja exerceria a função de orientadora sobrenatural, como cabeça espiritual do mundo natural. Depois de Tomás, portanto, a lei pública deixou de ser baseada na religião cristã para ser baseada na “lei natural” como uma interpretação racional-empírica da própria natureza através da observação de tendências e necessidades humanas, ao passo que a Revelação Bíblica foi posta de lado a favor das supostas certezas científicas. [Tomás tinha duas fontes de conhecimento, a Bíblia e os sentidos; ver Três Tipos de Filosofia Religiosa, do Gordon Clark. Tomás, seguindo Aristóteles, entendeu que é possível para a mente do homem obter conhecimento sem referência a seu estado moral; a visão da mente do homem como uma “tábula rasa” em John Locke segue a mesmíssima linha, e ambas produziram a divisão fato-valor que Nancy Pearcey discutiu em “A Verdade Absoluta”. Hoje, tal linha de pensamento é a hegemônica no Ocidente]. A lei agora é “da natureza”. Mas Rushdoony diz em outro lugar, “se a lei é natural, tudo o que nos resta é uma moral naturalista”. Em um de seus efeitos, a vida humana primeiramente passou a ser vista como tendo dois propósitos: um espiritual e o outro “natural” ou “social”, para em seguida se expurgar o propósito espiritual como um elemento alheio e prejudicial ao homem natural.
No primeiro caso, do qual nem mesmo os países protestantes conseguiram desvencilhar-se completamente, percebe-se que resiste uma visão comum do chamado “bom cidadão”. Às vezes, alguém pode não ser nem mesmo um cristão, mas é reconhecido como um “bom cidadão” caso adeque-se às exigências sociais. A doutrina da depravação total e da Graça não permite um julgamento dessa categoria. No segundo caso, o cristianismo passou a ser inimigo da liberdade e dos potenciais humanos. Nasceram assim as teorias políticas hostis e estatistas como a de Thomas Hobbes e outros. É preciso dizer que Hobbes representou uma transição do direito natural clássico para o moderno. Ele mesmo foi influenciado por Maquiavel, que também foi influenciado por uma teoria própria de direito natural.
É provavelmente com Hobbes que notamos aquilo que Edmund Burke percebeu como sendo o ataque do ateísmo contra o cristianismo. “Antigamente, a audácia não era uma característica dos ateus como tais. (...) Mas posteriormente eles se fizeram ativos, astuciosos, turbulentos e sediciosos”. Groen Van Prinsterer, um leitor de Burke, reconheceu que a raiz das revoluções modernas é principalmente “um conceito ateísta de liberdade”.
Com efeito, os revolucionários imanentizaram a fonte das leis – do Deus transcendente para o reino da natureza. Como disse Charles Beard, “os seguidores do clero e os monarquistas pretendiam ter direitos especiais por direito divino. Os revolucionários invocavam a natureza” (In: Direito Natural e História, Leo Straus, 111.). E embora alguns possam argumentar sobre as diferenças entre o direito natural moderno e o direito natural clássico, o fato é que também no direito natural clássico, a autoridade do ancestral, das tradições e das religiões é desarraigada em favor da autoridade conferida à natureza. Como diz a famosa frase de Schaeffer, “a natureza devorou a graça”. Foi o que efetivamente aconteceu no Ocidente. Depois de Hobbes, vieram, cada um a próprio modo, Rousseau, Hegel até o Marquês de Sade. Se a transcendência é negada, como Rushdoony diz no texto acima, é possível, pois, elencar a excelência da razão dentro do mundo natural. Foi o que fez Hegel. Para este último, por fim, o estado era a encarnação da Razão e, portanto, a autoridade máxima na natureza. A menos que, como alertava Dooyeweerd, retornemos ao móvito básico religioso da Criação-Queda-Redenção, amargaremos repetidas revoluções no Ocidente.
Ora, uma coisa é dizer que o universo ou criação existe; outra, todavia, é afirmar que este universo é a fonte de suas próprias leis e fenômenos, ou que é um sistema autocontido de causalidade. Não há na Bíblia um termo como “Natureza”. E, na verdade, as Escrituras não reconhecem a Natureza como a fonte e causa dos fenômenos naturais; pelo contrário, elas veem Deus em operação direta e absoluta em todos os fenômenos naturais. Não há lei inerente à “Natureza”, mas, sim, uma lei sobre a “Natureza”. Destarte, o termo “Natureza” é um coletivo para uma realidade não-coletivizada, e com isto queremos dizer que a “Natureza” não possui unidade em e de si mesma que faça dela uma ordem unificada. Afirmar a existência da unidade na e como “Natureza” é advogar um princípio hierárquico no tocante ao universo e suas esferas.
Desse modo, se a “Natureza” é uma unidade, seja em fase estacionária, ou em processo, logo representa um sistema de autoridades, poderes e leis superiores e inferiores, estando sujeita a uma compreensão com base em seu desenvolvimento passado, presente ou contínuo – como uma cadeia do ser no qual há os seres inferiores e superiores. As leis, pois, deste domínio do ser devem ser derivadas a partir da interioridade da escala do ser. Caso o elemento primitivo e inferior seja encarado como vital, então configura-se como a verdadeira fonte de poder e determinação. Todavia, caso seja se considere o racional e superior como o mais importante, segue-se que este se torna, então, a fonte necessária de poder e determinação. Contudo, em todo o caso, a causalidade e o poder criativo não inerentemente localizados dentro do universo, de modo que é necessário tomar a “Natureza” como o fundamento do ser, a fonte da ultimidade, e “o sistema de todos os fenômenos no espaço e tempo”.
Se Deus é o Criador, então o sistema não é a “Natureza”, mas, sim, o decreto eterno de Deus. Ora, a exclusão do conceito tradicional de “Natureza” implica também na alteração dos conceitos tradicionais de natural e sobrenatural. No âmbito do mito [da Natureza], o natural representa a vida normal de um sistema cósmico autocontido, ao passo que o sobrenatural é a intrusão da atividade de Deus neste sistema.
No entanto, se os eventos naturais e sobrenaturais são igualmente a atividade do Deus triúno, e, ambos, de semelhante modo, Sua atividade direta, então a distinção deve ser pautada em outros termos. A Bíblia não hesita em atribuir a Deus as tempestades, relâmpagos, trovões, secas, pragas e outros acontecimentos naturais da mesma forma que atribui também a Ele o nascimento virginal e outros milagres. Ora, as Escrituras fazem uma distinção notável entre o nascimento dos homens em geral e o nascimento de Jesus Cristo; porém a diferença não está em situar Deus no milagre e atribuir os nascimentos habituais à “natureza”. Pelo contrário, Deus Se encontra igualmente em ambos; e tanto um quanto o outro se tratam da ação, poder e decreto diretos de Deus. Portanto, a diferença não está no grau da presença ou atividade divinas, mas na natureza dos atos. Os nascimentos naturais representam o padrão de Deus para a humanidade em sua geração, ao passo que o nascimento virginal representa Seu padrão para a humanidade em sua regeneração. Ora, o nascimento virginal é ímpar, entretanto é ainda o padrão ou plano de Deus nos termos de Seu decreto eterno: em Cristo, é dada uma nova criação à humanidade, e todos aqueles que nasceram de novo nEle são “os que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (João 1:13).
A introdução do conceito de “Natureza” e da lei natural, oriunda da filosofia helênica, levou a um desvio da fé bíblica. A lei natural trata de um sistema autocontido de sua própria lei inerente. O deísmo foi um de seus produtos, o qual reduziu Deus a um mecânico que somente criou a “Natureza”, e esta, agora, funciona independentemente de Deus. O próximo passo foi a aceitação da ultimidade da “Natureza” e o afastamento total de Deus.
O caminho para o restabelecimento teísta é apenas possível por meio de um ataque sistemático sobre o conceito ilegítimo da “Natureza”, que impôs, pelo menos, uma membrana entre Deus e o homem, e, em sua forma plenamente desenvolvida, suplanta Deus com um universo autocontido. A “Natureza” é um conceito bastardo e deve ser, portanto, abandonado.
NOTAS SOBRE “A MITOLOGIA DA NATUREZA”, POR VÍTOR BARRETO
A crítica de Rushdoony à lei natural é comumente equivocadamente compreendida no meio reformado conservador. Ela não pode ser confundida, por exemplo, com a crítica de Karl Barth, cuja cosmovisão manteve o dualismo tomista natureza-graça, e que, como uma espécie de existencialista cristão, desvalorizando o “andar inferior da natureza”, em termos schaefferianos.
Rushdoony, pelo contrário, seguiu a trilha iniciada por Herman Dooyeweerd, buscando apenas subjugar a política ao motivo básico religioso da Criação-Queda-Redenção. Assim sendo, sua crítica começa com uma abordagem histórica dos efeitos do dualismo graça-natureza em Tomás de Aquino, que era uma síntese da teologia cristã com uma visão de natureza derivada do aristotelismo. Como Dooyeweerd explica em “Raízes da Cultura Ocidental”, a visão de natureza da filosofia grega era, ela própria, oriunda de uma síntese entre as antigas religiões da natureza e a nova religião cultural grega (ver “Raízes da Cultura Ocidental”). Não é possível negligenciar a impossibilidade de reconhecermos a filosofia grega como “neutra”, mas como igualmente religiosa. Em “The One and The Many”, Rushdoony mostra como a filosofia aristotélica tinha um aspecto esotérico. É impossível sintetizar motivos religiosos básicos, porque ambos partem de pontos absolutos distintos. Nas palavras de Rushdoony no livro Sovereignty, “As raízes da mudança do homem cristão para o homem civil estão na adoção do pensamento de Aristóteles pela igreja medieval”. A síntese tomista, portanto, foi o descarrilar político-filosófico que trouxe-nos a secularização e a exclusão do cristianismo da vida pública, especialmente depois que Guilherme de Ockham levou o dualismo tomista às suas consequências lógicas, distanciando a natureza e a graça. Se a natureza é reconhecida como uma realidade substantiva e equilibrada, funcionando por leis próprias independentemente da ação divina, então ela é também a fonte da lei e a base para a organização humana. A Lei de Deus não é mais levada em consideração, antes, deve-se obedecer à natureza. Isto é perceptível nos nossos dias, quando anti-cristãos atacam a fidelidade conjugal e a castidade antes do casamento, alegando que a natureza humana requer sexualidade como uma “necessidade fisiológica”.
Nesse caso, o conflito entre uma natureza tornada normativa e a Lei de Deus torna-se evidente. Para Aristóteles, por exemplo, que não possuía a Revelação especial de Deus, a família seria uma instituição “natural” cuja função seria prover a satisfação de necessidades alimentares e sexuais. Não há menção aqui ao propósito espiritual do casamento. Semelhantemente, o estado passou a ser visto como uma organização natural responsável por conduzir a comunidade a um objetivo também natural, que em momento algum leva em conta a existência do pecado ou a função de punição do mal, conforme Paulo descreve em Romanos 13. A visão da sociedade natural de Tomás era derivada do aristotelismo. Para ele, a igreja exerceria a função de orientadora sobrenatural, como cabeça espiritual do mundo natural. Depois de Tomás, portanto, a lei pública deixou de ser baseada na religião cristã para ser baseada na “lei natural” como uma interpretação racional-empírica da própria natureza através da observação de tendências e necessidades humanas, ao passo que a Revelação Bíblica foi posta de lado a favor das supostas certezas científicas. [Tomás tinha duas fontes de conhecimento, a Bíblia e os sentidos; ver Três Tipos de Filosofia Religiosa, do Gordon Clark. Tomás, seguindo Aristóteles, entendeu que é possível para a mente do homem obter conhecimento sem referência a seu estado moral; a visão da mente do homem como uma “tábula rasa” em John Locke segue a mesmíssima linha, e ambas produziram a divisão fato-valor que Nancy Pearcey discutiu em “A Verdade Absoluta”. Hoje, tal linha de pensamento é a hegemônica no Ocidente]. A lei agora é “da natureza”. Mas Rushdoony diz em outro lugar, “se a lei é natural, tudo o que nos resta é uma moral naturalista”. Em um de seus efeitos, a vida humana primeiramente passou a ser vista como tendo dois propósitos: um espiritual e o outro “natural” ou “social”, para em seguida se expurgar o propósito espiritual como um elemento alheio e prejudicial ao homem natural.
No primeiro caso, do qual nem mesmo os países protestantes conseguiram desvencilhar-se completamente, percebe-se que resiste uma visão comum do chamado “bom cidadão”. Às vezes, alguém pode não ser nem mesmo um cristão, mas é reconhecido como um “bom cidadão” caso adeque-se às exigências sociais. A doutrina da depravação total e da Graça não permite um julgamento dessa categoria. No segundo caso, o cristianismo passou a ser inimigo da liberdade e dos potenciais humanos. Nasceram assim as teorias políticas hostis e estatistas como a de Thomas Hobbes e outros. É preciso dizer que Hobbes representou uma transição do direito natural clássico para o moderno. Ele mesmo foi influenciado por Maquiavel, que também foi influenciado por uma teoria própria de direito natural.
É provavelmente com Hobbes que notamos aquilo que Edmund Burke percebeu como sendo o ataque do ateísmo contra o cristianismo. “Antigamente, a audácia não era uma característica dos ateus como tais. (...) Mas posteriormente eles se fizeram ativos, astuciosos, turbulentos e sediciosos”. Groen Van Prinsterer, um leitor de Burke, reconheceu que a raiz das revoluções modernas é principalmente “um conceito ateísta de liberdade”.
Com efeito, os revolucionários imanentizaram a fonte das leis – do Deus transcendente para o reino da natureza. Como disse Charles Beard, “os seguidores do clero e os monarquistas pretendiam ter direitos especiais por direito divino. Os revolucionários invocavam a natureza” (In: Direito Natural e História, Leo Straus, 111.). E embora alguns possam argumentar sobre as diferenças entre o direito natural moderno e o direito natural clássico, o fato é que também no direito natural clássico, a autoridade do ancestral, das tradições e das religiões é desarraigada em favor da autoridade conferida à natureza. Como diz a famosa frase de Schaeffer, “a natureza devorou a graça”. Foi o que efetivamente aconteceu no Ocidente. Depois de Hobbes, vieram, cada um a próprio modo, Rousseau, Hegel até o Marquês de Sade. Se a transcendência é negada, como Rushdoony diz no texto acima, é possível, pois, elencar a excelência da razão dentro do mundo natural. Foi o que fez Hegel. Para este último, por fim, o estado era a encarnação da Razão e, portanto, a autoridade máxima na natureza. A menos que, como alertava Dooyeweerd, retornemos ao móvito básico religioso da Criação-Queda-Redenção, amargaremos repetidas revoluções no Ocidente.
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Autor: Rousas John Rushdoony
Fonte: The Mythology of Science, p. 127
Tradução: Fabrício Tavares de Moraes
Notas: Vítor Barreto
Notas: Vítor Barreto
Divulgação: Bereianos
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