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Hoje me deparei com um texto num blog católico romano, que afirmava que o reformador francês João Calvino, num determinado momento da sua vida, fez uma súplica a outro reformador que já se encontrava morto naquela ocasião, a saber, Philip Melanchthon (Aqui). O que chamou a minha atenção foi o fato de tal texto ter sido compartilhado no Facebook por um pastor protestante de orientação soteriológica arminiana. O que parece é que, neste caso, vigorou o princípio do "o inimigo do meu inimigo é meu amigo". Lamentavelmente, na ânsia de se opor ao calvinismo há muitos que recorrem a subterfúgios escusos, a ataques à pessoa do reformador francês, mesmo que tais ataques tenham a sua origem nos romanistas. O que importa é se há um texto falando mal de Calvino ou "revelando" algo negro da sua história e do seu pensamento teológico. Destoam estes da postura do próprio Jacobus Arminius que, não obstante a rejeição do calvinismo, sabia reconhecer os pontos positivos do pensamento de João Calvino, a ponto de recomendar aos seus alunos a leitura dos comentários de Calvino, pois, de acordo com Arminius:
De acordo com a postagem, a "súplica" de Calvino a Melanchthon foi a seguinte:
Visando apresentar uma refutação a tal acusação, compartilho um texto escrito por James Swan, editor do Blog Beggars All: Reformation & Apologetics, intitulado John Calvin Prayed to Philip Melanchthon?
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Aqui está um daqueles boatos estranhos que tem circulado pela Internet já há alguns anos. É dito que Calvino orou a Melanchthon após a morte deste. Calvino declarou: “Ó Philip Melanchthon!... Eu apelo a você que vive na presença de Deus, com Cristo, e aguarda por nós ali até que estejamos unidos a você no abençoado descanso... Eu tenho desejado mil vezes que nosso destino fosse estarmos juntos!” Um contexto para esta citação pode ser encontrado aqui.
O livro retratado é intitulado Melanchthon in Europe: His Work and Influence Beyond Wittenberg (Melanchthon na Europa: Sua Obra e Influência Além de Wittenberg). Um dos capítulos mais fascinantes é o de Timothy Wengert, “We Will Feast in Heaven Forever: The Epistolary Friendship of John Calvin and Philip Melanchthon” (“Nós Festejaremos no Céu para Sempre: A Amizade Epistolar de João Calvino e Philip Melanchthon”). O capítulo de Wengert desafia o paradigma popular que diz que Calvino e Melanchthon eram amigos, apesar das suas diferenças. Wengert analisa a correspondência entre esses dois Reformadores dentro do contexto da etiqueta da escrita de cartas no período do Renascimento, concluindo que esses homens não eram tão amigos como parece. Ele argumenta que a amizade entre eles era “uma ficção literária imposta pelos próprios autores, especialmente Calvino, que tinha uma rede muito complexa de interações, as quais nem todas eram amigáveis” (p. 22).
A respeito dessa alegada oração de Calvino a Melanchthon, Wengert afirma:
Como demonstrado acima, ignorar contextos históricos pode levar a distorções. Eu apontei casos semelhantes deste tipo de erro há alguns anos: Carta de Lutero ao Papa Leão: “Eu reconheço a tua voz como a voz de Cristo” e a carta imaginária de Lutero ao Papa Leão X, em 6 de janeiro de 1519. Devemos lembrar de considerar a política e as polêmicas da Reforma quando mergulhamos profundamente na história. Aquilo que pode parecer dizer algo pode, na verdade, estar dizendo algo bem diferente.
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Comento: É lamentável que, na ânsia de se opor ao pensamento teológico de Calvino haja quem apele para leviandades. Como observei em outro lugar:
1. É interessante a citação que o próprio blog católico compartilha de um texto de Francis Nigel Lee: "Sobre a morte de Philipp, Calvino comoventemente LAMENTOU". Acredito que este lamento - não oração - pode ser entendido nos moldes da minha segunda observação:
2. O lamento de Davi por Absalão (2Samuel 18.33): "Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!"
Ambos os lamentos expressam um desejo:
1. "Desde então eu tenho milhares de vezes desejado que isso fosse nosso destino para estarmos juntos" (Calvino).
2. "Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!" (Davi).
Acredito que, em relação à segunda, ninguém vá afirmar que trata-se de uma oração. Por que fazer diferente em relação à primeira?
O historiador Philip Schaff, na sua obra History of the Christian Church, Vol. 8, § 90, reporta-se ao episódio não dando evidência alguma de entender que aqui Calvino estava orando a Melanchthon. Ele diz:
Para Schaff, não se trata de uma oração, mas de tocante apelo feito em tom de lamento.
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Por Rev. Alan Rennê Alexandrino Lima
Hoje me deparei com um texto num blog católico romano, que afirmava que o reformador francês João Calvino, num determinado momento da sua vida, fez uma súplica a outro reformador que já se encontrava morto naquela ocasião, a saber, Philip Melanchthon (Aqui). O que chamou a minha atenção foi o fato de tal texto ter sido compartilhado no Facebook por um pastor protestante de orientação soteriológica arminiana. O que parece é que, neste caso, vigorou o princípio do "o inimigo do meu inimigo é meu amigo". Lamentavelmente, na ânsia de se opor ao calvinismo há muitos que recorrem a subterfúgios escusos, a ataques à pessoa do reformador francês, mesmo que tais ataques tenham a sua origem nos romanistas. O que importa é se há um texto falando mal de Calvino ou "revelando" algo negro da sua história e do seu pensamento teológico. Destoam estes da postura do próprio Jacobus Arminius que, não obstante a rejeição do calvinismo, sabia reconhecer os pontos positivos do pensamento de João Calvino, a ponto de recomendar aos seus alunos a leitura dos comentários de Calvino, pois, de acordo com Arminius:
"Depois da leitura das Escrituras, e mais do que qualquer outra coisa, eu recomendo a leitura dos comentários de Calvino, pois afirmo que na interpretação das Escrituras Calvino é incomparável, e que seus comentários são mais valiosos do que qualquer coisa que nos tenha sido legada nos escritos dos pais - tanto assim, que atribuo a ele certo espírito de profecia no qual ele se encontra numa posição distinta acima de outros, acima da maioria, na verdade, acima de todos" (Em carta enviada a Sebastian Egbertsz).
De acordo com a postagem, a "súplica" de Calvino a Melanchthon foi a seguinte:
"Ó, Philip Melancthon, pois eu apelo a ti, que estais agora vivendo no seio de Deus, onde tu esperas por nós até que nós estejamos reunidos contigo no Santo Descanso. Uma centena de vezes tu dissesse, fadigado com o trabalho, e oprimido com a tristeza, tu deitastes em meu peito como um irmão, ‘Que eu possa morrer neste peito!’ Desde então eu tenho milhares de vezes desejado que isso fosse nosso destino para estarmos juntos" (Clear Explanation of the Holy Supper, in Reid’s Theological Treatises of John Calvin, S.C.M., London, p. 258).
Visando apresentar uma refutação a tal acusação, compartilho um texto escrito por James Swan, editor do Blog Beggars All: Reformation & Apologetics, intitulado John Calvin Prayed to Philip Melanchthon?
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Aqui está um daqueles boatos estranhos que tem circulado pela Internet já há alguns anos. É dito que Calvino orou a Melanchthon após a morte deste. Calvino declarou: “Ó Philip Melanchthon!... Eu apelo a você que vive na presença de Deus, com Cristo, e aguarda por nós ali até que estejamos unidos a você no abençoado descanso... Eu tenho desejado mil vezes que nosso destino fosse estarmos juntos!” Um contexto para esta citação pode ser encontrado aqui.
O livro retratado é intitulado Melanchthon in Europe: His Work and Influence Beyond Wittenberg (Melanchthon na Europa: Sua Obra e Influência Além de Wittenberg). Um dos capítulos mais fascinantes é o de Timothy Wengert, “We Will Feast in Heaven Forever: The Epistolary Friendship of John Calvin and Philip Melanchthon” (“Nós Festejaremos no Céu para Sempre: A Amizade Epistolar de João Calvino e Philip Melanchthon”). O capítulo de Wengert desafia o paradigma popular que diz que Calvino e Melanchthon eram amigos, apesar das suas diferenças. Wengert analisa a correspondência entre esses dois Reformadores dentro do contexto da etiqueta da escrita de cartas no período do Renascimento, concluindo que esses homens não eram tão amigos como parece. Ele argumenta que a amizade entre eles era “uma ficção literária imposta pelos próprios autores, especialmente Calvino, que tinha uma rede muito complexa de interações, as quais nem todas eram amigáveis” (p. 22).
A respeito dessa alegada oração de Calvino a Melanchthon, Wengert afirma:
Mesmo a reminiscência frequentemente citada de Calvino sobre a recente partida de Melanchthon deve ser vista estritamente dentro do contexto do Renascimento e da Reforma, onde ela apareceu. Calvino escreveu:
Ó Philip Melanchthon! Eu apelo a ti que agora vives com Cristo, no seio de Deus, e ali esperas por nós, até que sejamos reunidos contigo no abençoado repouso. Umas cem vezes, quando desgastado com labores e oprimido com tantos problemas, quiseste repousar familiarmente tua cabeça no meu peito, e dizer: “Que eu possa morrer neste peito!” Desde então, durante mil vezes, tenho desejado que seja concedido a nós viver juntos, pois certamente tu querias, então, ter tido mais coragem para as inevitáveis lutas, e terias sido mais forte para desprezares a inveja, e para reputares como nada todas as acusações. Assim, também a malícia de muitos, que com audácia reuniram para seus ataques, teria sido restringida pela tua gentileza, que eles chamam de fraqueza.
De fato, Calvino estava aludindo a certas tensões em seu relacionamento: a suposta tendência de Melanchthon a capitular e seu fracasso em apoiar Calvino diretamente. Calvino presumia força, e a maldade dos acusadores de Melanchthon. No entanto, vindo como veio, dentro de um tratado sobre a Eucaristia, também era uma tentativa de Calvino de descrever Melanchthon como um defensor da teologia eucarística do genebrino, algo que Melanchthon nunca foi durante a sua vida (p. 23).
Como demonstrado acima, ignorar contextos históricos pode levar a distorções. Eu apontei casos semelhantes deste tipo de erro há alguns anos: Carta de Lutero ao Papa Leão: “Eu reconheço a tua voz como a voz de Cristo” e a carta imaginária de Lutero ao Papa Leão X, em 6 de janeiro de 1519. Devemos lembrar de considerar a política e as polêmicas da Reforma quando mergulhamos profundamente na história. Aquilo que pode parecer dizer algo pode, na verdade, estar dizendo algo bem diferente.
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Comento: É lamentável que, na ânsia de se opor ao pensamento teológico de Calvino haja quem apele para leviandades. Como observei em outro lugar:
1. É interessante a citação que o próprio blog católico compartilha de um texto de Francis Nigel Lee: "Sobre a morte de Philipp, Calvino comoventemente LAMENTOU". Acredito que este lamento - não oração - pode ser entendido nos moldes da minha segunda observação:
2. O lamento de Davi por Absalão (2Samuel 18.33): "Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!"
Ambos os lamentos expressam um desejo:
1. "Desde então eu tenho milhares de vezes desejado que isso fosse nosso destino para estarmos juntos" (Calvino).
2. "Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!" (Davi).
Acredito que, em relação à segunda, ninguém vá afirmar que trata-se de uma oração. Por que fazer diferente em relação à primeira?
O historiador Philip Schaff, na sua obra History of the Christian Church, Vol. 8, § 90, reporta-se ao episódio não dando evidência alguma de entender que aqui Calvino estava orando a Melanchthon. Ele diz:
No dia 19 de abril de 1560, Melanchthon foi libertado da "fúria dos teólogos" e de todas as suas angústias. Um ano após a sua morte, Calvino, que ainda lutaria a batalha da fé por mais quatro anos, durante a fúria renovada da controvérsia eucarística com o fanático Heshusius, dirigiu este tocante apelo ao seu amigo santo no céu:
Ó Philip Melanchthon! Eu apelo a ti que agora vives com Cristo, no seio de Deus, e ali esperas por nós, até que sejamos reunidos contigo no abençoado repouso. Umas cem vezes, quando desgastado com labores e oprimido com tantos problemas, quiseste repousar familiarmente tua cabeça no meu peito, e dizer: “Que eu possa morrer neste peito!” Desde então, durante mil vezes, tenho desejado que seja concedido a nós viver juntos, pois certamente tu querias, então, ter tido mais coragem para as inevitáveis lutas, e terias sido mais forte para desprezares a inveja, e para reputares como nada todas as acusações. Assim, também a malícia de muitos, que com audácia reuniram para seus ataques, teria sido restringida pela tua gentileza, que eles chamam de fraqueza.
Quem, tendo em vista essa amizade, que era mais forte que a morte, pode acusar Calvino de falta de coração e de terna afeição?
Para Schaff, não se trata de uma oração, mas de tocante apelo feito em tom de lamento.
Fonte: Cristão Reformado
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