Um Evangelho que devemos conhecer e tornar conhecido

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Por Paul Washer


"Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei..." 1 Coríntios 15.1

Um escritor ou pregador do evangelho teria muita dificuldade para elaborar uma introdução melhor ao evangelho de Jesus Cristo do que esta introdução dada pelo apóstolo Paulo à igreja de Corinto (1 Co 15.1-4). Nestas poucas linhas, Paulo nos oferece verdades suficientes para vivermos durante toda a vida e conduzir-nos à glória. Somente o Espírito Santo poderia capacitar um homem a dizer tanto, com tanta clareza, em tão poucas palavras.

Conhecendo o evangelho

Nesta pequena passagem das Escrituras, achamos uma verdade que tem de ser redescoberta por todos nós. O evangelho não é apenas uma mensagem de introdução ao cristianismo. Ele é "a" mensagem do cristianismo; e o crente fará muito bem se gastar sua vida em procurar "conhecer" a glória do evangelho e em "tornar conhecida" esta glória. Há muitas coisas a conhecermos neste mundo e inúmeras verdades a serem investigadas na esfera do cristianismo, mas o glorioso evangelho de nosso Deus bendito (1 Tm 1.11) e de seu Filho, Jesus Cristo, é superior a todas elas. É a mensagem de nossa salvação, o instrumento de nosso progresso na santificação e a fonte cristalina da qual flui toda motivação pura e correta para a vida cristã. O crente que compreende algo do conteúdo e do caráter do evangelho nunca terá falta de zelo, nunca será tão necessitado que buscará forças em cisternas rotas e vazias feitas pelas mãos de homens (Jr 2.13-14; 14.3). 

De nosso texto, entendemos que o apóstolo Paulo já tinha pregado o evangelho à igreja de Corinto. De fato, ele era o pai espiritual daqueles crentes! (1 Co 4.15)  Entretanto, Paulo viu a necessidade de continuar pregando-lhes o evangelho: não somente de recordar as suas verdades essenciais, mas também de ampliar o seu conhecimento. Na conversão deles, começaram uma jornada de descoberta que abrangeria toda a sua vida e se estenderia pelas eras intermináveis da eternidade – a descoberta das glórias de Deus revelada no evangelho de Jesus Cristo.

Como pregadores e congregantes, seríamos sábios se víssemos o evangelho novamente com os olhos deste apóstolo da antiguidade e o estimássemos como digno de uma vida inteira de investigação cuidadosa. Embora já tivéssemos vivido muitos anos na fé, embora possuíssemos o intelecto de Edwards e o discernimento de Spurgeon, embora pudéssemos entender toda publicação desde os pais na igreja primitiva, passando pelos reformadores e puritanos, até aos eruditos do tempo presente, estejamos certos de que ainda não atingimos nem mesmo os contrafortes deste Everest que chamamos de "evangelho". E isso será dito a nosso respeito mesmo depois de uma eternidade de eternidades!

Vivemos em mundo que nos oferece um número quase infinito de possibilidades, e existe um número incalculável de opções que rivalizam por nossa atenção. O mesmo pode ser dito sobre o cristianismo e a ampla esfera de temas teológicos que um aluno pode estudar. Há um número quase infinito de verdades bíblicas que um homem pode gastar a vida examinando-as. E mesmo o tema menos importante da Escritura é digno de milhares de vidas em seu estudo. Todavia, há um tema que se eleva sobre todos os demais e que é fundamental para o entendimento de todas as outras verdades bíblicas – o evangelho de Jesus Cristo. É por meio desta mensagem singular que o poder de Deus se manifesta na igreja e na vida do crente individual.

Quando examinamos os anais da história do cristianismo, vemos homens e mulheres de paixão incomum por Deus e por seu reino. Anelamos ser como eles e nos perguntamos como chegaram a possuir um zelo tão duradouro. Depois de uma consideração diligente de sua vida, doutrina e ministério, descobrimos que eles diferiram em muitas coisas, mas tiveram um denominador comum entre si. Todos eles tiveram um vislumbre da glória do evangelho, e sua beleza acendeu a paixão deles e os impulsionou a prosseguir. A vida e o legado deles provam que paixão genuína e duradoura resulta de um entendimento cada vez mais crescente e mais profundo do que Deus fez por seu povo na pessoa e na obra de Jesus Cristo! Não há substituto para esse conhecimento!

O evangelho cristão tem sido designado como "evangelho", uma palavra que vem do latim evangellium, que significa boas novas. Esta é a razão por que os crentes são muitas vezes chamados de evangélicos. Somos "evangélicos" porque cremos no evangelho e o estimamos como a verdade primordial e central da revelação de Deus para os homens. O evangelho não é um prefácio, um provérbio ou uma explicação posterior. Não é meramente a classe de introdução ao cristianismo, e sim todo o curso de estudo do cristianismo. É a história de nossa vida, as insondáveis riquezas que procuramos explorar e a mensagem que vivemos para proclamar. Por esta razão, podemos dizer que somos mais cristãos e mais evangélicos quando o evangelho de Jesus Cristo é a nossa única esperança, o nosso único motivo de orgulho e a nossa única e maior obsessão.

Hoje, são realizadas tantas conferencias no âmbito do evangelicalismo, especialmente para jovens, que têm o objetivo de estimular a paixão dos crentes por meio de música, comunhão, palestrantes eloquentes, histórias emocionais e apelos comoventes. Contudo, o entusiasmo que tais conferências produzem, seja ele qual for, desaparece rapidamente. Pequenos fogos foram acessos em pequenos corações e se acabam em poucos dias. Temos esquecido que paixão genuína e duradoura nasce do conhecimento da verdade e, em específico, a verdade do evangelho. Quanto mais "conhecemos" e compreendemos a beleza do evangelho, tanto mais somos tomados por seu poder. Um vislumbre do evangelho moverá o coração verdadeiramente regenerado a segui-lo. Cada vislumbre maior do evangelho acelerará o seu passo, até que ele esteja correndo resolutamente em direção ao prêmio (Fp 3.13-14). A essa beleza o coração verdadeiramente cristão não pode resistir. Esta é a grande necessidade do momento! É o que temos perdido e o que temos de obter novamente – uma paixão por conhecer o evangelho e uma paixão idêntica por torná-lo conhecido.

Tornando conhecido o evangelho

Não seria um exagero dizer que o apóstolo Paulo foi um dos maiores instrumentos humanos do reino de Deus, na história da humanidade e na história da redenção. Ele foi responsável pela propagação do evangelho em todo o Império Romano durante um tempo de perseguição incomparável e permanece como um exemplo do que significa ser um ministro cristão. No entanto, ele fez tudo isto por meio da proclamação simples da mensagem mais escandalosa de todas que já chegaram aos ouvidos dos homens. Ao considerarmos a vida do apóstolo Paulo, notamos que ele foi um homem excepcionalmente dotado, em especial no que concerne ao seu intelecto e zelo. Todavia, ele mesmo nos ensinou que o poder de seu ministério não estava em seus dons, mas na proclamação fiel do evangelho. Em sua primeira carta dirigida aos cristãos de Corinto, Paulo escreveu sua grande resignação:

Porque não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho; não com sabedoria de palavra, para que se não anule a cruz de Cristo (1 Co 1.17).

Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus (1 Co 1.22-24). 

Podemos dizer que o apóstolo Paulo foi, acima de tudo, um pregador! Como Jeremias antes dele, Paulo foi constrangido a pregar. O evangelho era como um fogo ardente encerrado em seus ossos, que ele não podia suportar (Jr 20.9). Aos cristãos de Corinto, Paulo declarou: "Eu cri; por isso, é que falei" (2  Co 4.13) e: "Ai de mim se não pregar o evangelho!" (1 Co 9.16). Essa estimativa tão elevada do evangelho e de pregá-lo não pode ser fingida, quando não existe no coração do pregador, e não pode ser ocultada, quando existe. Deus chama diferentes tipos de homens para levarem o fardo da mensagem do evangelho. Alguns deles são mais solenes e sérios, enquanto outros são mais desatentos e joviais, porém, quando a conversa muda para o assunto do evangelho, uma mudança ocorre no semblante do pregador, e parece que você tem diante de si uma pessoa muito diferente. A eternidade está estampada na face dele, o véu foi removido, e a glória do evangelho brilha com uma paixão genuína. Tal homem tem pouco tempo para histórias fantásticas, antídotos morais ou para compartilhar pensamentos vindos de seu coração. Ele veio para pregar e tem de pregar! Não descansará enquanto seu povo não ouvir a mensagem de Deus. Se o servo Eliezer não pôde comer enquanto não entregou a mensagem de seu senhor, Abraão (Gn 24.33), quanto menos um pregador do evangelho ficará tranquilo enquanto não houver entregado o tesouro do evangelho que lhe foi confiado! (Gl 2.7; 1 Ts 2.4; 1Tm 1.11; 6.20; 2Tm 1.14; Tt 1.3.

Embora poucos discordem do que escrevi até aqui, parece que, de modo geral, a pregação apaixonada do evangelho está fora de moda. Ela é considerada por muitos como algo que não possui o requinte e a sofisticação necessários para que seja eficaz nesta era moderna. O pregador cheio de paixão que proclama ousada e categoricamente a verdade é agora considerado um obstáculo para o homem pós-moderno que prefere um pouco mais de humildade e de abertura para com outras opiniões. O argumento da maioria é que temos de mudar nossa maneira de pregar porque o evangelho parece loucura para o mundo.

Essa atitude para com a pregação é prova de que perdemos nosso senso de direção na comunidade evangélica. Foi Deus quem ordenou que a "loucura da pregação" seja o instrumento para levar ao mundo a mensagem salvadora do evangelho (1 Co 1.21). Isto não significa que a pregação deve ser tola, ilógica ou bizarra. Contudo, o padrão pelo qual toda pregação deve ser comparada é a Escritura e não as opiniões contemporâneas de uma cultura decaída e corrupta, que é sábia a seus próprios olhos (Rm 1.22) e prefere ter seus ouvidos coçados e seu coração entretido a ouvir a Palavra do Senhor (2 Tm 4.3). 

Aonde quer que o apóstolo Paulo viajasse, ele pregava o evangelho. Faremos bem se seguirmos o seu exemplo. Embora o evangelho possa ser compartilhado por meio de instrumentos, não há outro instrumento tão ordenado por Deus como a pregação. Portanto, aqueles que estão buscando constantemente meios inovadores para compartilharem o evangelho com uma nova geração de pessoas interessadas fariam bem se começassem e terminassem sua busca nas Escrituras. Aqueles que enviam milhares de questionários que perguntam aos nãos convertidos o que eles mais gostariam de ver em um culto de adoração devem compreender que as inúmeras opiniões de homens carnais não possuem a autoridade de "um i ou um til" da Palavra de Deus (Mt 5.18). Precisamos entender que há um grande abismo de diferenças irreconciliáveis entre o que Deus ordena nas Escrituras e o que a cultura carnal contemporânea deseja.

Não devemos nos admirar de que homens carnais tanto dentro como fora da igreja desejem teatro, música e mídia no lugar da pregação do evangelho e da exposição bíblica. Enquanto o coração de um homem não for verdadeiramente regenerado, ele aborda o evangelho da mesma maneira como os demônios gadarenos abordaram o Senhor Jesus Cristo: "Que temos nós contigo?" (Mt 8.29). Sem a obra de regeneração realizada pelo Espírito Santo, o homem carnal não tem nenhum interesse ou apreciação verdadeira pelo evangelho, mas, apesar disso, este milagre é operado no coração de um homem por meio da pregação do evangelho que, a princípio, ele desdenha. Portanto, devemos pregar aos homens carnais a própria mensagem que eles não querem ouvir, e o Espírito Santo deve agir! Sem isto, os pecadores não podem ver a beleza do evangelho, assim como porcos não podem ver beleza em pérolas, ou como cães não podem mostrar reverência para com carne santificada, ou como cegos não podem apreciar uma pintura de Rembrandt (Mt 7.6). Os pregadores não fazem bem aos homens carnais por oferecer-lhes as coisas que seu coração caído deseja, e sim por colocar diante deles a verdadeira comida, (Is 55.1-2) até que, pela obra miraculosa do Espírito Santo, reconheçam-na como o que ela realmente é, provem e vejam que o Senhor é bom! (Sm 34.8)

Antes de terminar esta breve discussão sobre a pregação do evangelho, temos de falar sobre um assunto final. Apresenta-se frequentemente a teoria de que nossa cultura não pode tolerar o tipo de pregação que foi tão eficaz durante os grandes despertamentos e avivamentos do passado. A pregação de Jonathan Edwards, George Whitefield, Charles Spurgeon e outros pregadores semelhantes seria ridicularizada, satirizada e escarnecida pelo homem moderno. No entanto, esta teoria não leva em conta o fato de que estes mesmos pregadores foram ridicularizados e satirizados pelos homens de seus dias! A verdadeira pregação do evangelho será sempre "loucura" para toda cultura. Qualquer tentativa de remover a ofensa do evangelho e de tornar a pregação "conveniente" diminui o poder do evangelho. Também frustra o propósito para o qual Deus escolheu a pregação como o meio de salvar homens – que a esperança dos homens não esteja em nobreza, eloquência ou sabedoria mundana, e sim no poder de Deus (1 Co 1.27-30).

Vivemos numa cultura que está presa ao pecado com algemas de aço. Histórias morais, máximas extraordinárias e lições de vida compartilhadas de um coração de um palestrante querido ou de um "tutor de vida espiritual" não têm nenhum poder verdadeiro contra essas trevas. Precisamos de pregadores do evangelho de Jesus Cristo, que conhecem as Escrituras e são capacitados, pela graça de Deus, a encarar qualquer cultura e a clamar: "Assim diz o Senhor!"

Fonte: Editora Fiel

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