A vontade humana é acionada pela graça - Calvino

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Por João Calvino


Agostinho sustenta que a vontade humana é totalmente acionada pela Graça

Ouçamos agora Agostinho falando com suas próprias palavras, para que os pelagianos de nosso tempo, isto é, os sofistas da Sorbone, não nos acusem, segundo seu costume, que toda a antigüidade nos é contrária; no que de fato imitam a seu pai Pelágio, por quem outrora o próprio Agostinho foi arrastado à mesma arena.

Em seu livro, Da Censura e da Graça, dirigido a Valentino, Agostinho trata mais amplamente do que, ainda em suas palavras, referirei de maneira sucinta: “A graça de persistir no bem fora dada a Adão, se ele a quisesse exercitar; a nós nos é dada para que queiramos, e através da vontade superemos a concupiscência. Portanto, teria ele tido o poder, se o quisesse, porém não teve o querer, para que pudesse; a nós nos é dado não só o querer, mas ainda o poder. A primeira liberdade foi de poder não pecar; a nossa é muito maior: não poder pecar.”

E para que não se conclua que ele está falando da perfeição a advir após a imortalidade, como erroneamente o interpreta Lombardo, pouco depois remove esta dúvida. “A vontade dos fiéis é de tal maneira guiada pelo Espírito Santo, que podem agir bem porque assim o querem; e querem, porque Deus faz com que queiram [2Co 12.9].Porque, se com tão grande debilidade que requer a intervenção do poder de Deus para reprimir nosso orgulho, se quisessem, e Deus não fizesse com que quisessem, no meio de tantas tentações sua fraca vontade fracassaria, e com isso não poderiam perseverar.94 Portanto, ele veio em socorro da fraqueza da vontade humana, para que fosse, indeclinável e inseparavelmente, acionada pela graça divina, e por isso, por mais fraca que seja, não viesse a desfalecer.”

Em seguida ele discute, mais extensivamente, como nossos corações seguem necessariamente a injunção de Deus a movê-los, e diz que de fato Deus impulsiona os homens de sua própria vontade, vontade, porém, que ele mesmo neles plasmou. Temos agora, pela boca de Agostinho, o testemunho que desejamos especialmente obter, isto é, que a graça é não apenas oferecida pelo Senhor, a qual, da livre escolha de cada um é aceita ou é rejeitada, mas ainda que é ela mesma que forma no coração não só a escolha, como também a vontade, de sorte que o que quer que daí se segue é fruto de boa obra e efeito da própria graça, não tem ela outra vontade a obedecer-lhe senão aquela que ela própria formou. Pois, em outro lugar, são dele também estas palavras: “Só a graça opera em nós toda boa obra.”

Agostinho não cancela a vontade humana, mas diz ser ela totalmente dependente da Graça

Em outro lugar, porém, diz que a vontade não é removida pela graça, mas é mudada de má em boa; e quando se torna boa, é ajudada;96 significando simplesmente que o homem não é de tal maneira impulsionado, que seja impelido sem a disposição do coração, como se movido por uma força externa; ao contrário, é interiormente acionado, de tal forma que obedece de coração.

Que a graça é dada aos eleitos, de modo especial e de maneira graciosa, nesta forma escreve a Bonifácio:97 “Sabemos que a graça de Deus não é dada a todos os homens; e àqueles a quem é dada, não é feito segundo os méritos das obras, nem segundo os méritos da vontade, mas por graciosa benevolência; àqueles a quem não é dada, sabemos que não é dada pelo justo juízo de Deus.” E na mesma Epístola impugna fortemente esta opinião que pensa que a graça subseqüente é conferida em função dos méritos dos homens, porquanto, não rejeitando a primeira graça, se mostram dignos dela. Pois ele quer que Pelágio confesse que a graça nos é necessária para cada uma de nossas ações, e que nem se dá em retribuição às obras, para que seja verdadeiramente graça.

Mas, esta matéria não pode ser compreendida em síntese mais breve do que a do capítulo oitavo do livro a Valentino, Da Correção e da Graça, onde Agostinho ensina, em primeiro plano, que a vontade humana alcança a graça não mediante a liberdade, mas a liberdade mediante a graça; que impresso o senso do deleite, através da mesma graça, a vontade se conforma à perpetuidade que se reforça de insuperável firmeza; que, a regê-la aquela, jamais desfalece; desertando-a, de pronto se esboroa; que, pela graciosa misericórdia do Senhor, não só se converte ao bem, mas ainda, convertida, nele persevera; que a polarização da vontade humana em relação ao bem, e após a polarização, a constância, depende unicamente da vontade de Deus, não de qualquer mérito seu.

E assim, ao homem é deixado um livre-arbítrio tal, se assim se prefere chamálo, que escreve em outro lugar: que nem se pode converter a Deus, nem em Deus persistir, senão pela graça: tudo quanto pode, o pode pela graça.

Fonte: As Institutas, Ed. Clássica, vol. II, Cap. III, pág. 73
Via: Josemar Bessa
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