O problema teológico com a tal justiça social de Tim Keller

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A Igreja começou a abraçar amplamente a chamada justiça social, e muito disso é graças ao livro de Tim Keller, Generous Justice: How God’s Grace Makes Us Just.[1]

Certamente há muitas coisas boas no livro de Keller – a maior delas é o seu chamado para que a Igreja busque a justiça. No entanto, acho que Keller comete alguns erros graves quando se trata de identificar o que é a justiça, e como se deve buscá-la. Isso é mais óbvio em sua discussão sobre os aspectos econômicos da justiça social (às vezes chamada de “justiça econômica”).

O aspecto econômico da justiça social consiste tipicamente em algum tipo de apelo à igualdade econômica, onde o senso de justiça deduzido é o de aliviar as necessidades econômicas. Keller expressa essa visão dizendo: “se você não compartilha ativa e generosamente os seus recursos com os pobres, você é um ladrão. Você é injusto.” (p. 17)[2] Ele faz uma afirmação semelhante em seu artigo “The Gospel and the Poor” [O Evangelho e os Pobres], dizendo: “Falhar em compartilhar o que você tem não lhe faz alguém apenas desinteressado, mas desleal e injusto”. (pp. 19-20)

Justiça ou caridade?

No clima político atual, esse tipo de conversa pode cheirar a Marxismo. Mas antes de assumir que Keller – e seus colegas defensores evangélicos da chamada justiça social – estão barganhando com noções marxistas, devemos considerar o que mais eles querem significar com esse tipo de linguagem. Uma das principais justificativas de Keller para usar a linguagem da “justiça” em vez de “caridade” quando se fala em doar aos pobres é que a palavra caridade “transmite uma atividade boa, mas opcional” (Generous Justice, p. 15); e dar aos pobres – aponta Keller – não é uma atividade opcional para o cristão.

É claro que Keller está certo de que dar aos pobres não é opcional para o cristão. Os cristãos são, de fato, ordenados a ajudar os pobres, a fim de apresentarem uma imagem da graça de Deus. Mas esta é uma boa razão para se referir a esse ato como “justiça” e não como “caridade”? O mero fato de que algo é moralmente obrigatório é suficiente para mudar seu nome para “justiça”? Presumivelmente não. Há dezenas de coisas na vida cristã que não são opcionais (por exemplo, oração, comunhão, comunhão dos santos, etc.) e, ainda assim, seria absurdo mudar os nomes dessas atividades para “justiça” simplesmente porque eles são obrigatórios.

Existe uma categoria tradicional de justiça chamada justiça universal que, segundo Ronald Nash, “é coextensiva com toda a justiça, com toda a virtude” (Social Justice and the Christian Church, p. 30). Assim, pode-se dizer que a caridade é uma expressão da justiça universal, o que significa apenas que a caridade faz parte da vida moral do cristão. Nesse sentido, a falha do cristão em fazer o que é moralmente obrigatório (seja caridade, oração ou qualquer outra coisa) seria uma injustiça contra Deus. Mas está claro que Keller quer dizer mais do que isso ao se referir à ajuda aos pobres como “justiça”.

A cada um de acordo com a sua necessidade

Ele não quer dizer apenas que a falta de caridade é uma injustiça contra Deus, no senso universal de justiça. Ele quer dizer que é uma injustiça contra os pobres. É por isso que ele chama de roubo. Nesta ideia de justiça, a medida em que alguém é pobre é a medida em que eles foram roubados por aqueles que não são pobres. A necessidade, e a obrigação de aliviá-la, é o padrão sugerido de justiça.

Acontece que essa ideia de justiça está enraizada em noções marxistas, afinal – como expresso nessa famosa máxima “dê cada um de acordo com sua capacidade, para cada um de acordo com sua necessidade”. Você tem recursos de que outra pessoa precisa? Então essa visão de justiça exige que você dê até que as necessidades sejam atendidas. Se você não o fizer, então, você é um ladrão.

Admitido, Keller (pp. 29-31) – e muitos outros defensores evangélicos desta ideia de justiça (por exemplo, veja os artigos de Greg Forster aqui e aqui) – são rápidos em notar que eles não defendem, necessariamente, a ação do governo em distribuir esta justiça. Embora seja difícil entender por que não, se na verdade é “roubo”. Mas podemos seguir em frente e aceitar a palavra deles, já que o envolvimento do governo não é, na verdade, o principal problema dessa visão. O principal problema são as implicações morais e teológicas de tal concepção marxista de uma justiça baseada na necessidade.

Deus – o ladrão cósmico ganancioso

Dê um passo atrás e pergunte-se o que significaria se aplicássemos essa ideia de justiça para Deus. “De cada um de acordo com sua habilidade, para cada um de acordo com sua necessidade.” Deus não é o ser mais capaz em todo o universo? E não somos infinitamente necessitados em relação a Ele? A justiça, então, parece exigir que Ele nos dê tudo o que precisamos.

Em vez disso, Ele faz exigências de nós. Ele ameaça nos punir se formos maus, e coloca condições em nos dar o céu de que precisamos. Mas somos carentes e, nessa visão de justiça, isso nos dá uma justa reivindicação contra ele. A medida em que Ele não alivia todas as nossas necessidades materiais e espirituais – sem condição – é o quanto ele está roubando de nós. Somos as pobres, inocentes e necessitadas vítimas, e Ele é o ladrão cósmico ganancioso, que se recusa a nos dar o que precisamos.

Não será necessário dizer que essa ideia de justiça baseada na necessidade só se aplica a nós e não a Deus. Toda a razão pela qual os cristãos presumivelmente devem dar aos pobres é pintar um quadro da graça – ou seja, dons imerecidos – do Deus no evangelho. Ao chamar a caridade de “justiça” e alegando que ela é merecida, a implicação é que a graça de Deus no evangelho é merecida. Portanto, não pode haver equívoco quando se discute a justiça de Deus e a justiça entre nós humanos sobre a questão de dar aos pobres.

O Cristianismo ensina que Deus não nos deve nada. Essa assim chamada justiça social implica que Deus nos deve tudo. O Cristianismo ensina que Deus graciosamente nos dá bons dons imerecidos. A chamada justiça social ensina que não pode haver tal conceito como graça quando as necessidades estão em jogo; o que se merece é determinado pelas necessidades da pessoa. O Cristianismo ensina que seria injusto que Deus trouxesse pecadores para o céu e que a morte de seu Filho fosse necessária para torná-la justa (Romanos 3.23-25). A chamada justiça social implica que seria injusto para Deus não trazer pecadores para o céu, e que não havia necessidade da morte de seu Filho – a menos, é claro, que fosse pagar pelos pecados de Deus contra nós.

Considere o que isso significaria para a obra de Cristo na cruz. Cristo não estava realizando um ato indescritível de graça, deixando-nos sem palavras, humilhados e reverentes. Não. Ele estava pagando a dívida que nos devia pelo seu privilégio divino. Nós não lhe devemos graças. Ele nos deve graças por ter decidido perdoá-Lo – contanto que Ele produza fruto em consonância com o arrependimento, e não se exalte excessivamente novamente. Nós não chegamos à cruz, quebrantados e contritos de coração, para adorar. Viemos como pretensiosos solicitantes para julgar sobre Ele e para avaliar se seu sacrifício foi suficiente para aplacar a nossa causa justa contra Ele.

A única resposta cristã apropriada para isso é: para o inferno com tal blasfêmia. Para o inferno com o evangelho da chamada justiça social.

Redimindo o Evangelho que dá

É claro que os defensores cristãos da justiça social nunca diriam qualquer uma dessas coisas sobre Deus, Cristo ou o Evangelho. Mas isso não muda o fato de que o conceito deles de justiça exige que elas sejam verdadeiras. A chamada justiça econômica, entendida como devendo recursos aos necessitados, transforma o verdadeiro Deus da Bíblia – que enfaticamente afirma que não nos deve nada – num monstro moral, e vira o evangelho de cabeça para baixo. Não há maneira de contornarmos isso.

Se não queremos mentir sobre a natureza e o caráter de Deus em nossa apresentação do Evangelho, então não devemos mentir sobre a doação. A cruz de Cristo não foi absolutamente um ato de justiça para nós. Ele não estava nos dando o que era direito nosso. Cristo não nos devia nada. Deus não nos devia nada. Não, a cruz de Cristo foi uma realização da atordoante e imerecida graça. Considere o fato de que Ele deve ser recebido somente pela fé, sem obras – sem merecê-lo. Para receber o dom de Deus em Cristo, devemos recebê-lo como um dom – não como justiça. Do mesmo modo com o nosso doar.

Para retratar com precisão a bondade de Deus a nosso favor no evangelho, por meio de nosso doar, a única coisa que nunca devemos fazer é afirmar que o recebedor do dom merece isso; que estamos realizando um ato de justiça em favor deles em nosso doar. Por causa da integridade do evangelho, a proclamação do Evangelho nunca deve ser pensada como justiça. Não é justiça. É graça. É caridade.


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Notas:
[1] Publicado no Brasil sob o título: Timothy Keller, Justiça generosa – a graça de Deus e a justiça social (São Paulo, Edições Vida Nova, 2013).
[2] Keller tenta justificar essa afirmação fazendo referência a Ezequiel 18.5-8, onde “não comete nenhum roubo” é listado ao lado de “dá o seu pão aos famintos” em uma longa lista de descrições do homem justo. Mas não há nenhum argumento exegético claro para tomar o último como o meio de fazer o primeiro, como Keller o faz. Quando se considera que os problemas teológicos com a leitura de Keller são descritos abaixo, fica claro que se uma leitura alternativa estiver disponível (e eu acho que existe), então deve ser preferida.

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Sobre o autor: Jacob Brunton é Bacharel em Teologia pelo Bethlehem College & Seminary, em Minneapolis, MN. E também Master in Arts em Filosofia pelo Southwestern Baptist Theological Seminary em Fort Worth, TX.
Fonte: For the new christian intellectual
Tradução: Rev. Ewerton B. Tokashiki
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