Peregrinos de Plymouth: socialistas ou pioneiros da liberdade?

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[Nota: O texto a seguir, em grande medida, é apenas uma adaptação do texto do dr. Paul Jehle, "Economic Liberty in America: a Legacy of the Pilgrims", com algumas informações adicionais que julguei úteis.]

Alimenta-se o mito de que os peregrinos que trabalharam e fundaram a colônia de Plymouth, onde hoje fica o estado de Massachusetts, eram socialistas. A verdade, contudo, é outra. Além de não terem sido, por natureza, socialistas, os peregrinos de Plymouth lançaram algumas das pedras de fundação da liberdade americana. De acordo com o Dr. Charles Wolfe, historiador dos Peregrinos, citado pelo Dr. Paul Jehle [1], a partir de insights providenciais como consequência de seu compromisso com as Escrituras, eles deram seis importantes passos para a liberdade:

“Me ocorreu que eles (os Peregrinos) tomaram seis passos corajosos para a liberdade, que esses são passos que cada geração de Americanos deve continuar tomando... que junto a estes seis aspectos da liberdade, resulta a aplicação do... auto-governo cristão.”[2]

A ORIGEM

Os Peregrinos de Plymouth eram Congregacionalistas separatistas que fugiam da perseguição religiosa na Inglaterra. As pressões começaram na vila de Scrooby, na Inglaterra, quando, em 1607, o Arcebispo Tobias Matthew aprisionou muitos membros da congregação, que saiu daquele país dois anos depois em direção a Leyden, na Holanda. Scrooby era uma comunidade agrícola e eles tiveram dificuldade para adaptarem-se à sociedade holandesa. Mas a perseguição continuou quando, em 1618, autoridades inglesas foram até Leyden prender William Brewster por suas críticas ao Rei da Inglaterra e à Igreja Anglicana. Tais eventos impulsionaram a saída da congregação da Holanda.

Em 1619, eles conseguiram a oportunidade de viajar para o Novo Mundo através da London Virginia Company e para isso tiraram um empréstimo de sete mil libras pelas mãos dos “Aventureiros”, mercadores que buscavam lucro nas colônias. Foi nesse momento que desenharam-se os problemas contratuais que levariam a sua experiência dolorosa, em virtude dos desacordos entre a congregação e os “Aventureiros”.

O CONTRATO

Os Peregrinos só podiam pagar sua dívida através do trabalho. O contrato, depois de muita discussão, só garantia lucro aos Aventureiros, não às famílias da igreja. O acordo requeria inicialmente a divisão dos lucros, mas os Peregrinos insistiam na propriedade privada de suas casas, jardins e terras em que eles desenvolveriam seu trabalho. [3] Esse acordo foi mudado no último minuto por Thomas Weston e Robert Cuchman, o agente dos Peregrinos. William Bradford descreve isso em “Da Plantação de Plymouth” (Of Plimoth Plantation):

As maiores e principais diferenças entre aquelas e as condições anteriores firmam-se em dois pontos; que as casas, e as terras trabalhadas, especialmente jardins e lotes de casas, deveriam permanecer integralmente indivisas para os agricultores até o fim de sete anos. Em segundo lugar, que eles [os agricultores] deveriam ter dois dias na semana para o trabalho privado e de suas famílias, para maior conforto próprio e de suas famílias, especialmente os que tivessem famílias”. [4]

Fica claro, portanto, que os Peregrinos não eram socialistas por natureza; sua “experiência socialista” lhes foi forçada. Tudo seria “comum” até 1627. Em vez de trabalharem dois dias para o lucro privado, essa pequena liberdade lhes foi restringida para um dia. A desconfiança quanto ao mercado e a rejeição ao lucro eram predominantes na Inglaterra. [5]

A VIAGEM

Antes de sair da Inglaterra, o segundo navio, Speedwell, precisou de reparos e antes de chegar ao destino acabou sendo vendido por um preço muito menor do que o usado para consegui-lo. Alguns abandonaram a viagem e outros tripulantes embarcaram por conselho dos Aventureiros para auxiliarem no trabalho na colônia; todos espremidos com os suprimentos no outro navio, Mayflower, atrasando a partida, que se deu em setembro de 1620, com mais de 100 passageiros.

Por alguma razão, o navio Mayflower não aportou na Virginia e eles foram conduzidos a Plymouth, na Nova Inglaterra, chegando ao Cape Cod em novembro de 1620. Segundo Earle E. Cairns [6], isso foi providencial, pois na Virginia eles teriam sido perseguidos como na Inglaterra. 

Antes mesmo de deixarem o navio, os colonos escreveram o primeiro documento de governo da colônia, o Mayflower Compact, assinado por 41 separatistas (homens), segundo os moldes do governo congregacionalista. Eles desembarcaram depois de dois dias, tendo permanecido no domingo para o culto e orações. Eles finalmente chegaram a Plymouth em dezembro.

No primeiro inverno, metade dos 102 passageiros do grupo original de peregrinos morreram. Apenas 4 mulheres adultas sobreviveram para formar a comitiva de 53 peregrinos que comemoraram a festa da colheita em 1621 com 90 índios nativos, que serviu como símbolo para uma importante tradição americana, o Thanksgiving (traduzido no Brasil como “Dia de Ação de Graças”). Um Tratado de Paz foi feito com os nativos para proteger suas relações como uma extensão dos princípios Pactualistas vistos no pacto da igreja em Scrooby e no pacto social de Mayflower. Os Peregrinos não teriam sobrevivido sem a ajuda providencial do índio Squanto, que anteriormente (1614) foi levado pelo explorador Thomas Hunt, passando cinco anos na Europa, primeiro como escravo de monges espanhóis e depois indo para a Inglaterra, retornando em 1619. Por essa razão, Squanto dominava o inglês relativamente bem. Squanto ensinou-os a fertilizar o solo da Nova Inglaterra.

No ano seguinte, a companhia mostrou-se desleal. Quando o navio Fortune desembarcou no fim de 1621, seus 36 passageiros não tinham comida suficiente para seu sustento. Bradford diz que:

“Eles nunca tiveram suprimento de mantimentos mais tarde (mas que o Senhor proveu de outra forma), já que tudo o que a companhia enviava era sempre muito pouco para as pessoas que trouxeram.” [7]

UM PASSO PARA A LIBERDADE ECONÔMICA

Na primavera de 1623, como cita o Dr. Paul Jehle, Bradford, como governador de Plymouth, entendeu que “a menos que algo fosse feito para torná-los produtivos e auto-suficientes, eles pereceriam.” Segundo Jehle, “a análise de Bradford, em conselho com os outros, demonstra o raciocínio bíblico e a aplicação da Escritura”.

“Então eles começaram a pensar como eles poderiam produzir tanto milho quanto pudessem, e obter uma colheita melhor do que a que fizeram, para que eles não definhassem na miséria. ... O Governador (com o conselho do maior chefe dentre eles) consentiu que eles deveriam produzir milho, cada homem para seu particular, e, nesse assunto, confiar-lhes. ... E então nomeou a cada família uma parcela da terra, de cordo com a proporção de seus números... Isto foi muito bem sucedido, porque fez as mãos muito industriosas, ... As mulheres [anteriormente restringidas do trabalho] agora foram voluntariamente para os campos, e levaram seus pequeninos consigo para colher milho; de quem antes alegar-se-ia fraqueza e inabilidade; e que a quem se tivesse compelido julgar-se-ia como grande tirania e opressão.” 
“A experiência que se teve nessa condição e curso comuns, tentada por vários homens e entre pessoas piedosas e sóbrias pode demonstrar a vaidade de conceitos como os de Platão e outros antigos, aplaudidos por alguns mais recentes, segundo os quais a tomada de propriedade e a distribuição em comunidade de bens os faria felizes e produtivos; como se eles fossem mais sábios do que Deus. Porque essa comunidade (tão longe quanto estava) gerou tanta confusão e descontentamento e retardou o empreendimento que seria para seu benefício e conforto. Donde os homens jovens, que eram mais hábeis e dispostos para trabalho e serviço, lamentavam por ter de trabalhar para as esposas e filhos de outros homens sem qualquer recompensa. O forte não tinha mais na divisão de mantimentos e roupas que aquele que era fraco e inabilitado para fazer um quarto do que ele podia; isso era julgado como injustiça. O experiente e aperfeiçoado era classificado e igualado em trabalhos e mantimentos, roupas, etc., com o tipo mesquinho e jovem, julgava-se como indigno e desrespeitoso para com eles. E para as esposas serem comandadas para serviços de outros homens, como temperar sua comida, lavar suas roupas, etc., eles consideraram como um tipo de escravidão, nem poderiam muitos maridos tolerar isso.” 
“No ponto em que todos eram iguais, fazendo tudo igualmente, julgando-se nessa condição, e um tão bom quanto o outro; e então, se isso não cortou aquelas relações que Deus estabeleceu entre os homens, fez pelo menos com que diminuísse muito o respeito mútuo que deveria ser preservado entre eles. E teria sido pior se eles tivessem sido homens de uma outra condição. Que ninguém negue que essa é a corrupção do homem. Eu respondo, vendo que todos os homens têm essa corrupção em si, Deus em sua sabedoria viu outro curso mais adequado para eles.” [8]

É interessante notar a consciência de Bradford da origem de tais ideias em "Platão e outros antigos", reconhecendo suas bases não-bíblicas. Dr. Jehle afirma que Bradford identifica muitas razões pelas quais o socialismo e o comunismo elementar não funcionaram, mesmo entre pessoas piedosas, donde ele deduziu os seguintes “ingredientes de liberdade econômica” do discurso de 1623.

“1. Em uma propriedade comum de terra e trabalho, pessoas tornam-se preguiçosas, evadindo-se do trabalho, de forma que a propriedade privada deve embasar a liberdade econômica.
2. Sob o socialismo, pessoas tendem a inventar desculpas para não trabalhar, então o lucro privado é o ingrediente-chave em uma economia livre.
3. Convivência comunal gera descontentes, porque todos tendem a querer o que os outros têm, mas recusam-se a trabalhar por isso; então o bem-estar deve ser voluntário (caridade privada) antes de forçada (caridade regulada pelo governo).
4. O Socialismo é construído sobre o orgulho e presumiu uma igualdade externa em uma aberta ou ignorante negação do plano de Deus na Bíblia de forma que as diferenças entre jovens, adultos, experientes não são respeitadas. Uma economia livre é construída, em contraste, sobre o respeito e dignidade das diferenças individuais.
5. Embora alguns pensem no lucro como um motivo corrupto, é imperativo que se veja que a natureza humana é a verdadeira corrupta, incluindo aqueles que têm função no governo. O livre mercado, em contraste, é construído sobre incentivo pessoal e interesse próprio no intuito de sobrepujar a natureza corrupta de alguém.
6. Finalmente, o desenho de Deus para a economia descansa sobre a escolha voluntária, que é muito mais produtiva que a coerção do governo e a redistribuição de bens.”

Dr. Jehle continua dizendo que “Bradfort acrescenta uma sétima característica para o sucesso de uma economia livre. Ele afirma que os Peregrinos precisavam ‘descansar na Providência de Deus... orar que Deus lhes daria o pão diário.’ Depois da repartição de terra entre as unidades familiares, seguiu-se uma seca, ameaçando toda a plantação sob seu novo sistema voluntário. Diante disso, escreve Bradford, “[eles] separaram um dia solene de humilhação, para buscar o Senhor através de humilde e fervorosa oração, nesta grande angústia.” O governador relata que Deus “agradou-se em dar-lhes uma graciosa e rápida resposta, tanto para a própria admiração quanto para a admiração dos índios que viviam entre eles. Por toda a manhã, e pela maior parte do dia, o clima estava limpo e muito quente, e nem uma nuvem ou sinal de chuva era visto; mas ao anoitecer, começou a escurecer, e pouco depois a chuva veio com tão doce e gentil vigor que deu-lhes causa para regozijar e agradecer a Deus. Ela veio sem vento ou trovão ou qualquer violência, e paulatinamente em tal abundância que a terra estava completamente molhada e encharcada com ela. ... Por cuja misericórdia, em tempo oportuno, eles também separaram um dia de ação de graças.” [9] Foi depois desse dia de oração que Hobbomock, um nativo que vivia na plantação, converteu-se. E por volta de 1694 havia dias tradicionais, para Peregrinos e puritanos, de humilhação, oração e jejum, seguidos por dias de ações de graças, sempre durante a primavera (práticas que não pararam até 1894). Os tópicos dessas proclamações anuais incluíam uma petição a Deus por prosperidade econômica. E de acordo com Dr. Wolfe, a evidência da oração estava nos frutos, que foram a multiplicação da produção, ano por ano, em três vezes: em 1621, 26 acres; em 1622, 60 acres; em 1623, 184 acres. [10] Em vez de passarem necessidade eles mesmos, eles começaram a emprestar suprimentos para comunidades necessitadas em uma base regular, como Deus promete na Escritura em Deuteronômio 28:12 quando diz que “O Senhor te abrirá o seu bom tesouro, o céu, para dar chuva à tua terra no seu tempo, e para abençoar toda a obra das tuas mãos; e emprestarás a muitas nações, porém tu não tomarás emprestado.”

CONCLUSÃO

Diante de um estudo nas fontes primárias, portanto, fica claro que os Peregrinos de Plymouth não eram socialistas por natureza. Seria adequado entender, para outros fins, a diferença básica – não sobre esse assunto - entre os congregacionalistas separatistas e outros grupos puritanos que também migraram para os EUA, mas o presente ensaio não é adequado para isso. Até aquele momento, como explica Gary North (membro durante muitos anos do Mises Institute nos EUA), os puritanos ainda não haviam se dedicado a aprofundar uma visão bíblica das questões econômicas porque ainda não tinham sido forçados a isso. Em grande medida, até aquele momento eles aceitaram a regulação governamental desses assuntos e padrões medievais de “preço justo” e “teto salarial”, simplesmente porque era o que existia em sua época, como herança do período medieval - fato que católicos romanos conservadores evitam expor, escondendo-se sempre atrás dos acertos dos escolásticos tardios. Para notar essa confusão medieval, basta lembrar que, não coincidentemente, as ordens monásticas mais importantes da Baixa Idade Média eram as ordens mendicantes e que de dentro do franciscanismo (a ala dos “franciscanos espirituais”) brotou forças comunistas.  Influenciados pelos conceitos de virtude do helenismo, o lucro e os “interesses econômicos” eram vistos muito negativamente entre os cristãos até a Reforma, até mesmo entre os valiosos Pais da Igreja.  Calvino, por outro lado, embora não tenha se dedicado a criar uma teoria econômica, deu valiosa contribuição para o assunto tentando libertar o cristianismo de seu simbionte helênico. Como exemplo clássico, há a interpretação correta da lei da usura, tão castigada pelos Pais da Igreja e cujas consequências nefastas afetam o Ocidente até hoje.

Segundo o Dr. Wolfe, os seis passos para a liberdade feitos por aqueles Peregrinos foram:

  1. Liberdade Espiritual: o reconhecimento de pecado pessoal e a conversão a Cristo.
  2. Liberdade Religiosa: o rompimento da igreja financiada pelo estado e a busca de uma igreja livre baseada em um pacto.
  3. Liberdade Política: o Mayflower Compact.
  4. Defesa da Liberdade: sua disposição em construir um muro para proteger a plantação.
  5. Liberdade Econômica: o rompimento com o modelo de contrato inicial.
  6. Liberdade Constitucional (1636): na sua Constituição, protegendo suas liberdades.

A colônia de Plymouth foi muito importante para a formação da cultura americana. Tivessem os seus herdeiros antes resistido em sua fidelidade doutrinária, os EUA talvez enfrentassem menos problemas hoje. Aquela experiência, somada depois à vinda de outros grupos puritanos, fez da Nova Inglaterra a região mais resistente ao secularismo humanista no país. Que sirva-nos de inspiração para uma organização cristã mais consciente e para a Glória de Deus.

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NOTAS:
1. Paul Jehle, “Economic Liberty in America: a Legacy of the Pilgrims”.
2. Charles Hull Wolfe, Pilgrim Paradigm for the New Millennium, Letter from Plymouth Rock, Vol. 23, Issue 1, January/February, 2000, 2, Plymouth Rock Foundation, Plymouth, Massachusetts - www.plymrock.org.
3. Paul Jehle.
4. William Bradford, Of Plimoth Plantation, edited by Samuel Eliot Morison (New York:  Alfred A. Knopf, 1991), 41. Citado por Paul Jehle.
5. Gary North, Puritan Economic Experiments (Tyler, TX: Institute for Christian Economics, 1988), 8., citado por Paul Jehle.
6. Earle E. Cairns, “O Cristianismo Através dos Séculos”, 148.
7. Bradford, 102. Citado por Paul Hehle.
8. Ibid. 120-121.
9. Ibid., 131-132.
10. Wolfe, Paradigm, 4. Citado por Paul Jehle.

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Autor: Vitor Barreto
Fonte: Uma Visão Reformada
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