“Temor e tremor”: o comportamento apocalíptico de Paulo e um apelo aos pregadores contemporâneos

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Em 1 Coríntios 2.1-5 contemplamos um vislumbre biográfico de Paulo em ação.[1] Há uma frustração 
entre a expectativa sofística dos Coríntios e a proclamação da mensagem de Paulo. Ele diz:

Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus.” (1Co 2.1-5)

Nesse parágrafo, Paulo conclui seu argumento de que a mensagem da cruz e a própria existência dos corintos como crentes estavam em contradição naquele momento.[2] Também há um tom apologético, onde o ministério de Paulo estava sendo justificado diante deles.


O propósito deste texto é demonstrar a conduta apocalíptica de Paulo em seu ministério, o que estava em completa oposição aos poderosos e eloquentes oradores que os corintos estavam tão enamorados. Irei concluir aplicando essa verdade em nossas vidas, usando Jonathan Edward como exemplo.

Os termos “temor” (φοβω) e “tremor” (τρομω), quando empregados na Septuaginta, se referem à resposta diante da presença teofânica de Deus (Ex 15.16; Dt 2.25; 11.25; Sl 2.11; Is 19.16).

Podemos encontrar ambos os termos na literatura apocalíptica judaica, como por exemplo, em 1Enoque, onde se usa “temor” e “tremor” no mesmo sentido da LXX: “O Santo e excelso virá de sua habitação, ... e todos irão temer, e os vigilantes tremerão, um grande temor (φοβω) e tremor (τρομω) cairá sobre eles” (1En. 1.3-5; cf.13.3; Dn 6.26; Ap. Sedr. 14.10; Jos. Asen. 14.10 ; 23.14; 4Ed 6.36-37). Em adição, também encontramos ambos os termos juntos para descrever um indivíduo recebendo visões e/ou revelações, como em 1En. 14.9-14, onde Enoque em sua jornada rumo ao céu recebe uma visão: “Eu continuei indo (ao céu) até que eu me aproximei de um muro que era construído de mármore branco,... E entrei para dentro da casa, que estava quente como fogo e frio como gelo, e não havia nada no seu interior; o medo (φοβω) me cobriu e o tremor (τρομω) me apreendeu, e enquanto eu tremia e cambaleava, caí sobre meu rosto e tive uma visão”. 

Outro exemplo é Daniel 4.19, nós lemos sobre a condição de Daniel após receber a informação do sonho do rei Nabucodonosor: “Então, Daniel, cujo nome era Beltessazar, esteve atônito (φοβηθεὶς) por algum tempo, e os seus pensamentos o turbavam (τρόμου)”. 

Podemos encontrar o mesmo fenômeno, ainda que não com as mesmas palavras, em Ezequiel 3. 14-15: “Então, o Espírito me levantou e me levou; eu fui amargurado na excitação do meu espírito; mas a mão do SENHOR se fez muito forte sobre mim... e, por sete dias, assentei-me ali, atônito, no meio deles”.

Novamente, em Daniel 2.1, vemos Nabucodonosor na mesma situação: “o seu espírito se perturbou, e passou-se lhe o sono”. E até mesmo o próprio Daniel teve uma experiência idêntica após receber a visão em Dn 7.15 e 10. 7-8:

Quanto a mim, Daniel, o meu espírito foi alarmado dentro de mim, e as visões da minha cabeça me perturbaram... Só eu, Daniel, tive aquela visão; os homens que estavam comigo nada viram; não obstante, caiu sobre eles grande temor, e fugiram e se esconderam. Fiquei, pois, eu só e contemplei esta grande visão, e não restou força em mim; o meu rosto mudou de cor e se desfigurou, e não retive força alguma. Contudo, ouvi a voz das suas palavras; e, ouvindo-a, caí sem sentidos, rosto em terra. Eis que certa mão me tocou, sacudiu-me e me pôs sobre os meus joelhos e as palmas das minhas mãos. Ele me disse: Daniel, homem  muito amado, está atento às palavras que te vou dizer; levanta-te sobre os pés, porque eis que te sou enviado. Ao falar ele comigo esta palavra, eu me pus em pé, tremendo”.

Não apenas “temor” e “tremor” repetem o motif veterotestamentário e apocalíptico, mas também a noção de fraqueza, também reverberada em Daniel, especificamente no programático 11.33-35
[3]:

Os sábios entre o povo ensinarão a muitos; todavia, cairão [ficarão fracos – ásthenesousin] pela espada e pelo fogo, pelo cativeiro e pelo roubo, por algum tempo. Ao caírem [ficarem fracos – asthenesai] eles, serão ajudados com pequeno socorro; mas muitos se ajuntarão a eles com lisonjas. Alguns dos sábios cairão para serem provados, purificados e embranquecidos, até ao tempo do fim, porque se dará ainda no tempo determinado (NETS; Theo).

Nessa passagem, os sábios (um tema chave em Daniel) são fortemente perseguidos e se tornam fracos, mas é somente através dessa perseguição que eles são purificados como os justos remanescentes.[4]


Ao retornarmos para as páginas do Novo Testamento, percebemos que “temor” e “tremor” são elementos caracteristicamente paulinos (2Co 7.5; Fl 2.12; cf. Ef 6.5).

Em 2Co. os termos ocorrem dentro do contexto da recepção de Tito. Já em Ef. 6.5 os termos descrevem a maneira correta dos servos obedecerem a seus senhores. E, por último, Paulo exorta os filipenses a desenvolverem a salvação com “temor e tremor” (Fl 2.12). Todos esses versos estão embasados no raciocínio do Antigo Testamento, isto é, a postura individual diante de Deus [5] (Coram Deo). Peter O’Brien sumariza da seguinte maneira: “Nós concluímos que Paulo usa φοβω e τρομω em vários contextos diferentes para se referir ao senso de temor e reverência na presença de Deus. Seu uso é consistente com o uso predominante da LXX”.[6]

Portanto, em Corinto (2.3), Paulo executa seu ministério como estando na própria presença de Deus. A expressão “temor e tremor” ganham um novo peso e é refinado pelos vários contextos apocalípticos que vimos acima. Paulo também adiciona o termo “fraqueza”, o que pode ecoar Dn 11.33-35 (o que faria de Paulo um sábio purificado pela perseguição?). Gary Selby diz: “Situado como está dentro do discurso que emprega categorias apocalípticas para caracterizar sua mensagem como “mistério de Deus”, a linguagem de Paulo reflete uma deliberada tentativa em situar a si próprio na tradição apocalíptica. Ele assumiu a persona do “vidente inspirado” que recebeu uma revelação Divina e que finalmente – ainda que em fraqueza, temor e grande tremor – transmitia a misteriosa e secreta sabedoria de Deus para o povo de Deus”.[7]

Paulo chegou a Corinto proclamando um mistério, e faz sentido essa mensagem ser refletida em sua própria personalidade.

Aplicação

Jonathan Edwards foi um dos instrumentos que Deus usou para irromper o Grande avivamento do séc. XVIII. Muitos dizem que ele é o homem mais parecido com o apóstolo Paulo, embora felizmente não cabe a nós um julgamento minucioso dessa natureza, podemos concluir que as pregações desse homem são uma bela e profunda ilustração das pregações de Paulo.

Um dos seus sermões mais conhecidos, intitulado “Pecadores nas mãos de um Deus irado” (baseado em Dt. 32.35) foi pregado em Einfield/Conecticut e marcou o inicio do grande avivamento.

Antes de pregar, Edwards passou três dias sem comer nem dormir, clamando a Deus incessantemente: Dá-me a nova Inglaterra![8]

Embora o povo estivesse indiferente, alguém disse que Edwards, dirigindo-se ao púlpito, tinha o semblante de quem fitara a face de Deus. Sem usar gestos, encostado num dos braços sobre o púlpito, segurava o manuscrito, lendo-o calma e penetrantemente, o espetáculo estava ausente, Deus estava presente.

John Piper diz que “um dos segredos do poder de Edwards no púlpito era a ternura proveniente de seu coração quebrantado”[9] e conclui que o “poder espiritual no púlpito não é sinônimo de barulho”.[10]

Nem Paulo, nem Edwards, diria que eloquência é pecado, houve muitos homens de Deus eloquentes na história. Mas tornar isso como um fim em si mesmo, mostra autossuficiência e autocongratulação. 

Com a morte e ressurreição de Cristo e a vinda do Espírito, a nova era irrompeu, o estado escatológico foi inaugurado, por isso, o evangelho da cruz deve ser nossa mensagem e a Glória de Deus deve ser nosso alvo. Mas nessa atmosfera, nós, pregadores, devemos estar encharcados de oração e cheios do Espírito, devemos estar primeiramente diante de Deus (Coram Deo) antes de estarmos diante do povo. Devemos ser movidos pelo poder do Espírito de Deus e não pela nossa própria habilidade e eloquência. Precisamos de pregadores que imitem Paulo, primeiramente que sejam “fracos para que a excelência do poder venha de Deus e não deles mesmos, e para que esse poder seja aperfeiçoado nessa fraqueza, e em segundo lugar, que tenham temor e tremor, como alguém que contemplou a glória de Deus na face de Cristo, como homens que possuem o princípio da eternidade profundamente gravado em suas almas.

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Notas:
[1] Benjamim L. Gladd, Revealing the Mysterion: The Use of Mystery in Daniel and Second Temple Judaism with Its Bearing on First Corinthians, 2008 , p. 120.
[2] Gordon Fee, The First Epistle to the CORINTHIANS, (NICNT) p.89.
[3] Ibid. p. 121.
[4] Ibid.p. 122.
[5] Ibid.
[6] Peter O´Brien, The Epistle to the Philippians: A Commentary on the Greek Text (NIGTC; Grand Rapids: Eerdmans, 1991), 284.
[7] Gary Selby, “Paul, the ser”, pp. 369-70.
[8] Franklin Ferreira, “Servos de Deus – Espiritualidade e teologia na história da igreja” (São José do Campos, SP:Editora Fiel 2014),  p. 287.
[9] John Piper, “Supremacia de Deus na pregação”, p. 99.
[10] Ibid.

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Autor: Willian Orlandi
Divulgação: Bereianos
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