Por Thomas R. Schreiner
Não estou escrevendo sobre este assunto porque tenho a resposta final sobre os dons espirituais, pois a matéria é difícil e há cristãos que amam a Deus e a Bíblia e que divergem. Os leitores devem saber que Sam Storms¹ e eu somos amigos. Nós amamos um ao outro, mesmo que discordemos em uma questão secundária ou terciária, enquanto que, ao mesmo tempo, defendemos a importância da verdade. Ao longo dos anos eu me tornei convencido de que alguns dos chamados dons carismáticos não são mais dados e que eles não são uma característica regular da vida na igreja. Estou pensando particularmente nos dons de apostolado, profecia, línguas, cura e milagres (e, talvez, discernimento de espíritos).
Por que alguém pensaria que alguns dos dons foram retirados? Vou argumentar que tal leitura se encaixa melhor com a Escritura e com a experiência. A Escritura tem prioridade sobre a experiência, pois é a autoridade final, mas a Escritura deve também se correlacionar com a vida, e as nossas experiências devem nos provocar a reexaminar, novamente, se nós lemos a Bíblia corretamente. Nenhum de nós lê a Bíblia em um vácuo, e, portanto, temos de voltar para as Escrituras repetidamente para garantir que a lemos fielmente.
Fundamento dos Apóstolos e dos Profetas
Paulo diz que a igreja é “[edificada] sobre o fundamento dos apóstolos e profetas” (Ef 2.20). Concluo que tudo o que precisamos saber para a salvação e santificação tem sido dado a nós através do ensinamento dos apóstolos e dos profetas, e que este ensinamento é encontrado agora nas Escrituras. Agora que Deus tem falado nos últimos dias através de seu Filho (Hb 1.2), nós não precisamos mais de palavras vindo dEle para explicar o que Jesus Cristo realizou em seu ministério, morte e ressurreição. Em vez disso, devemos “[batalhar], diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” através dos apóstolos e profetas (Judas 3).
Dito de outra forma, não temos mais apóstolos como Paulo, Pedro e João. Eles nos deram o ensinamento autorizado pelo qual a Igreja continua a viver até hoje, e que é o único ensinamento de que precisaremos até que Jesus volte. Nós sabemos que novos apóstolos não aparecerão, já que Paulo disse especificamente que ele era o último apóstolo (1 Co 15.8). E quando Tiago, irmão de João morreu (At 12.2), ele não foi substituído. Apóstolos, no sentido técnico, são restritos a aqueles que viram o Senhor ressuscitado e foram comissionados por ele, e ninguém desde os tempos apostólicos se encaixa em tais critérios. Os apóstolos foram designados exclusivamente para os primeiros dias da Igreja a fim de estabelecer a doutrina ortodoxa. Não há nenhuma justificativa, então, para dizer que ainda há apóstolos hoje. De fato, se alguém afirma ser um apóstolo hoje devemos ficar preocupados, pois tal afirmação abre a porta para os falsos ensinos e abusos de autoridade.
Se o dom do apostolado acabou, então os outros dons podem ter cessado também, uma vez que o fundamento foi lançado pelos apóstolos e profetas (Ef. 2.20). Concluo a partir deste ponto que o dom de profecia terminou também, pois os profetas identificadas aqui são do mesmo tipo dos que são mencionados em outro lugar (cf. 1 Co 12.28; Ef 3.5, 4.11). As igrejas primitivas não tinham o cânon completo das Escrituras por algum tempo, e, portanto, era necessário um ministério profético autoritário e infalível para estabelecer as bases para a igreja nos primeiros dias.
O argumento bíblico mais importante contra o que eu estou dizendo é a alegação de que a profecia do Novo Testamento (NT) é diferente da profecia do Antigo Testamento (AT), pois alguns dizem que a profecia do AT é impecável, mas a profecia do NT é misturado com o erros. Mas a ideia de que os profetas do NT poderiam cometer erros não é convincente por várias razões.
1) O ônus da prova recai sobre aqueles que dizem que a profecia no NT é de natureza diferente da profecia no AT. Profetas no AT só eram considerados profetas de Deus se eles fossem infalíveis (Dt 18.15-22), e o mesmo é quase certo no NT.
2) A advertência de julgar as profecias, em vez de profetas (1 Co 14.2932; 1 Ts 5.19-20) é muitas vezes alegado para mostrar que o dom é diferente no NT. Mas este argumento não é convincente, pois a única maneira de julgar profetas em ambos os Testamentos é por suas profecias! Nós só sabemos se os profetas não são de Deus se as suas profecias são falsas ou se suas palavras contradizem o ensino bíblico.
3) Nós não temos nenhum exemplo de um profeta NT que tenha errado. Ágabo não errou na profecia de que Paulo seria preso pelos judeus e entregue aos romanos (At 21.10-11). Dizer que ele errou exige mais precisão do que as profecias garantem. Além disso, depois que Paulo foi preso, ele apelou para as palavras de Ágabo, dizendo que ele foi entregue aos romanos pelos judeus (At 28.17), então é claro que ele não achava que Ágabo tinha cometido um erro. Ágabo falou as palavras do Espírito Santo (At 11.28; 21.11), por isso não temos nenhum exemplo no NT de profetas cujas profecias foram misturados com erro.
Alguns objetam que a minha visão de profecia é mal direcionada, já que havia centenas de milhares de profecias nos tempos do NT que nunca entraram no cânon. No entanto, esta objecção não convence, pois o mesmo era verdade no AT. A maioria das profecias de Elias e Eliseu nunca foram registradas ou inseridas nas Escrituras. Ou podemos pensar nos 100 profetas dispensados por Obadias (1 Re 18.4). Aparentemente nenhuma das suas profecias foram inseridas nas Escrituras. No entanto, todas as profecias eram completamente verdadeiras e não estavam misturadas com erro, pois de outro modo eles não teriam sido profetas (Dt 18.15-22). O mesmo princípio se aplica às profecias dos profetas do NT. Suas palavras não são registradas para nós, mas se eles foram verdadeiros profetas, então suas palavras foram infalíveis.
O que algumas pessoas chamam hoje de “profecias” são, na verdade, impressões de Deus. Ele pode usar impressões para nos orientar e nos conduzir, mas elas não são infalíveis e devem ser sempre testadas pela Escritura. Também deveríamos nos consultar com conselheiros sábios antes de agir sobre essas impressões. Eu amo meus irmãos e irmãs carismáticos, mas o que eles chamam de “profecia” hoje não é realmente o dom de profecia bíblico. Impressões dadas por Deus não são a mesma coisa que profecias.
E quanto às línguas?
O dom de línguas é uma questão mais difícil. Em Atos 2:1-4; (10:44-48; 19:1-7) este dom significa que o tempo do cumprimento chegou, quando as promessas da aliança de Deus estão sendo realizadas. 1 Coríntios 14.1-5 e Atos 2.17-18 também sugerem que as línguas interpretadas (ou compreendidas) são equivalentes à profecia. Parece, então, que a profecia e as línguas estão intimamente relacionadas. Se a profecia já passou, então as línguas já devem ter terminado bem. Além disso, é evidente, a partir de Atos, que o dom envolve o falar em línguas estrangeiras (At 2), e Pedro enfatiza, no caso de Cornélio e seus amigos que os gentios receberam o mesmo dom que os judeus (At 11.16-17).
Também não é persuasivo dizer que o dom em 1 Co 12-14 é de natureza diferente (ou seja, expressões de êxtase). A palavra línguas (glōssa) denota um código linguístico, uma linguagem estruturada, não uma vocalização aleatória e livre. Quando Paulo diz que ninguém entende aqueles que falam em línguas, porque eles proferem mistérios (1 Co 14.2), ele não está sugerindo que o dom aqui é diferente do que encontramos em Atos. Aqueles que ouviram as línguas em Atos entenderam o que estava sendo dito, porque eles conheciam as línguas em que os apóstolos estavam falando. Se ninguém conhecesse o idioma, então o orador que estava falando naquela língua falava mistérios. Nem 1 Co 13.1 (as línguas dos anjos) apoia a noção de que o dom de línguas consiste em expressões de êxtase. Paulo se utiliza de uma hipérbole em 1 Co 13.1-3. Ele claramente está exagerando quando se refere ao dom de profecia (1 Co 13.2), pois ninguém que profetiza sabe “todos os mistérios e todo o conhecimento” (NVI).
Eu acredito que o que está acontecendo nos círculos carismáticos hoje em relação às línguas é semelhante ao que vimos com a profecia. O dom é redefinido para incluir a vocalização livre, e então as pessoas afirmam ter o dom descrito nas Escrituras. Ao fazê-lo, eles redefinem o dom para acomodar à experiência contemporânea. As línguas contemporâneas são demoníacas, então? Eu acredito que não. Eu concordo com J. I. Packer que a experiência é mais uma forma de relaxamento psicológico.
Milagres e Curas
E quanto aos milagres e curas? Em primeiro lugar, eu acredito que Deus ainda cura e faz coisas milagrosas hoje, e devemos orar para tal. A Escritura não é tão clara sobre este assunto, e, portanto, estes dons poderiam existir hoje. Ainda assim, a principal função desses dons era para credenciar a mensagem do evangelho, confirmando que Jesus era Senhor e Cristo. Eu duvido que o dom de milagres e curas exista hoje, pois não é evidente que homens e mulheres em nossas igrejas tenham tais dons. Certamente Deus pode e realmente cura às vezes, mas onde estão as pessoas com esses dons? Afirmações de milagres e curas devem ser verificados, assim como o povo verificou a cura do cego de nascença em João 9. Há uma espécie de ceticismo biblicamente justificado.
Veja: Deus poderia, em situações missionárias de vanguarda, conceder milagres, sinais e prodígios para credenciar o evangelho como ele fez nos tempos apostólicos? Sim. Mas isso não é a mesma coisa do que ter esses dons como uma característica normal na vida contínua da igreja.
Se os sinais e maravilhas dos apóstolos voltaram, nós deveríamos ver os cegos voltando a enxergar, os coxos andando e os mortos ressuscitando. Deus cura hoje (às vezes de forma dramática), mas a cura de resfriados, gripe, ATM, estômago e problemas nas costas, e assim por diante, não estão na mesma categoria que as curas encontradas nas Escrituras. Se as pessoas realmente tem o dom da cura e milagres hoje, elas precisam demonstrar isso através da realização dos tipos de curas e milagres encontrados na Bíblia.
1 Coríntios 13.8-12 não contradiz sua opinião?
Vamos considerar uma objeção à noção de que alguns dos dons cessaram. Será que 1 Cotíntios 13.8-12 não ensina que os dons durarão até Jesus voltar? Certamente este texto ensina que os dons poderiam durar até a volta de Jesus. Não há um ensinamento definitivo na Bíblia de que eles cessaram. Nós até podemos esperar que eles durem até a segunda vinda. Mas vemos indícios de Efésios 2.20 e de outros textos que os dons tiveram um papel basilar. Concluo, então, que 1 Coríntios 13.8-12 permite, mas não exige que os dons continuem até a segunda vinda. E os dons, como são praticados hoje, não se encaixam com a descrição bíblica desses dons.
Por razões como essas os reformadores e a maioria das tradições protestantes até o século XX acreditavam os dons haviam cessado. Eu concluo que tanto as Escrituras como a experiência comprovam o seu julgamento nessa questão.
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Nota:
1 - Leia os argumentos da posição restauracionista aqui.
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Sobre o autor: Thomas R. Schreiner é professor James Buchanan Harrison de interpretação do Novo Testamento e deão associado de Escrituras e Interpretação no The Southern Baptist Theological Seminary em Louisville, Kentucky.
Traduzido por: Hélio Sales | Reforma21.org | Original aqui.
1 comentários:
Distintos irmãos, graça e paz!
ResponderMuito embora respeitemos os nobres reformados que acreditam na cessação dos dons espirituais, no entanto, até o presente momento, não citaram sequer um versículo bíblico que se nos prove a mencionada defesa.
Aliás, gostaríamos que os distintos, à luz do grego koiné, idioma que serviu de escrita do Novo Testamento, depois de analisarem às seguintes passagens: Marcos 16.17,18; 1 Coríntios 12.8-10 e Atos 2.39, diga-nos onde se fala que os mesmos se encerrariam no primeiro século da Era Cristã?
Não negamos, porém, que ainda há muita meninice, tanto no meio pentecostal quanto no neo pentecostal, entretanto, negar-nos às evidências dos mesmos em nossos dias, com todo o respeito, é querer colocar o Grande Deus numa caixa de fósforo.
Os senhores têm o direito de defender seus pontos de vista, o que concordamos em diversos temas, mas alegar algo que se não prova, a nosso ver, é como nuvens sem águas.
Em Cristo,
Tadeu de Araújo
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