“Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim...” - Gálatas 2:20
O tema da santificação é, talvez, um dos menos polêmicos entre cristãos. É consenso que o cristão deve santificar-se, embora alguns possam migrar para o extremo de, inconscientemente, adotar a santificação como ferramenta de justificação diante de Deus. Mas nós sabemos que a justificação ocorre em um momento pontual da conversão, fruto de uma ação externa e sem qualquer participação do crente. A santificação é, então, um tipo de complemento a esse processo, mas não determinante para a salvação. Não é uma causa da conversão, mas uma consequência, com efetiva participação do cristão, sem a qual não se verá ao Senhor (Hb 12:14).
Não raro, em alguns círculos reformados, qualquer alusão à temática traz em sua sombra os vestígios das exacerbações dos usos e costumes de comunidades pentecostais. Alguém fala em santificação e o alarme de regras dispara na cabeça do crente: “mas é pela graça, não por obras”. Sim, a salvação é pela graça, mas quando se fala em santificação, ao menos idealmente, não se está discutindo a salvação, mas a prática cristã diária. Não se trata de como você começou sua jornada, mas de como você está agora e irá terminar, se é que você se vê como peregrino neste mundo.
Se por um lado as obras da fé foram alçadas por certos grupos evangélicos e católicos a um patamar elevado até o nível da fé salvífica, por outro acabaram sendo desvalorizadas pelos mais radicais advogados da salvação pela graça. Talvez por esse motivo a providência divina tenha feito Tiago entrar no Cânone. Entre esses dois extremos existe a fé que é seguida pelas obras, de modo que uma sem a outra é morta (Tg 2:26).
A santificação está intimamente ligada às obras. Um cristão que não experimenta a santificação terá enorme dificuldade em praticar boas obras. Na verdade, eu diria que esse cristão não existe! Não é possível que um cristão não se santifique, assim como não é possível que uma árvore boa dê frutos ruins continuamente (Mt 7:17). Não é que a fé dependa das obras para operar a salvação, mas se trata de não ser possível que haja uma fé salvífica que não opere boas obras (Tg 2:26), assim como uma fonte doce não pode deitar água amargosa (Tg 3:11).
A prática das boas obras é um reflexo do processo de santificação. Um cristão que pratica obras sem santificar-se estará fazendo qualquer coisa que não uma “boa obra”, porque a santificação exige separação ao Senhor, assim como uma obra só será boa se ao Senhor ela for dedicada. Não faltam ateus praticando atos altruístas. Mas, para Deus, estas atitudes não possuem o valor espiritual que têm aquelas que resultam da fé, porque não se trata do que é feito, mas da motivação do coração, isto é, da consagração a Deus.
Contudo, o santificar-se, o separar-se para Deus, só é possível de uma única forma: Cristo habitando no crente, o que, por sua vez, só pode ocorrer se o crente morrer para si. Como consta no texto de Gálatas 2:20, Cristo só pode viver em você se o seu “eu” estiver morto. Não se trata de algum tipo de possessão, mas de uma metáfora bíblica para mostrar que ou você é como Cristo ou você não é convertido. Não há meio termo, assim como não há morno aceitável. Ou você é frio ou quente. Se você é morno será vomitado (Ap 3:15-16), e melhor lhe seria que fosse frio! Não pode o velho e o novo homem coexistirem na mesma pessoa. Não há espaço para concessão no Evangelho. Quem com Cristo não ajunta, espalha. Se Cristo, por meio do Espírito Santo, habita no crente, então não se espera menos de um crente que atos que reflitam a nova pessoa que ele é, ainda que em meio a tropeços e deslizes.
O fato é que não faltam crentes vivendo como se não fossem templos do Espírito Santo. Agem como se seguissem algum código de ética descrito em um manual de bons modos do Clube Dominical. Evitam vícios famigerados, usam roupas recatadas, filtram palavras de baixo calão e mantém um hábito primoroso de frequência às reuniões da igreja, mas seus corações são mornos e sua graça é seletiva. As disciplinas espirituais até podem estar presentes, mas são mais notáveis quando em público. São apegados ao dinheiro e tudo mais de material, consumistas vaidosos, despreocupados com a pregação do evangelho e esvaziados de amor.
Não quero, aqui, parecer um juiz carrasco e mesquinho que olha de cima do seu muro a sujeira do vizinho enquanto seu quintal está um caos. Sim, eu bem lembro que Jesus advertiu sobre o argueiro no olho. Mas, muito embora eu aqui tenha elencado algumas práticas nefastas que subjazem sob a aparência de religiosidade, o que importa, realmente, é saber se vemos o Espírito de Cristo naqueles que o professam. Importa saber se vemos a retidão em amor e integridade naqueles que se dizem seguidores de Jesus. O Salmo 15 é um bom guia prático.
O aspecto preocupante não é que o cristão peque. Isso é normal e esperado. O que me inquieta é a displicência com que o processo de santificação é encarado, e por consequência a compreensão da necessidade de arrependimento diário. Se Cristo vive em mim, quão grande responsabilidade pesa sobre minha cerviz. Não se trata do peso do serviço em si, pois o serviço a Cristo feito em amor resultará em um fardo leve, mas da responsabilidade pelo nome que levamos e pela missão que recebemos.
A nós é dito que somos o sal do mundo e a luz nas trevas. Ser converso não implica em nada menos do que iluminar o ambiente que nos cerca, refletindo a luz de Cristo que há em nós. Se já não sou eu que vivo, então meus anseios de autorrealização e sonhos de consumo se tornam secundários diante da primazia do reino de Deus em minha vida. Não é possível, logo, viver para Cristo se não matarmos nosso homem interior, o que implica renúncia e abnegação.
Sim, é pela graça que somos salvos, e é pela graça que nos santificamos e fazemos qualquer boa obra, mas de modo algum a graça de Deus em minha vida anula a responsabilidade que tenho de a cada dia fazer morrer meu “eu” e deixar que Cristo viva em mim.
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Autor: Renato César
Divulgação: Bereianos
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