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Texto base: 1 Pedro 3.8-12
INTRODUÇÃO
Pedro escreveu sobre como deve ser o relacionamento dos cristãos com as autoridades seculares, as quais foram nomeadas por Deus para reger as nações (2.13-17); como deve ser a postura deles com os patrões, baseando-se no exemplo de Cristo como a maior motivação (2.18-25); e, finalmente, como deve ser o relacionamento entre marido e mulher no casamento (3.1-7). O apóstolo ensina que a submissão deve nortear todos estes relacionamentos.
Agora, nesta nova seção, Pedro traça um resumo de tudo o que ensinou anteriormente. Ele reitera algumas lições preciosas que considera essencial, porém através de uma nova perspectiva. Pedro aduz conselhos práticos que devem governar o relacionamento dos cristãos entre si. O apóstolo discorre sobre como deve ser a postura dos cristãos entre eles e entre os que não são cristãos (3.8-12). Para isso, ele descreve uma lista de cinco virtudes que devem ser observadas (vs.8).
O esboço analítico desta seção pode ser dividido em quatro partes:
1. A postura dos cristãos perante os irmãos na fé (3.8); 2. A postura dos cristãos perante os seus opositores (3.9); 3. A postura dos cristãos diante da vida (3.10-11); 4. O contraste entre os justos e aqueles que fazem o mal (3.12).
EXPLANAÇÃO
1. A POSTURA DOS CRISTÃOS PERANTE OS IRMÃOS NA FÉ (3.8)
A palavra finalmente ainda não conclui o assunto discorrido anteriormente, mas introduz um resumo dos imperativos (exortações) salientados no capítulo 2.11, os quais se estendem até o capítulo 3.7. Pedro já se dirigiu a várias classes de pessoas, como servos, esposas e maridos. Agora, no ápice de sua argumentação, ele dirige-se a todos os cristãos.
Logo, a palavra finalmente possui o sentido de “resumo” e também introduz um novo assunto. Assim como toda a Lei se resume no amor (Rm 13.8-10), da mesma forma os relacionamentos interpessoais se cumprem no amor. Este princípio aplica-se aos cristãos em todas as esferas da vida. Portanto, quais são as atitudes que os cristãos precisam manifestar uns para com os outros? Pedro lista cinco adjetivos que devem caracterizar o relacionamento dos cristãos entre eles. Senão vejamos:
a) Os cristãos devem demonstrar unidade no pensamento (vs.8a)
Pedro admoesta os cristãos a pensarem da mesma forma. O termo igual ânimo ομόφρονες (homofrones), no grego, significa “pensar a mesma coisa”, “ter a mesma opinião”; expressa “unanimidade” (At 4.32; Fp 2.2). Com isso, Pedro orienta os cristãos a pensarem da mesma forma em todos os aspectos? Não, exatamente. Deus, por meio do teu Espírito, concedeu uma variedade de dons ao seu povo. Existe também uma variedade de opiniões entre a igreja, a qual é constituída de indivíduos que pensam diferente uns dos outros em muitas coisas. Pedro, todavia, não exclui a individualidade de cada um, antes, exorta que os cristãos sejam regidos pela Palavra de Deus, de modo que as diferenças pessoais não causem divisão, mas que seja um complemento para a igreja (veja Rm 12.16; 15.5).
Pedro está dizendo que os cristãos devem ter a mesma convicção nas coisas fundamentais, como nas doutrinas centrais da fé cristã, por exemplo. Nas coisas não essenciais, pode haver divergências de opinião, mas em todas estas coisas, não pode deixar de haver o amor. Warren Wiersbe corrobora que unidade não é o mesmo que uniformidade; unidade é cooperação em meio à diversidade. Apesar de diferentes, as partes do corpo trabalham juntas em unidade. Os cristãos podem discordar quanto à forma de certas coisas, mas devem concordar quanto ao conteúdo e a motivação.[1]
APLICAÇÃO PRÁTICA
A igreja não é uma arena de competição onde diáconos, presbíteros e professores disputam quem exerce melhor a sua função! Isto é sinal de carnalidade e imaturidade espiritual. Antes, devemos cooperar uns com os outros através dos diferentes dons para a edificação coletiva da igreja. Não deve haver divisões nem vanglória entre os cristãos. Em face disso, Paulo exortou a igreja de Corinto a terem uma só mente em Cristo Jesus (1Co 1.10). John MacArthur enfatiza que os cristãos devem ser exemplos e promovedores da paz e unidade, e não de divisão e desarmonia.2 Os cristãos devem manter a unidade do Espírito no vínculo da paz (Ef 4.13-14). Esta é, pois, a vontade de Deus!
b) Os cristãos devem esboçar compaixão (vs.8b)
A palavra compadecidos traz a ideia de “sentir a dor com”. É sentir as dores do outro como se fosse a própria dor! É sofrer junto com o outro. “Os cristãos devem demonstrar sua preocupação e interesse pelo próximo, especialmente em tempos de alegria e tristeza. Devem alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram (Rm 12.15; 1Co 12.26)”.[3]
APLICAÇÃO PRÁTICA
Devido a ausência do amor fraternal, muitos cristãos negligenciam a compaixão pelos outros. São cristãos extremamente individuais, indiferentes ao sofrimento de outrem! Estão mais preocupados com suas próprias vidas do que em saber como está a vida dos seus irmãos na fé. Cada cristão tem a sua vida individual, mas não deve esquecer também da sua vida social como igreja. Ele deve pensar em como servir e ajudar cada irmão em suas necessidades. Isso é demostrar compaixão!
c) Os cristãos devem amar fraternalmente uns aos outros como amigos (vs.8c)
No grego, a expressão fraternalmente amigos φιλάδελφοι (filadelfoi), saleinta o “amor entre os irmãos”. Pedro já havia ressaltado a importância dos cristãos amarem-se uns aos outros (1.22).
APLICAÇÃO PRÁTICA
Uma das marcas do verdadeiro cristão é o amor pelos irmãos. O amor não é a causa da salvação, mas a sua evidência. O amor é comprovado por atos. Palavras de amor devem resultar em atos de amor. Amar é ceder talentos, posses, recursos financeiros e a si mesmo pelos outros. Devemos amar os nossos irmãos na fé profundamente, tendo como exemplo o amor de Cristo por nós. Acerca disso, Hernandes Dias Lopes escreve:
O amor de Cristo é o nosso supremo exemplo. Assim como ele deu a sua vida por nós, devemos dar a nossa vida pelos irmãos. Obviamente não podemos dar a nossa vida como Cristo a deu. Cristo deu a sua vida por nós vicariamente. Nesse sentido não podemos imitar a Cristo. Porém, podemos dar a nossa vida pelos irmãos em termos de serviço e cuidado. [...] O amor não é o que falamos, mas o que fazemos. O amor não é tanto uma questão de sentimento, mas de movimento, e movimento em direção do necessitado. Amamos não com discursos eloquentes, regados de emoção, mas com ações práticas para aliviar a dor do irmão e socorrê-lo em suas necessidades (1Jo 3.18).[4]
d) Os cristãos devem ser misericordiosos (vs.8d)
O termo misericordiosos retrata um sentimento interior que parece “vir das entranhas ou do intestino” e resulta em ações exteriores. Misericórdia é fazer algo que não deveria ser feito. É demonstrar compaixão pela miséria de outrem. É prestar auxílio de coração a alguém que sofre, mas que não merece.
APLICAÇÃO PRÁTICA
Deus manifestou a sua graça e misericórdia aos pecadores que elegeu para a salvação enviando Cristo Jesus para morrer em favor deles. Merecíamos a condenação eterna, mas recebemos a misericórdia de Deus! Portanto, como imitadores de Cristo, precisamos ser misericordiosos com os outros, mesmo que não mereçam receber misericórdia (Cl 3.12).
e) Os cristãos devem ser humildes (vs.8e)
A humildade é uma virtude que foi ensinada e demostrada na vida prática por Jesus. O maior exemplo disso foi quando Ele lavou os pés dos seus discípulos (Jo 13.4.17). “Jesus deu o exemplo de serviço abnegado mostrando-se pronto a ser o menor na companhia de seus discípulos e a ser o servo de todos eles”.[5] Na sociedade ímpia, ser humilde denota fraqueza e inferioridade! No reino de Deus, porém, é o contrário. Ser humilde não é ser fraco e inferior, mas considerar-se como tal (Rm 12.13). Ser o primeiro no reino de Deus é ser o servo de todos (Mc 10.44-45); o maior é o servo de todos (Mt 23.11; Ef 4.2; 5.5).
2. A POSTURA DOS CRISTÃOS PERANTE OS SEUS OPOSITORES (3.9)
Tendo instruído os cristãos sobre como deve ser o relacionamento fraternal, isto é, o relacionamento dos irmãos na fé (vs.8), Pedro, agora, passa das relações internas (com os cristãos) para as relações externas (com os não cristãos). Ele esboça a postura que os cristãos devem manifestar para com aqueles que fazem o mal contra eles. Retornando ao pensamento do capítulo 2.23, onde escreveu sobre a reação de Jesus quando foi maltratado por aqueles que o rejeitaram e o crucificaram, Pedro, aqui, enfatiza duas atitudes que os cristãos devem ter quando também forem maltratados. Sendo assim, como deve ser a conduta dos cristãos diante dos seus algozes? Quais as duas atitudes que eles devem demonstrar para com aqueles que os maltratam?
a) Quando forem maltratados e ofendidos, os cristãos devem manifestar uma atitude passiva (vs.9a)
Pedro exorta os cristãos a não retribuírem o mal e a ofensa que receberem da mesma forma. Os primeiros leitores de Pedro estavam dispersos em algumas regiões da Ásia Menor (1.1). Eram severamente perseguidos por serem cristãos. Sofriam males físicos, materiais e morais. Não eram bem vistos pela sociedade e sofriam preconceito. Em vez de retribuírem todo o mal e a ofensa que receberam na mesma moeda, por mais tentador que fosse – estes cristãos primitivos deveriam manter uma reação passiva em face do sofrimento. Pedro indica que os seus destinatários poderiam ficar tentados a corresponder o mal e as ofensas que recebiam. Assim, ele ensina que a retaliação não é uma atitude cristã. Estes cristãos deveriam seguir o exemplo de Cristo no sofrimento (2.21-23) e observar os preceitos do Evangelho sobre a retaliação. Paulo escreveu em 1 Tessalonicenses 5.15 que os cristãos devem evitar retribuir o mal que receberam dos outros com o mal. Em Romanos 12.17 ele corrobora que não devemos pagar o mal com o mal.
b) Quando forem maltratados e ofendidos, os cristãos devem manifestar uma atitude ativa (vs.9b)
Ao invés de retribuírem o mal com o mal e a ofensa com ofensa, os cristãos devem bendizer os seus inimigos. A expressão antes, pelo contrário, enfatiza uma categórica rejeição de uma atitude por outra. Nesta rejeição poderia estar incluso o falar mal dos outros (2.1), que é algo que os ímpios falam acerca dos cristãos (2.12) ou, então, os cristãos falarem bem dos que os maldizem.
Porém, a ênfase encontra-se na reação ativa de “bendizer” ou “abençoar” enquanto caluniado, que significa mais do que não falar mal ou falar bem. Bendizer denota “que oramos por nossos inimigos, somos gentis para com eles em palavras e ações e buscamos promover o seu bem-estar”.[6] Jesus ensinou no sermão que pregou no monte que devemos amar e orar pelos que nos perseguem (Mt 5.44). Em Lucas 6.28, Ele também ensinou que devemos bendizer os que nos maldizem e orar por aqueles que nos caluniam. Paulo ratifica em 1 Coríntios 4.12b que, quando somos insultados, devemos bendizer.
APLICAÇÃO PRÁTICA
Retribuir o bem com o mal é perversidade; retribuir o bem com o bem ou o mal com o mal é justiça; mas retribuir o mal com o bem é graça.[7]
c) A herança celestial (vs.9b)
A expressão pois para isto mesmo fostes chamados pode se referir ao chamado dos cristãos para bendizer [ou abençoar] os seus inimigos ou para receber a benção por herança. É difícil saber com exatidão o que Pedro tinha em mente. As duas interpretações são possíveis. Talvez Pedro quisesse abarcar os dois chamados, ou seja, os cristãos foram chamados para abençoar os opositores da fé e para receberem a herança celestial.
A benção por herança indica um alvo. O cristão não se empenha para ganhar a benção, mas a recebe por herança, afirma Pedro. O conceito de herança já foi abordado por Pedro (1.4; 3.7) e remonta ao tempo dos patriarcas. Isaque, por exemplo, abençoou seus filhos e lhes deu a terra como herança (veja Gn 27.27-39,39-40). Não se trabalha para receber uma herança; ela é um presente. A palavra benção enfatiza “a salvação futura de Deus, porém não apenas isso. Desde já os cristãos constantemente encontram-se sob a dedicação abençoadora de Deus. Herdar ou “ser herdeiro” declara que a bênção de Deus não é mero desejo, mas riqueza real”.[8]
3. A POSTURA DOS CRISTÃOS DIANTE DA VIDA (3.10-11)
Para os cristãos experimentarem uma vida feliz em Deus (vs.10a), alguns imperativos precisam ser observados. Pedro enumera quatro conselhos práticos. Os dois primeiros são negativos – “o que os cristãos não devem fazer”. O terceiro é, ao mesmo tempo, um conselho negativo e positivo – “o que os cristãos não devem fazer” e “o que devem fazer”. Finalmente, o último é positivo – “o que os cristãos devem fazer”.
Com o intuito de fortalecer seus conselhos, Pedro recorre ao Antigo Testamento, citando, nesta perícope, o Salmo 34.12-16. Ele já havia feito alusão ao versículo 9 desse mesmo Salmo no capítulo 2.9. “A diferença nas palavras entre a citação e o Salmo 34 podem ser pelo fato de o salmo ser usado na igreja primitiva. Pedro introduz as palavras de sua citação com o termo pois para dizer aos leitores que a Palavra de Deus tem autoridade”.[9]
Senão vejamos os cinco conselhos práticos que o apóstolo aduz:
a) Os cristãos não devem usar a língua para fazer o mal (vs.11b)
O termo mal, na citação do salmo, refere-se à palavra falada. Com isto, Pedro reforça a exortação anterior para não pagar o mal com o mal (vs.9). A língua é um órgão do qual emana palavras boas e más. O que dizemos pode causar efeitos positivos e negativos para nós e para os outros. O mau uso da língua faz parte do catálogo de pecados que deve ser rejeitado pelos cristãos (2.1).
Em sua carta, no capítulo 3.5-8, Tiago apresenta duas analogias para descrever a natureza da língua. Primeiro, ela é como “fogo destruidor” (vs.5-6); segundo, ela contém veneno mortífero semelhante ao de uma cobra peçonhenta que pode “matar” quem for atacado por ela (vs.8).
Provérbio 18.21 ressalta: A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto. Este provérbio ensina que devemos ser cautelosos no falar demonstrando os efeitos benéficos e prejudiciais de cada palavra proferida. Devemos nos precaver de que nossas palavras não nos conduzam a situações embaraçosas. Temos que saber como dizer as coisas, pois certamente iremos colher situações causadas por nós mesmos (veja Pv 13.3).
b) Os cristãos não devem falar ardilosamente (vs.11c)
Este outro pecado da fala que também deve ser rejeitado complementa o anterior. A expressão falar dolosamente significa “não falar a verdade”, mentir; traz a ideia de “falar com o intuito de enganar outrem”. O mal que Pedro destaca aqui é especificamente o “engano”. Falar de maneira ardilosa é esconder atrás de palavras doces uma intenção perversa! É alguém que diz uma coisa, mas sente outra.
É bajular alguém pela frente e, pelas costas, apunhalá-la de forma traiçoeira! A língua do cristão não deve ser uma promotora de maldade e engano; pelo contrário, deve ser um instrumento que glorifica o nome de Cristo e que edifica os irmãos na fé com boas palavras.
c) Os cristãos devem se afastar do mal e fazer o bem (vs.11d)
Pedro menciona novamente a palavra mal, dessa vez em paralelo com a palavra bem. Ele exorta negativamente os cristãos a rejeitarem toda forma de mal praticada [ação] e falada [palavra] (vs.9a-10b). Em seguida, exorta positivamente os cristãos a fazerem o bem. Somente quem despreza e se afasta do mal consegue ter boas ações e boas palavras (Sl 37.27; 3Jo 11).
d) Os cristãos devem buscar a paz com diligência (vs.11e)
Os termos buscar e empenhar-se são ativos. Denotam intensidade. Buscar a paz com empenho significa “persegui-la, correr atrás a qualquer custo” (veja Mt 5.9; Rm 12.18; 2Co 13.11; 1Ts 5.13; Hb 12.14). Quem retribuí o mal com o mal, ofensa com ofensa, não refreia língua do mal, fala ardilosamente e não se aparta do mal, aprofunda a inimizade com os outros. Por outro lado, quem abençoa os outros divulga a paz.
Holmer afirma que não somos dados à paz. Ela se encontra sob risco permanente. Temos de buscá-la sinceramente, correr atrás dela. Talvez o semelhante, ou até mesmo o adversário, tornem difícil que preservemos a paz, ainda que a busquemos sinceramente.[10] Warren Wiersbe complementa, dizendo que não se trata de uma política de "paz a qualquer preço", pois a paz deve sempre ser baseada na justiça (Tg 3.13-18). Significa apenas que o cristão deve usar de moderação ao se relacionar com as pessoas e não criar problemas só porque deseja que as coisas sejam feitas a sua maneira.[11]
4. O CONTRASTE ENTRE OS JUSTOS E AQUELES QUE FAZEM O MAL (3.12)
O versículo 12 estabelece as exortações precedentes com maior nitidez. O trecho do Salmo 34 que Pedro cita, no contexto, destaca um contraste e uma advertência para os justos e os maus. Para os justos, o apóstolo tece uma advertência positiva, e para os maldosos uma advertência negativa.
Pedro salienta que os olhos do Senhor repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos às suas súplicas, porém, o seu rosto está contra aqueles que praticam males.
Esta expressão retirada do Salmo 34 atribui partes humanas a Deus. Todavia, Deus é espírito; espírito não possui forma corpórea. Se atribuirmos qualquer forma humana a Deus, estaremos negando sua natureza espiritual que lhe é peculiar. Se Deus fosse um ser corpóreo, Ele não poderia ser infinito, imutável, onipresente, independente, etc. As várias passagens na Escritura que enfatizam Deus como tendo partes humanas são antropomórficas, isto é, uma figura de linguagem. Deus, pela sua graça e misericórdia, decidiu revelar-se aos homens através de formas pertecentes ao “mundo” para que estes pudessem compreendê-lo.
Calvino denomina o modo de Deus se revelar aos homens de “acomodação” ou “adaptação”. Em outras palavras, para se revelar e se tornar conhecido, Deus se adaptou à nossa capacidade. Vemos isso nas Escrituras, na encarnação de Jesus, nos sacramentos e na pregação. Senão vejamos as duas advertências enunciadas:
a) Os privilégios dos cristãos diante de Deus (vs.12a)
i. Recebem o favor e o cuidado de Deus
A expressão os olhos do Senhor repousam sobre os justos revela o zelo de Deus pelos cristãos. Ele protege o seu povo como um vigia que cuida de um patrimônio muito valioso. O Salmo 121 retrata esta sublime verdade! A proteção do Senhor repousa incessantemente sobre os cristãos. O termo justos, no Novo Testamento, refere-se aos que foram justificados pela fé em Cristo Jesus. São aqueles que obtiveram o perdão de seus pecados e que agora “vivem para a justiça” (2.24).
ii. As orações são respondidas
A palavra clamor, no contexto do Salmo 34, indica, como em outros contextos do Novo Testamento, “petições” a Deus por alguma necessidade, como livramentos de males e dos inimigos, cura de enfermidade, provisão financeira, restauração do casamento, etc. No hebraico, a palavra transmite a ideia de “um clamor intenso”. Apesar de Pedro utilizar a palavra grega δέησιν (deisin), traduzida como súplica pela ARA, o sentido é o mesmo que no Salmo 34.
Deus ouve e responde as orações dos cristãos. Nenhuma delas passa despercebida diante de Deus, embora as adversidades que enfrentamos nos fazem querer pensar o contrário. No entanto, nada escapa do conhecimento exaustivo de Deus! Ele vê e ouve tudo! Mesmo que nossas orações não sejam respondidas da forma que pedimos, Deus as responde de acordo com a sua vontade e da melhor forma para nós! Nem sempre a nossa vontade é a vontade de Deus, mas a vontade Deus é indubitavelmente melhor que a nossa vontade!
b) Deus é contra aqueles que fazem o mal (vs.12b)
A expressão mas o rosto do Senhor está contra os que praticam males evidencia a oposição ativa de Deus contra estas pessoas. Deus se obsta aos malfeitores! O rosto do Senhor era algo extremamente temível para um judeu. Ver a face de Deus era ser fulminado pela sua glória, pois ninguém resiste a Sua santidade (Gn 32.30; Jz 13.22; Is 6.5). Portanto, a expressão em voga denota o inevitável julgamento de Deus sobre os que fazem o mal (Ap 20.11-15).
Atos 12 relata que Herodes ordenou a prisão de Pedro. Ele tencionava, depois da páscoa, apresentar Pedro aos judeus para que requeressem a sua morte. Herodes queria executá-lo. Enquanto isso, a igreja orava pela libertação do apóstolo. Deus, então, responde a oração da igreja e envia um anjo para libertar Pedro e matar Herodes. Os olhos de Deus estavam fixos em Pedro e os seus ouvidos abertos às súplicas da igreja, mas o rosto do Senhor estava contra o maldoso Herodes.
É interessante observar que “Pedro não está interessado em explicar o que Deus faz com seus adversários. Na verdade, ele não termina a citação do Salmo 34.16, que descreve o fim dos adversários de Deus. Seu desejo é dar ao malfeitor tempo e oportunidade para que ele se arrependa e estabeleça um relacionamento vivo com Deus”.[12]
CONCLUSÃO
É imperativo haver nos relacionamentos fraternais unanimidade no pensamento sobre as doutrinas centrais da fé e a prática delas, compaixão, amor sincero e amizades profundas, misericórdia e humildade. Não devemos retribuir o mal e a ofensa dos descrentes contra nós da mesma forma; antes, devemos abençoá-los. Devemos reprimir a nossa língua do mal e da mentira, nos afastar do mal e buscar diligentemente viver em paz com todos, se possível.
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NOTAS:
1. Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo do Novo Testamento, volume 2, pág 530.
2. Bíblia de Estudo MacArthur. Notas de Rodapé, pág 1734.
3. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 174-175.
4. Hernandes Dias Lopes. 1,2,3 João, pág 176-178.
5. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 175.
6. Ibid, pág 176.
7. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 119.
8. Uwe Holmer. 1 Pedro, pág 49.
9. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 178.
10. Uwe Holmer. 1 Pedro, pág 49.
11. Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo do Novo Testamento, volume 2, pág 532.
12. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 179.
Texto base: 1 Pedro 3.8-12
INTRODUÇÃO
Pedro escreveu sobre como deve ser o relacionamento dos cristãos com as autoridades seculares, as quais foram nomeadas por Deus para reger as nações (2.13-17); como deve ser a postura deles com os patrões, baseando-se no exemplo de Cristo como a maior motivação (2.18-25); e, finalmente, como deve ser o relacionamento entre marido e mulher no casamento (3.1-7). O apóstolo ensina que a submissão deve nortear todos estes relacionamentos.
Agora, nesta nova seção, Pedro traça um resumo de tudo o que ensinou anteriormente. Ele reitera algumas lições preciosas que considera essencial, porém através de uma nova perspectiva. Pedro aduz conselhos práticos que devem governar o relacionamento dos cristãos entre si. O apóstolo discorre sobre como deve ser a postura dos cristãos entre eles e entre os que não são cristãos (3.8-12). Para isso, ele descreve uma lista de cinco virtudes que devem ser observadas (vs.8).
O esboço analítico desta seção pode ser dividido em quatro partes:
1. A postura dos cristãos perante os irmãos na fé (3.8); 2. A postura dos cristãos perante os seus opositores (3.9); 3. A postura dos cristãos diante da vida (3.10-11); 4. O contraste entre os justos e aqueles que fazem o mal (3.12).
EXPLANAÇÃO
1. A POSTURA DOS CRISTÃOS PERANTE OS IRMÃOS NA FÉ (3.8)
A palavra finalmente ainda não conclui o assunto discorrido anteriormente, mas introduz um resumo dos imperativos (exortações) salientados no capítulo 2.11, os quais se estendem até o capítulo 3.7. Pedro já se dirigiu a várias classes de pessoas, como servos, esposas e maridos. Agora, no ápice de sua argumentação, ele dirige-se a todos os cristãos.
Logo, a palavra finalmente possui o sentido de “resumo” e também introduz um novo assunto. Assim como toda a Lei se resume no amor (Rm 13.8-10), da mesma forma os relacionamentos interpessoais se cumprem no amor. Este princípio aplica-se aos cristãos em todas as esferas da vida. Portanto, quais são as atitudes que os cristãos precisam manifestar uns para com os outros? Pedro lista cinco adjetivos que devem caracterizar o relacionamento dos cristãos entre eles. Senão vejamos:
a) Os cristãos devem demonstrar unidade no pensamento (vs.8a)
Pedro admoesta os cristãos a pensarem da mesma forma. O termo igual ânimo ομόφρονες (homofrones), no grego, significa “pensar a mesma coisa”, “ter a mesma opinião”; expressa “unanimidade” (At 4.32; Fp 2.2). Com isso, Pedro orienta os cristãos a pensarem da mesma forma em todos os aspectos? Não, exatamente. Deus, por meio do teu Espírito, concedeu uma variedade de dons ao seu povo. Existe também uma variedade de opiniões entre a igreja, a qual é constituída de indivíduos que pensam diferente uns dos outros em muitas coisas. Pedro, todavia, não exclui a individualidade de cada um, antes, exorta que os cristãos sejam regidos pela Palavra de Deus, de modo que as diferenças pessoais não causem divisão, mas que seja um complemento para a igreja (veja Rm 12.16; 15.5).
Pedro está dizendo que os cristãos devem ter a mesma convicção nas coisas fundamentais, como nas doutrinas centrais da fé cristã, por exemplo. Nas coisas não essenciais, pode haver divergências de opinião, mas em todas estas coisas, não pode deixar de haver o amor. Warren Wiersbe corrobora que unidade não é o mesmo que uniformidade; unidade é cooperação em meio à diversidade. Apesar de diferentes, as partes do corpo trabalham juntas em unidade. Os cristãos podem discordar quanto à forma de certas coisas, mas devem concordar quanto ao conteúdo e a motivação.[1]
APLICAÇÃO PRÁTICA
A igreja não é uma arena de competição onde diáconos, presbíteros e professores disputam quem exerce melhor a sua função! Isto é sinal de carnalidade e imaturidade espiritual. Antes, devemos cooperar uns com os outros através dos diferentes dons para a edificação coletiva da igreja. Não deve haver divisões nem vanglória entre os cristãos. Em face disso, Paulo exortou a igreja de Corinto a terem uma só mente em Cristo Jesus (1Co 1.10). John MacArthur enfatiza que os cristãos devem ser exemplos e promovedores da paz e unidade, e não de divisão e desarmonia.2 Os cristãos devem manter a unidade do Espírito no vínculo da paz (Ef 4.13-14). Esta é, pois, a vontade de Deus!
b) Os cristãos devem esboçar compaixão (vs.8b)
A palavra compadecidos traz a ideia de “sentir a dor com”. É sentir as dores do outro como se fosse a própria dor! É sofrer junto com o outro. “Os cristãos devem demonstrar sua preocupação e interesse pelo próximo, especialmente em tempos de alegria e tristeza. Devem alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram (Rm 12.15; 1Co 12.26)”.[3]
APLICAÇÃO PRÁTICA
Devido a ausência do amor fraternal, muitos cristãos negligenciam a compaixão pelos outros. São cristãos extremamente individuais, indiferentes ao sofrimento de outrem! Estão mais preocupados com suas próprias vidas do que em saber como está a vida dos seus irmãos na fé. Cada cristão tem a sua vida individual, mas não deve esquecer também da sua vida social como igreja. Ele deve pensar em como servir e ajudar cada irmão em suas necessidades. Isso é demostrar compaixão!
c) Os cristãos devem amar fraternalmente uns aos outros como amigos (vs.8c)
No grego, a expressão fraternalmente amigos φιλάδελφοι (filadelfoi), saleinta o “amor entre os irmãos”. Pedro já havia ressaltado a importância dos cristãos amarem-se uns aos outros (1.22).
APLICAÇÃO PRÁTICA
Uma das marcas do verdadeiro cristão é o amor pelos irmãos. O amor não é a causa da salvação, mas a sua evidência. O amor é comprovado por atos. Palavras de amor devem resultar em atos de amor. Amar é ceder talentos, posses, recursos financeiros e a si mesmo pelos outros. Devemos amar os nossos irmãos na fé profundamente, tendo como exemplo o amor de Cristo por nós. Acerca disso, Hernandes Dias Lopes escreve:
O amor de Cristo é o nosso supremo exemplo. Assim como ele deu a sua vida por nós, devemos dar a nossa vida pelos irmãos. Obviamente não podemos dar a nossa vida como Cristo a deu. Cristo deu a sua vida por nós vicariamente. Nesse sentido não podemos imitar a Cristo. Porém, podemos dar a nossa vida pelos irmãos em termos de serviço e cuidado. [...] O amor não é o que falamos, mas o que fazemos. O amor não é tanto uma questão de sentimento, mas de movimento, e movimento em direção do necessitado. Amamos não com discursos eloquentes, regados de emoção, mas com ações práticas para aliviar a dor do irmão e socorrê-lo em suas necessidades (1Jo 3.18).[4]
d) Os cristãos devem ser misericordiosos (vs.8d)
O termo misericordiosos retrata um sentimento interior que parece “vir das entranhas ou do intestino” e resulta em ações exteriores. Misericórdia é fazer algo que não deveria ser feito. É demonstrar compaixão pela miséria de outrem. É prestar auxílio de coração a alguém que sofre, mas que não merece.
APLICAÇÃO PRÁTICA
Deus manifestou a sua graça e misericórdia aos pecadores que elegeu para a salvação enviando Cristo Jesus para morrer em favor deles. Merecíamos a condenação eterna, mas recebemos a misericórdia de Deus! Portanto, como imitadores de Cristo, precisamos ser misericordiosos com os outros, mesmo que não mereçam receber misericórdia (Cl 3.12).
e) Os cristãos devem ser humildes (vs.8e)
A humildade é uma virtude que foi ensinada e demostrada na vida prática por Jesus. O maior exemplo disso foi quando Ele lavou os pés dos seus discípulos (Jo 13.4.17). “Jesus deu o exemplo de serviço abnegado mostrando-se pronto a ser o menor na companhia de seus discípulos e a ser o servo de todos eles”.[5] Na sociedade ímpia, ser humilde denota fraqueza e inferioridade! No reino de Deus, porém, é o contrário. Ser humilde não é ser fraco e inferior, mas considerar-se como tal (Rm 12.13). Ser o primeiro no reino de Deus é ser o servo de todos (Mc 10.44-45); o maior é o servo de todos (Mt 23.11; Ef 4.2; 5.5).
2. A POSTURA DOS CRISTÃOS PERANTE OS SEUS OPOSITORES (3.9)
Tendo instruído os cristãos sobre como deve ser o relacionamento fraternal, isto é, o relacionamento dos irmãos na fé (vs.8), Pedro, agora, passa das relações internas (com os cristãos) para as relações externas (com os não cristãos). Ele esboça a postura que os cristãos devem manifestar para com aqueles que fazem o mal contra eles. Retornando ao pensamento do capítulo 2.23, onde escreveu sobre a reação de Jesus quando foi maltratado por aqueles que o rejeitaram e o crucificaram, Pedro, aqui, enfatiza duas atitudes que os cristãos devem ter quando também forem maltratados. Sendo assim, como deve ser a conduta dos cristãos diante dos seus algozes? Quais as duas atitudes que eles devem demonstrar para com aqueles que os maltratam?
a) Quando forem maltratados e ofendidos, os cristãos devem manifestar uma atitude passiva (vs.9a)
Pedro exorta os cristãos a não retribuírem o mal e a ofensa que receberem da mesma forma. Os primeiros leitores de Pedro estavam dispersos em algumas regiões da Ásia Menor (1.1). Eram severamente perseguidos por serem cristãos. Sofriam males físicos, materiais e morais. Não eram bem vistos pela sociedade e sofriam preconceito. Em vez de retribuírem todo o mal e a ofensa que receberam na mesma moeda, por mais tentador que fosse – estes cristãos primitivos deveriam manter uma reação passiva em face do sofrimento. Pedro indica que os seus destinatários poderiam ficar tentados a corresponder o mal e as ofensas que recebiam. Assim, ele ensina que a retaliação não é uma atitude cristã. Estes cristãos deveriam seguir o exemplo de Cristo no sofrimento (2.21-23) e observar os preceitos do Evangelho sobre a retaliação. Paulo escreveu em 1 Tessalonicenses 5.15 que os cristãos devem evitar retribuir o mal que receberam dos outros com o mal. Em Romanos 12.17 ele corrobora que não devemos pagar o mal com o mal.
b) Quando forem maltratados e ofendidos, os cristãos devem manifestar uma atitude ativa (vs.9b)
Ao invés de retribuírem o mal com o mal e a ofensa com ofensa, os cristãos devem bendizer os seus inimigos. A expressão antes, pelo contrário, enfatiza uma categórica rejeição de uma atitude por outra. Nesta rejeição poderia estar incluso o falar mal dos outros (2.1), que é algo que os ímpios falam acerca dos cristãos (2.12) ou, então, os cristãos falarem bem dos que os maldizem.
Porém, a ênfase encontra-se na reação ativa de “bendizer” ou “abençoar” enquanto caluniado, que significa mais do que não falar mal ou falar bem. Bendizer denota “que oramos por nossos inimigos, somos gentis para com eles em palavras e ações e buscamos promover o seu bem-estar”.[6] Jesus ensinou no sermão que pregou no monte que devemos amar e orar pelos que nos perseguem (Mt 5.44). Em Lucas 6.28, Ele também ensinou que devemos bendizer os que nos maldizem e orar por aqueles que nos caluniam. Paulo ratifica em 1 Coríntios 4.12b que, quando somos insultados, devemos bendizer.
APLICAÇÃO PRÁTICA
Retribuir o bem com o mal é perversidade; retribuir o bem com o bem ou o mal com o mal é justiça; mas retribuir o mal com o bem é graça.[7]
c) A herança celestial (vs.9b)
A expressão pois para isto mesmo fostes chamados pode se referir ao chamado dos cristãos para bendizer [ou abençoar] os seus inimigos ou para receber a benção por herança. É difícil saber com exatidão o que Pedro tinha em mente. As duas interpretações são possíveis. Talvez Pedro quisesse abarcar os dois chamados, ou seja, os cristãos foram chamados para abençoar os opositores da fé e para receberem a herança celestial.
A benção por herança indica um alvo. O cristão não se empenha para ganhar a benção, mas a recebe por herança, afirma Pedro. O conceito de herança já foi abordado por Pedro (1.4; 3.7) e remonta ao tempo dos patriarcas. Isaque, por exemplo, abençoou seus filhos e lhes deu a terra como herança (veja Gn 27.27-39,39-40). Não se trabalha para receber uma herança; ela é um presente. A palavra benção enfatiza “a salvação futura de Deus, porém não apenas isso. Desde já os cristãos constantemente encontram-se sob a dedicação abençoadora de Deus. Herdar ou “ser herdeiro” declara que a bênção de Deus não é mero desejo, mas riqueza real”.[8]
3. A POSTURA DOS CRISTÃOS DIANTE DA VIDA (3.10-11)
Para os cristãos experimentarem uma vida feliz em Deus (vs.10a), alguns imperativos precisam ser observados. Pedro enumera quatro conselhos práticos. Os dois primeiros são negativos – “o que os cristãos não devem fazer”. O terceiro é, ao mesmo tempo, um conselho negativo e positivo – “o que os cristãos não devem fazer” e “o que devem fazer”. Finalmente, o último é positivo – “o que os cristãos devem fazer”.
Com o intuito de fortalecer seus conselhos, Pedro recorre ao Antigo Testamento, citando, nesta perícope, o Salmo 34.12-16. Ele já havia feito alusão ao versículo 9 desse mesmo Salmo no capítulo 2.9. “A diferença nas palavras entre a citação e o Salmo 34 podem ser pelo fato de o salmo ser usado na igreja primitiva. Pedro introduz as palavras de sua citação com o termo pois para dizer aos leitores que a Palavra de Deus tem autoridade”.[9]
Senão vejamos os cinco conselhos práticos que o apóstolo aduz:
a) Os cristãos não devem usar a língua para fazer o mal (vs.11b)
O termo mal, na citação do salmo, refere-se à palavra falada. Com isto, Pedro reforça a exortação anterior para não pagar o mal com o mal (vs.9). A língua é um órgão do qual emana palavras boas e más. O que dizemos pode causar efeitos positivos e negativos para nós e para os outros. O mau uso da língua faz parte do catálogo de pecados que deve ser rejeitado pelos cristãos (2.1).
Em sua carta, no capítulo 3.5-8, Tiago apresenta duas analogias para descrever a natureza da língua. Primeiro, ela é como “fogo destruidor” (vs.5-6); segundo, ela contém veneno mortífero semelhante ao de uma cobra peçonhenta que pode “matar” quem for atacado por ela (vs.8).
Provérbio 18.21 ressalta: A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto. Este provérbio ensina que devemos ser cautelosos no falar demonstrando os efeitos benéficos e prejudiciais de cada palavra proferida. Devemos nos precaver de que nossas palavras não nos conduzam a situações embaraçosas. Temos que saber como dizer as coisas, pois certamente iremos colher situações causadas por nós mesmos (veja Pv 13.3).
b) Os cristãos não devem falar ardilosamente (vs.11c)
Este outro pecado da fala que também deve ser rejeitado complementa o anterior. A expressão falar dolosamente significa “não falar a verdade”, mentir; traz a ideia de “falar com o intuito de enganar outrem”. O mal que Pedro destaca aqui é especificamente o “engano”. Falar de maneira ardilosa é esconder atrás de palavras doces uma intenção perversa! É alguém que diz uma coisa, mas sente outra.
É bajular alguém pela frente e, pelas costas, apunhalá-la de forma traiçoeira! A língua do cristão não deve ser uma promotora de maldade e engano; pelo contrário, deve ser um instrumento que glorifica o nome de Cristo e que edifica os irmãos na fé com boas palavras.
c) Os cristãos devem se afastar do mal e fazer o bem (vs.11d)
Pedro menciona novamente a palavra mal, dessa vez em paralelo com a palavra bem. Ele exorta negativamente os cristãos a rejeitarem toda forma de mal praticada [ação] e falada [palavra] (vs.9a-10b). Em seguida, exorta positivamente os cristãos a fazerem o bem. Somente quem despreza e se afasta do mal consegue ter boas ações e boas palavras (Sl 37.27; 3Jo 11).
d) Os cristãos devem buscar a paz com diligência (vs.11e)
Os termos buscar e empenhar-se são ativos. Denotam intensidade. Buscar a paz com empenho significa “persegui-la, correr atrás a qualquer custo” (veja Mt 5.9; Rm 12.18; 2Co 13.11; 1Ts 5.13; Hb 12.14). Quem retribuí o mal com o mal, ofensa com ofensa, não refreia língua do mal, fala ardilosamente e não se aparta do mal, aprofunda a inimizade com os outros. Por outro lado, quem abençoa os outros divulga a paz.
Holmer afirma que não somos dados à paz. Ela se encontra sob risco permanente. Temos de buscá-la sinceramente, correr atrás dela. Talvez o semelhante, ou até mesmo o adversário, tornem difícil que preservemos a paz, ainda que a busquemos sinceramente.[10] Warren Wiersbe complementa, dizendo que não se trata de uma política de "paz a qualquer preço", pois a paz deve sempre ser baseada na justiça (Tg 3.13-18). Significa apenas que o cristão deve usar de moderação ao se relacionar com as pessoas e não criar problemas só porque deseja que as coisas sejam feitas a sua maneira.[11]
4. O CONTRASTE ENTRE OS JUSTOS E AQUELES QUE FAZEM O MAL (3.12)
O versículo 12 estabelece as exortações precedentes com maior nitidez. O trecho do Salmo 34 que Pedro cita, no contexto, destaca um contraste e uma advertência para os justos e os maus. Para os justos, o apóstolo tece uma advertência positiva, e para os maldosos uma advertência negativa.
Pedro salienta que os olhos do Senhor repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos às suas súplicas, porém, o seu rosto está contra aqueles que praticam males.
Esta expressão retirada do Salmo 34 atribui partes humanas a Deus. Todavia, Deus é espírito; espírito não possui forma corpórea. Se atribuirmos qualquer forma humana a Deus, estaremos negando sua natureza espiritual que lhe é peculiar. Se Deus fosse um ser corpóreo, Ele não poderia ser infinito, imutável, onipresente, independente, etc. As várias passagens na Escritura que enfatizam Deus como tendo partes humanas são antropomórficas, isto é, uma figura de linguagem. Deus, pela sua graça e misericórdia, decidiu revelar-se aos homens através de formas pertecentes ao “mundo” para que estes pudessem compreendê-lo.
Calvino denomina o modo de Deus se revelar aos homens de “acomodação” ou “adaptação”. Em outras palavras, para se revelar e se tornar conhecido, Deus se adaptou à nossa capacidade. Vemos isso nas Escrituras, na encarnação de Jesus, nos sacramentos e na pregação. Senão vejamos as duas advertências enunciadas:
a) Os privilégios dos cristãos diante de Deus (vs.12a)
i. Recebem o favor e o cuidado de Deus
A expressão os olhos do Senhor repousam sobre os justos revela o zelo de Deus pelos cristãos. Ele protege o seu povo como um vigia que cuida de um patrimônio muito valioso. O Salmo 121 retrata esta sublime verdade! A proteção do Senhor repousa incessantemente sobre os cristãos. O termo justos, no Novo Testamento, refere-se aos que foram justificados pela fé em Cristo Jesus. São aqueles que obtiveram o perdão de seus pecados e que agora “vivem para a justiça” (2.24).
ii. As orações são respondidas
A palavra clamor, no contexto do Salmo 34, indica, como em outros contextos do Novo Testamento, “petições” a Deus por alguma necessidade, como livramentos de males e dos inimigos, cura de enfermidade, provisão financeira, restauração do casamento, etc. No hebraico, a palavra transmite a ideia de “um clamor intenso”. Apesar de Pedro utilizar a palavra grega δέησιν (deisin), traduzida como súplica pela ARA, o sentido é o mesmo que no Salmo 34.
Deus ouve e responde as orações dos cristãos. Nenhuma delas passa despercebida diante de Deus, embora as adversidades que enfrentamos nos fazem querer pensar o contrário. No entanto, nada escapa do conhecimento exaustivo de Deus! Ele vê e ouve tudo! Mesmo que nossas orações não sejam respondidas da forma que pedimos, Deus as responde de acordo com a sua vontade e da melhor forma para nós! Nem sempre a nossa vontade é a vontade de Deus, mas a vontade Deus é indubitavelmente melhor que a nossa vontade!
b) Deus é contra aqueles que fazem o mal (vs.12b)
A expressão mas o rosto do Senhor está contra os que praticam males evidencia a oposição ativa de Deus contra estas pessoas. Deus se obsta aos malfeitores! O rosto do Senhor era algo extremamente temível para um judeu. Ver a face de Deus era ser fulminado pela sua glória, pois ninguém resiste a Sua santidade (Gn 32.30; Jz 13.22; Is 6.5). Portanto, a expressão em voga denota o inevitável julgamento de Deus sobre os que fazem o mal (Ap 20.11-15).
Atos 12 relata que Herodes ordenou a prisão de Pedro. Ele tencionava, depois da páscoa, apresentar Pedro aos judeus para que requeressem a sua morte. Herodes queria executá-lo. Enquanto isso, a igreja orava pela libertação do apóstolo. Deus, então, responde a oração da igreja e envia um anjo para libertar Pedro e matar Herodes. Os olhos de Deus estavam fixos em Pedro e os seus ouvidos abertos às súplicas da igreja, mas o rosto do Senhor estava contra o maldoso Herodes.
É interessante observar que “Pedro não está interessado em explicar o que Deus faz com seus adversários. Na verdade, ele não termina a citação do Salmo 34.16, que descreve o fim dos adversários de Deus. Seu desejo é dar ao malfeitor tempo e oportunidade para que ele se arrependa e estabeleça um relacionamento vivo com Deus”.[12]
CONCLUSÃO
É imperativo haver nos relacionamentos fraternais unanimidade no pensamento sobre as doutrinas centrais da fé e a prática delas, compaixão, amor sincero e amizades profundas, misericórdia e humildade. Não devemos retribuir o mal e a ofensa dos descrentes contra nós da mesma forma; antes, devemos abençoá-los. Devemos reprimir a nossa língua do mal e da mentira, nos afastar do mal e buscar diligentemente viver em paz com todos, se possível.
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NOTAS:
1. Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo do Novo Testamento, volume 2, pág 530.
2. Bíblia de Estudo MacArthur. Notas de Rodapé, pág 1734.
3. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 174-175.
4. Hernandes Dias Lopes. 1,2,3 João, pág 176-178.
5. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 175.
6. Ibid, pág 176.
7. Hernandes Dias Lopes. 1 Pedro, pág 119.
8. Uwe Holmer. 1 Pedro, pág 49.
9. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 178.
10. Uwe Holmer. 1 Pedro, pág 49.
11. Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo do Novo Testamento, volume 2, pág 532.
12. Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 179.
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Autor: Leonardo Dâmaso
Fonte: Bereianos
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