O cão voltou ao seu próprio vômito

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Por Frank Brito


Porquanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro. Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado; Deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: O cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama”. (II Pedro 2:20-22)

Na última postagem deste blog, comentei sobre outro texto de II Pedro que é frequentemente usado para defender que um verdadeiro salvo pode acabar perdendo sua salvação. II Pedro 2:20-22 também é frequente usado para defender o mesmo. O texto fala daqueles que escaparam “das corrupções do mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo” e depois foram “outra vez envolvidos nelas e vencidos”. Isto não é claramente a descrição de um salvo que perdeu sua salvação? Na verdade, quando entendemos o verdadeiro sentido de II Pedro 2:20-22, somos levados a concluir justamente o contrário, que é necessário ser um falso convertido para acabar se desviando para a perdição eterna.

Para entender o verdadeiro sentido das palavras de S. Pedro, temos que começar observando que ele cita passagens de outros textos bíblicos. Para entender o argumento de Pedro temos que analisar estas passagens que ele cita em seus respectivos contextos. Primeiro, Ele cita as palavras do Senhor conforme se encontram nos Evangelhos de S. Mateus e S. Lucas, “tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro”:

Ora, havendo o espírito imundo saído do homem, anda por lugares áridos, buscando repouso, e não o encontra. Então diz: Voltarei para minha casa, donde saí. E, chegando, acha-a desocupada, varrida e adornada. Então vai e leva consigo outros sete espíritos piores do que ele e, entretanto, habitam ali; e o último estado desse homem vem a ser pior do que o primeiro. (Mateus 12:43-45; Lucas 11:26)

Aqui Jesus fala de um homem que teve um demônio expulso dele. Ele era endemoniado e deixou de ser. Ele foi espiritualmente liberto do poder que aquele demônio exercia sobre ele. Mas Cristo diz que o demônio, não conformado com o fato de ter sido expulso, decidiu voltar: “Voltarei para minha casa, donde saí. E, chegando, acha-a desocupada, varrida e adornada. Quando Jesus diz que a casa estava “varrida e adornada”, Ele estava se referindo à libertação espiritual pela qual aquele homem tinha passado. Mas, ao mesmo tempo, a casa estava “desocupada”. O antigo inquilino havia sido expulso, mas, depois disso, ninguém passou a habitar na casa. Foi isso o que levou o demônio a levar “consigo outros sete espíritos piores do que ele” para morar ali. Se a casa não estivesse desocupada, ele não poderia voltar e muitos menos levar mais sete com ele. Como está escrito:

Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle”. (Rm 8:9)

Não sabeis vós que sois santuário de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós” (I Co 3:16)?

Aquele homem havia, em certo sentido, sido liberto por Deus. O demônio, afinal, havia sido expulso dele. Pela expulsão daquele demônio, ele havia, nas palavras de S. Pedro, “escapado das corrupções do mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo” (II Pe 2:20) e é por isso que sua casa estava “varrida e adornada”. Mas, ainda assim, ele não era um verdadeiro salvo. Apesar dele ter sido externamente liberto, o interior sua casa continuava “desocupada”, isto é, o Espírito de Deus não habitava nele e “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle” (Rm 8:9).

Os ímpios, que nunca foram salvos, podem passar por uma experiência externa de libertação espiritual. Eles jamais creem de todo coração e, portanto, jamais se tornam habitação do Espírito Santo. Apesar tisso, eles ainda podem ser beneficiados espiritualmente por Jesus Cristo de muitas maneiras. Um homem endemoniado pode ser liberto do poder desse demônio sem ser salvo por Jesus Cristo. Com base nesta libertação, ele pode vir a abandonar determinadas práticas que faziam parte de sua vida por influência daqueles demônios. Pensemos, por exemplo, na situação de uma mulher verdadeiramente cristã que é casada com um marido bêbado e preguiçoso. Ele faz com que a família inteira passe por sérios problemas. A esposa sempre ora por ele. É possível que, por consideração à esposa que é uma cristã fiel, Deus liberte o marido da bebedeira e da preguiça e faça que ele se torne um marido sóbrio e trabalhador. É possível que Deus até o faça frequentar a igreja por um tempo. Mas isso, por si só, não significa que ele estará convertido, ainda que ele tenha sido espiritualmente liberto por Deus de alguns de seus vícios. Ímpios podem passar por libertações externas sem passar por uma conversão genuína. É sobre isso que Jesus falou Mateus 12:43-45 e este foi o texto que S. Pedro citou quando falou daqueles que “depois de terem escapado das corrupções do mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro” (II Pe 2:20). O texto que S. Pedro cita logo em seguida, do livro de Provérbios, comprova que é sobre isso que ele de fato estava falando:

Deste modo sobreveio-lhes o que diz este provérbio verdadeiro; Volta o cão ao seu vômito. (II Pedro 2:22)

Como o cão que torna ao seu vômito, assim é o tolo que reitera a sua estultícia. (Provérbios 26:11)

Quando Pedro fala do cão tornando ao seu vômito, ele esta se referindo ao tolo reiterando a sua estultícia. Ou seja, ele não era um sábio que se tornou tolo, mas ele já era tolo e ele reitera aquilo que ele já era. Ele não era um salvo que se tornou perdido, mas era um perdido que, ao se desviar, confirmou aquilo que ele realmente era. Essa é a mesma ideia da comparação que ele faz com o porco: “e a porca lavada volta a revolver-se no lamaçal” (II Pd 2:22). O argumento de S. Pedro aqui é que a porca, mesmo sendo lavada, acabará querendo voltar para a lama. Essa é sua “natureza”. Da mesma forma, impios podem passar por libertações externas sem passar por uma conversão genuína. Ímpios podem ser “lavados” externamente, mas continuam com a mesma natureza e por isso voltam para a lama.

S. Pedro, então, longe de ensinar que um verdadeiro salvo pode acabar perdendo sua salvação, ensina justamente o contrário, que é necessário ser um falso convertido para acabar se desviando para a perdição eterna. É preciso ser um “porco” ou um “cão”. É preciso que casa esteja vazia, ainda que “varrida e adornada”.

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