Por Augustus Nicodemus Lopes
Fiquei envergonhado comigo mesmo uns cinco meses atrás - mais especificamente no domingo 12 de junho. Era o dia de Pentecostes no calendário litúrgico cristão e eu havia me esquecido. Lembrei-me que era o dia dos namorados, mas não que era o dia de Pentecostes.
Faço parte daquela grande maioria de evangélicos reformados que não prestam muita atenção ao chamado calendário litúrgico da Igreja. Acho que em parte é uma reação, por vezes inconsciente, contra os abusos deste calendário praticados pela Igreja Católica.
Mas o fato é que esta data, dia de Pentecostes, está razoavelmente firmada na história. Pentecostes era a festa dos judeus celebrada 50 dias após a Páscoa. E foi durante uma celebração destas que o Espirito Santo de Deus veio sobre os apóstolos e os 120 discípulos em Jerusalém, cerca de 50 dias após a morte do Senhor, de acordo com Atos 2:1-4. Os cristãos se interessam pela data, portanto, por este motivo e não pela festa de Pentecostes em si.
A descida do Espírito naquele dia marcou o início da Igreja Cristã. Todavia, este que foi um evento da mesma magnitude que a morte e a ressurreição do Senhor Jesus, acabou se tornando motivo de polêmicas e controvérsias em meio à Cristandade, apesar de existir um bom número de pontos em comum entre os evangélicos sobre Pentecostes.
Podemos, por exemplo, concordar que a vinda do Espírito representou o início da Igreja Cristã. Concordamos que ele veio para capacitar os discípulos com poder para poderem pregar o Evangelho ao mundo, que Ele agora habita na Igreja de Cristo, isto é, em todos que são realmente regenerados. Confessamos que Ele concede dons espirituais ao povo de Deus, que Ele nos ilumina, santifica, guia e consola em nossas tribulações. Concordamos que devemos buscar a plenitude do Espirito mediante a oração. Cremos que nossos pecados entristecem o Espírito. Sabemos que o Espírito nos sela para a salvação, que é o penhor, a garantia que Deus nos dá de que haveremos de herdar o Seu Reino.
Todavia, em que pese este consenso não pequeno, permanecem diferenças de entendimento sobre diversos aspectos da obra do Espírito e o significado histórico-teológico de Pentecostes. Vamos encontrar homens de Deus, sérios, dedicados e usados por Deus em lados diferentes. Ainda que brevemente, vou enumerar algumas destas diferenças e expressar a minha opinião.
1 - Quanto ao significado histórico de Pentecostes. Para muitos, o que aconteceu em Pentecostes é um paradigma, um modelo e um padrão para hoje. A descida do Espírito, o revestimento de poder e as línguas faladas pelos apóstolos estão hoje à disposição da Igreja exatamente como aconteceu naquele dia no cenáculo em Jerusalém. Os que assim acreditam se caracterizam pela busca constante desta experiência. Para eles, a Igreja ficou sem o Pentecostes por quase dois mil anos, e foi somente em 1906, no chamado avivamento da Rua Azusa 312, em Los Angeles, Estados Unidos, que ele retornou à Igreja, e tem se repetido constantemente entre os cristãos de todo o mundo.
Do outro lado há os que pensam diferente, como eu, por exemplo, mas que crêem que podemos experimentar a plenitude e o poder do Espirito Santo hoje. Desejo isto e busco isto constantemente. Todavia, não creio que cada enchimento que eu ou outro irmão venhamos a ter é uma repetição de Pentecostes, mas sim uma apropriação pessoal daquele evento, que aconteceu de uma vez por todas e que não tem como se repetir. Pentecostes foi o cumprimento das promessas dos profetas do Antigo Testamento de que o Messias derramaria Seu Espírito sobre Seu povo. Foi assim que Pedro entendeu, ao dizer que a descida do Espírito era o cumprimento das palavras de Joel (Atos 2). Pentecostes é um evento da história da salvação e à semelhança da morte e da ressurreição de Cristo, ele não se repete. E da mesma forma que hoje continuamos a nos beneficiar da morte e da ressurreição do Senhor, continuamos a beber e a nos encher daquele Espírito que já veio de um vez por todas ficar na Igreja. E eu creio que neste ponto podemos todos concordar.
2 - Não há consenso, igualmente, em como designar o enchimento do Espírito. Alguns irmãos chamam esta experiência de plenitude e revestimento de poder de "batismo com o Espírito". Outros, entre os quais me incluo, não estão certos de que esta designação é a mais correta. Ninguém discute que devemos buscar esta plenitude. Eu quero ser sempre cheio do Espírito. Mas não acho que devamos chamar o enchimento de "batismo". Meus motivos para isto estão num artigo que escrevi comparando a posição de John Stott e Martyn Lloyd-Jones. Fico com Lloyd-Jones que enfatiza a necessidade de buscarmos este enchimento como uma experiência distinta da conversão, mas fico com Stott em não chamá-la de batismo. Apesar da diferença de nomenclatura, acredito que estamos juntos neste ponto, que todos precisamos nos encher constantemente do Espírito de Deus.
3 - Há diferença também quanto aos sinais miraculosos que acompanharam a descida do Espírito. Alguns acreditam que falar em línguas é o sinal externo da descida do Espírito sobre uma pessoa. Assim, buscam esta experiência constantemente e encorajam os novos convertidos a fazer o mesmo. Eu, contudo, não encontro na Bíblia evidência suficiente que me convença que a plenitude do Espírito sempre será seguida pelo falar em línguas e que devemos buscar falar em línguas como um dos melhores dons. Em Pentecostes houve outros sinais além das línguas, como o som de um vento impetuoso e a aparição de línguas de fogo, que aparentemente não são repetidos nas experiências de hoje (salvo desinformação de minha parte). A minha dificuldade e de muitos outros é que não conseguimos ver nas cartas do Novo Testamento qualquer orientação, ordem ou direção para que aqueles que já são crentes busquem o batismo com o Espírito seguido pelas línguas. O que eu encontro são ordens para nos enchermos do Espírito, andarmos no Espírito, vivermos no Espírito e cultivarmos uma vida no Espírito. Bem, este ponto é mais controverso e acirra mais os ânimos do que os anteriores. Ainda assim existe o consenso entre nós de que sem os dons do Espírito a Igreja não tem como realizar sua missão aqui neste mundo.
Lamento tão somente que, apesar de termos tanta coisa em comum quanto ao Espírito, acabemos divididos por uma atitude de arrogância espiritual por parte daqueles que acham que somente eles conhecem o Espírito, e pela atitude de soberba daqueles que se consideram teologicamente superiores aos ignorantes que vivem à base de experiências.
Minha oração é que todos os que verdadeiramente crêem no Senhor Jesus e o amam de todo o coração, apesar das diferenças, glorifiquem ao Pai e ao Filho por terem enviado o Espírito Santo para santificar, capacitar e usar a Sua Igreja neste mundo.
Fonte: [ O Tempora, O Mores! ]
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1 comentários:
Uma palavra esclarecedora convicta e que tem como objetivo o desejo de unidade do corpo. Não aos desejos humanos de se colocar como dono da verdade. Jesus é a verdade e nunca desejou essa confusão relacionada a Ele mesmo.
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