A semente da própria iniqüidade

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Por – João Calvino (1509-1564)

Eis que nasci na iniquidade, e em pecado
me concebeu minha mãe (Salmo 51.5).


Davi avança para além do mero reconhecimento de um ou de muitos pecados, confessando que nada trouxera consigo em sua entrada no mundo senão pecado, e que sua natureza era inteiramente depravada. Ele é assim levado pela consideração de uma só ofensa de peculiar atrocidade à conclusão de que nascera na iniquidade, e que era absolutamente destituído de todo bem espiritual.

Aliás, todo pecado deve convencer-nos da verdade geral da corrupção de nossa natureza. A palavra hebraica, yechemathni, significa literalmente aqueceu-se de mim, de, yacham, ou chamam, aquecer; os intérpretes, porém, a têm mui apropriadamente traduzido me concebeu.

A expressão notifica que somos criados em pecado desde o primeiro momento em que nos achamos no ventre [materno]. Davi, pois, é aqui forçado, ao refletir sobre uma transgressão específica, a fazer um relance retrospectivo sobre toda a sua vida pregressa e a nada descobrir nela senão pecado. E não imaginemos nós que ele fala da corrupção de sua natureza, meramente como o fazem os hipócritas ocasionalmente, a fim de justificar suas faltas, dizendo: "É possível que eu tenha pecado, mas que poderia fazer? Sou homem e inerentemente inclinado a tudo quanto é mal."

Davi não recorre a tais artifícios para evadir-se da sentença divina, e faz referência ao pecado original com vistas a agravar sua culpa, reconhecendo não que havia contraído este ou aquele pecado pela primeira vez recentemente, mas que havia nascido no mundo com a semente da própria iniquidade.

A passagem oferece um notável testemunho em prol do pecado original transmitido por Adão a toda a família humana. Não só ensina a doutrina, mas pode assistir-nos na formulação de uma correta idéia dela. Os pelagianos, com o fim de evitarem o que consideravam um absurdo, ou seja, afirmar que todos foram arruinados através de uma única transgressão do homem, sustentavam o que vem de tempos imemoriais, a saber, que o pecado só se originou de Adão através do hábito de imitação.

A Bíblia, porém, tanto neste como em outros passos, claramente assevera que nascemos em pecado, e que existe dentro de nós uma enfermidade inerente à nossa natureza. Davi não culpa a seus pais, nem traça seu crime até chegar a eles, mas senta-se diante do tribunal divino, confessa que fora formado em pecado, e que era um transgressor nato, assim que viu a luz deste mundo. Portanto, constitui um erro grosseiro em Pelágio, negar este que o pecado era hereditário, inerindo na família humana por contágio.

Os papistas, em nossos dias, concordam que a natureza humana se tornou depravada, mas atenuam o pecado original o quanto podem e o representam como que consistindo meramente numa inclinação para o que é mau. Restringem sua sede à parte inferior da alma e aos apetites grosseiros; e embora nada seja mais evidente à experiência que o fato de a corrupção aderir aos homens ao longo da vida, negam que o mesmo permanece neles subsequentemente ao batismo. Não teremos uma idéia adequada do domínio do pecado, a menos que nos convençamos dele como algo que se estende a cada parte da alma, e reconheçamos que tanto a mente quanto o coração humanos se têm tornado completamente corrompidos.

A linguagem de Davi soa mui diferentemente daquela dos papistas: Fui formado na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe. Ele nada diz de seus mais grosseiros apetites, mas simplesmente assevera que o pecado, por natureza, penetrara cada parte dele, sem exceção alguma.

Aqui se formula a seguinte pergunta: Como o pecado se transmite de pais para filhos? E esta pergunta tem guiado a outra relativa à transmissão da alma, negando muitos que a corrupção possa derivar-se dos pais para o filho, exceto na suposição de uma alma ser gerada da substância da outra. Sem pretender entrar em tão misteriosas discussões, basta que sustentemos que Adão, em sua queda, foi despojado de sua justiça original, sua razão foi obscurecida, sua vontade, pervertida, e que, sendo reduzido a este estado de corrupção, trouxe filhos ao mundo semelhantes a ele em caráter.

Se porventura alguém objetar, dizendo que essa geração se confina aos corpos, e que as almas jamais poderão derivar uns dos outros algo em comum, eu responderia que Adão, quando em sua criação foi dotado com os dons do Espírito, não mantinha um caráter privativo ou isolado, mas que era o representante de toda a humanidade, que pode ser considerado como tendo sido dotado com esses dons em sua pessoa; e deste conceito necessariamente se segue que, quando ele caiu, todos nós, juntamente com ele, perdemos nossa integridade original.

Fonte: [ Josemar Bessa ]
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