Outra doutrina que implica predestinação é a da Soberania de Deus. Já discutimos, no capítulo segundo desta tese, a doutrina da soberania de Deus como um argumento em favor dos decretos do mesmo Deus. Por isso vamos agora ser breve.
A soberania de Deus não é uma doutrina exclusivamente calvinista, mas é mantida por todos os cristãos. Todos admitem que Deus é soberano na Criação e na Providência. Também deve ser soberano na Salvação.
Podemos provar a soberania de Deus na salvação pelas doutrinas da depravação total e do novo nascimento, que já consideramos. Visto como Deus é soberano, Ele tem poder tanto para criar, como para não criar. E uma vez que o homem está morto em delitos e pecados e Deus tem poder para criar ou para não criar, a recriação do homem depende completamente da soberania e da misericórdia divinas. Deus é tão soberano em criar o homem para a nova vida, como foi soberano em sua primeira obra da criação. Se reconhecemos que Deus é soberano para criar ou não criar no mundo físico, para sermos coerentes precisamos reconhecer que Ele é soberano para criar ou não criar no mundo espiritual. E isto é apenas admitir que Deus tem o direito de ser Deus.
Se Deus tivesse de escolher os homens por causa de alguma coisa neles, dependeria de suas criaturas e, assim não seria soberano.
“Que havia nos eleitos que atraísse para eles o coração de Deus? Seriam certas virtudes que eles possuíssem? Seria porque fossem generosos de coração, de bom temperamento, verazes, numa palavra, foi porque fossem “bons” que Deus os escolheu? Não, porque nosso Senhor disse, “Bom só existe um, que é Deus” (Mat.19:17). Seria por causa de alguma boa obra que eles tivessem realizado? Não, porque está escrito, “Não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rom. 3:12). Seria porque eles se mostrassem ansiosos e zelosos por conhecer a Deus? Não, porque outra vez está escrito “Não há quem busque a Deus” (Rom.3:11). Seria porque Deus previu que eles iam crer? Não, porque como podem crer em Cristo os que estão mortos em delitos e pecados? Como podia Deus saber de antemão que alguns creriam, se lhes era impossível crer? A Escritura declara que a fé nos vem “mediante a graça” (At. 18:27). A fé é dom de Deus, e sem esse dom ninguém é capaz de crer. A causa da escolha, portanto, está em Deus mesmo, e não nos objetos de Sua escolha. Ele escolheu aqueles que escolheu, simplesmente porque resolveu escolhê-los”.[1]
Os que são condenados, o são por causa de seus próprios pecados, e Deus, em condená-los, é apenas justo. Os que são salvos, entretanto, o são porque “isto pareceu bem” aos olhos de Deus.
Thomas A. Kempis escreveu no seu célebre livro “Imitação de Cristo”:
“Conheci de antemão meus amados, antes dos séculos. Escolhi-os do mundo; não foram eles que primeiro me escolheram. Chamei-os por graça, atraí-os por misericórdia, guiei-os em segurança através de várias tentações. Cumulei-os de gloriosas consolações. Dei-lhes perseverança, revesti-os de paciência. Considero tanto os primeiros como os últimos; abraço a todos com amor inestimável. Devo ser louvado em todos os meus santos. Devo ser bendito acima de todas as coisas, e honrado em cada um daqueles a quem por essa forma gloriosamente exaltei e predestinei sem quais quer méritos que previamente tivessem”.[2].
Deus tem, naturalmente, boas e perfeitas razões para escolher e salvar aqueles que elegeu. Mas essas razões não estão no homem, e sim somente nEle, em sua vontade e graça soberanas. Como disse Cristo, “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mat.11:25,26). “Não temais, ó pequenino rebanho, porque vosso Pai se agradou em dar-vos o reino” (Luc.12:32). Somente porque agrada a Deus é que nós vamos receber o reino.
Toda vez que em oração pedimos a Deus que converta pecadores, reconhecemos a sua soberania na salvação deles. Se a salvação dependesse da vontade do homem, e não de Deus somente, seria mais próprio orar aos homens para que se salvassem em vez de pedir isso a Deus. Reconhecemos, no entanto que nos cumpre anunciar o Evangelho e apelar aos homens, porque é esse o meio de alcançarmos o fim glorioso que temos em vista, a salvação deles.
Outra doutrina que implica predestinação é a da providência. Já a consideramos no segundo capítulo desta tese, como prova dos decretos de Deus, e o que dissemos lá, com relação aos decretos de Deus em geral, aplica-se à predestinação em particular.
É a providência de Deus que determina todas as circunstâncias e o curso de nossa vida. O que para nós é casual, para Deus não o é. Tantas vezes acontece que um fato pequeníssimo modifica completamente o resto de nossa vida! Como disse o Dr. Egbert W. Smith em seu excelente livrinho The Creed of Presbyterians:
“O controle das coisas maiores deve incluir o controle das menores, não somente porque as coisas grandes são constituídas das pequenas, mas porque a história mostra como coisas triviais se apresentam continuamente como os agentes principais de fatos importantes. A persistência de uma aranha estimulou um homem desanimado a novas diligências que moldaram o futuro de uma nação. O Deus que predestinou o desenrolar da história da Escócia, deve ter planejado e presidido os movimentos do minúsculo inseto, que salvaram de desespero a Robert Bruce. Deus não é uma Divindade ausente, estabelecida fora do universo, somente a olhar os acontecimentos que se erguem como cristas de montes acima da planície comum. Ele está “presente em toda a parte”, “sustentando, dirigindo, dispondo e governando todas as criaturas, todas as ações, e todas as coisas, desde as maiores até as menores”. Os negócios do universo são controlados e dirigidos, como? “Segundo o propósito daquele que faz tudo de acordo com ó conselho de Sua vontade”. Seu propósito ou “decretos”, que abrangem tudo, diz o Catecismo, “Ele os executa nas obras da criação e da providência”. Quer dizer, a Providência é um modo de Deus executar os Seus decretos. Noutras palavras, é simplesmente o cumprimento universal e certo de Seus propósitos predeterminados”.[3].
É a providência de Deus que determina onde, quando e como cada um de nós nasce, vive e morre. É sua providência que decide se um homem há de nascer num país pagão, ou cristão; qual vai ser o seu ambiente e quais as oportunidades de que vai gozar. E também se vai ou não ter oportunidade de ouvir o Evangelho. Estas circunstâncias providenciais, que Deus cria na vida dos homens, decidem do futuro eterno de milhões de membros da raça humana. Se cremos que só há salvação pela fé em Jesus Cristo, e se milhões de pagãos nunca tiveram uma oportunidade de ouvir de Cristo, a única conclusão que podemos tirar do fato é que Deus não escolheu esses pagãos para a salvação; se não fosse assim, a providência de Deus ter-lhes-ia oferecido uma oportunidade de ouvir sua mensagem. Foi exatamente isto o que Cristo disse em referência às cidades de Tiro, Sidom e Sodoma; isto é, “se os milagres” feitos em Corazim e Betsaida, “tivessem sido feitos em Tiro e Sidom, há muito que elas se teriam arrependido em saco e cinza”, e “se os milagres” operados em Cafarnaum, “tivessem sido feitos em Sodoma teria ela permanecido, até ao dia de hoje” (Mat.11:21-23). Por que aquelas cidades pagãs não se arrependeram? Só há uma resposta, a saber, foi porque em sua providência Deus não lhes ofereceu uma oportunidade de ouvir falar de Cristo e presenciar os seus milagres. E por essa forma providencial Ele decidiu o destino delas.
“Os arminianos admitem uma eleição soberana de nações, na sua totalidade para o gozo de privilégios religiosos, ou para a rejeição deles. Mas é indiscutível que, em fixar a condição externa das mesmas, o destino religioso virtualmente é fixado para sempre. Que oportunidade tem, praticamente, de chegar ao céu o homem que Deus fez que nascesse, vivesse e morresse em Taiti no século dezesseis? O lançamento de sua sorte ali não fixou virtualmente seu destino para a eternidade? Em suma, tomando-se em consideração o modo de Deus pensar, a eleição soberana de um conjunto de nações para o gozo de privilégios implica, como de necessidade, a decisão, inteligente e intencional, do destina de indivíduos, praticamente fixado por esse meio. Não é infinita a mente de Deus? Não são perfeitas as suas percepções? Será que ele, tal como um fraco mortal qualquer, “atira à toa num bando de pássaros, sem visar a nenhum deles individualmente”? Quanto às criancinhas, crêem os arminianos que todos aqueles que morrem nessa idade, são remidos. Quando, portanto, a providência de Deus decide que um determinado ser humano morra em criança, fixa infalivelmente sua redenção, e neste caso, pelo menos, tal decisão não pode ter sido orientada pela previsão de fé, arrependimento ou boas obras, porque essa almazinha não tem nada disso, até depois de sua redenção”.[4].
Temos de escolher entre casualidade e providência como explicação dos quinhões diferentes que cabem aos homens neste mundo. Os cristãos não crêem em casualidade, e sim na providência de Deus. Por conseqüência, se em sua providência Deus não oferece a todos os membros da raça humana as mesmas oportunidades de ouvir o Evangelho, claro é que Ele não escolheu todos os homens para a salvação. E não se diga que Deus não providenciou uma oportunidade para eles de ouvir a mensagem porque previu que eles não a aceitariam. De fato, Cristo afirmou exatamente o contrário em referência a Tiro, Sidom e Sodoma, como vimos.
Patenteia-se assim que a doutrina da providência de Deus envolve a da predestinação.
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Fonte: Escolhidos em Cristo – O Que de Fato a Bíblia Ensina Sobre a Predestinação, Samuel Falcão, Ed. Cultura Cristã, 1997, pág. 103-108.
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