A Doutrina da Soberania de Deus

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Por Samuel Falcão

Outra doutrina que implica predestinação é a da Sobera­nia de Deus. Já discutimos, no capítulo segundo desta tese, a doutrina da soberania de Deus como um argumento em favor dos decretos do mesmo Deus. Por isso vamos agora ser breve.

A soberania de Deus não é uma doutrina exclusivamente calvinista, mas é mantida por todos os cristãos. Todos admitem que Deus é soberano na Criação e na Providência. Também deve ser soberano na Salvação.

Podemos provar a soberania de Deus na salvação pelas doutrinas da depravação total e do novo nascimento, que já consideramos. Visto como Deus é soberano, Ele tem poder tanto para criar, como para não criar. E uma vez que o homem está mor­to em delitos e pecados e Deus tem poder para criar ou para não criar, a recriação do homem depende completamente da soberania e da misericórdia divinas. Deus é tão soberano em criar o homem para a nova vida, como foi soberano em sua primeira obra da criação. Se reconhecemos que Deus é soberano para criar ou não criar no mundo físico, para sermos coerentes precisamos reconhecer que Ele é soberano para criar ou não criar no mundo espiritual. E isto é apenas admitir que Deus tem o direito de ser Deus.

Se Deus tivesse de escolher os homens por causa de algu­ma coisa neles, dependeria de suas criaturas e, assim não seria soberano.

“Que havia nos eleitos que atraísse para eles o cora­ção de Deus? Seriam certas virtudes que eles possuís­sem? Seria porque fossem generosos de coração, de bom temperamento, verazes, numa palavra, foi por­que fossem “bons” que Deus os escolheu? Não, por­que nosso Senhor disse, “Bom só existe um, que é Deus” (Mat.19:17). Seria por causa de alguma boa obra que eles tivessem realizado? Não, porque está escrito, “Não há quem faça o bem, não há nem um se­quer” (Rom. 3:12). Seria porque eles se mostrassem ansiosos e zelosos por conhecer a Deus? Não, porque outra vez está escrito “Não há quem busque a Deus” (Rom.3:11). Seria porque Deus previu que eles iam crer? Não, porque como podem crer em Cristo os que estão mortos em delitos e pecados? Como podia Deus saber de antemão que alguns creriam, se lhes era impossível crer? A Escritura declara que a fé nos vem “mediante a graça” (At. 18:27). A fé é dom de Deus, e sem esse dom ninguém é capaz de crer. A causa da escolha, portanto, está em Deus mesmo, e não nos objetos de Sua escolha. Ele escolheu aqueles que escolheu, sim­plesmente porque resolveu escolhê-los”.[1]

Os que são condenados, o são por causa de seus próprios pecados, e Deus, em condená-los, é apenas justo. Os que são salvos, entretanto, o são porque “isto pareceu bem” aos olhos de Deus.

Thomas A. Kempis escreveu no seu célebre livro “Imita­ção de Cristo”:

“Conheci de antemão meus amados, antes dos séculos. Escolhi-os do mundo; não foram eles que primeiro me escolheram. Chamei-os por graça, atraí-os por miseri­córdia, guiei-os em segurança através de várias tentações. Cumulei-os de gloriosas consolações. Dei-lhes perseverança, revesti-os de paciência. Considero tan­to os primeiros como os últimos; abraço a todos com amor inestimável. Devo ser louvado em todos os meus santos. Devo ser bendito acima de todas as coisas, e honrado em cada um daqueles a quem por essa forma gloriosamente exaltei e predestinei sem quais quer méritos que previamente tivessem”.[2].

Deus tem, naturalmente, boas e perfeitas razões para es­colher e salvar aqueles que elegeu. Mas essas razões não estão no homem, e sim somente nEle, em sua vontade e graça soberanas. Como disse Cristo, “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mat.11:25,26). “Não temais, ó pequenino rebanho, porque vosso Pai se agradou em dar-vos o reino” (Luc.12:32). Somente porque agrada a Deus é que nós vamos receber o reino.

Toda vez que em oração pedimos a Deus que converta pecadores, reconhecemos a sua soberania na salvação deles. Se a salvação dependesse da vontade do homem, e não de Deus somente, seria mais próprio orar aos homens para que se salvassem em vez de pedir isso a Deus. Reconhecemos, no entanto que nos cumpre anunciar o Evangelho e apelar aos homens, porque é esse o meio de alcançarmos o fim glorioso que temos em vista, a salvação deles.

Outra doutrina que implica predestinação é a da providência. Já a consideramos no segundo capítulo desta tese, como prova dos decretos de Deus, e o que dissemos lá, com relação aos decretos de Deus em geral, aplica-se à predestinação em particular.

É a providência de Deus que determina todas as circuns­tâncias e o curso de nossa vida. O que para nós é casual, para Deus não o é. Tantas vezes acontece que um fato pequeníssi­mo modifica completamente o resto de nossa vida! Como disse o Dr. Egbert W. Smith em seu excelente livrinho The Creed of Presbyterians:

“O controle das coisas maiores deve incluir o controle das menores, não somente porque as coisas grandes são constituídas das pequenas, mas porque a história mostra como coisas triviais se apresentam continua­mente como os agentes principais de fatos importan­tes. A persistência de uma aranha estimulou um ho­mem desanimado a novas diligências que moldaram o futuro de uma nação. O Deus que predestinou o de­senrolar da história da Escócia, deve ter planejado e presidido os movimentos do minúsculo inseto, que salvaram de desespero a Robert Bruce. Deus não é uma Divindade ausente, estabelecida fora do univer­so, somente a olhar os acontecimentos que se erguem como cristas de montes acima da planície comum. Ele está “presente em toda a parte”, “sustentando, dirigindo, dispondo e governando todas as criaturas, todas as ações, e todas as coisas, desde as maiores até as menores”. Os negócios do universo são controla­dos e dirigidos, como? “Segundo o propósito daquele que faz tudo de acordo com ó conselho de Sua von­tade”. Seu propósito ou “decretos”, que abrangem tudo, diz o Catecismo, “Ele os executa nas obras da criação e da providência”. Quer dizer, a Providência é um modo de Deus executar os Seus decretos. Nou­tras palavras, é simplesmente o cumprimento univer­sal e certo de Seus propósitos predeterminados”.[3].

É a providência de Deus que determina onde, quando e como cada um de nós nasce, vive e morre. É sua providência que decide se um homem há de nascer num país pagão, ou cristão; qual vai ser o seu ambiente e quais as oportunidades de que vai gozar. E também se vai ou não ter oportunidade de ouvir o Evangelho. Estas circunstâncias providenciais, que Deus cria na vida dos homens, decidem do futuro eterno de milhões de membros da raça humana. Se cremos que só há sal­vação pela fé em Jesus Cristo, e se milhões de pagãos nunca tiveram uma oportunidade de ouvir de Cristo, a única conclusão que podemos tirar do fato é que Deus não escolheu esses pagãos para a salvação; se não fosse assim, a providência de Deus ter-lhes-ia oferecido uma oportunidade de ouvir sua mensagem. Foi exatamente isto o que Cristo disse em referência às cidades de Tiro, Sidom e Sodoma; isto é, “se os milagres” feitos em Corazim e Betsaida, “tivessem sido feitos em Tiro e Sidom, há muito que elas se teriam arrependido em saco e cinza”, e “se os milagres” operados em Cafarnaum, “tivessem sido feitos em Sodoma teria ela permanecido, até ao dia de hoje” (Mat.11:21-23). Por que aquelas cidades pagãs não se arrependeram? Só há uma resposta, a saber, foi porque em sua providência Deus não lhes ofereceu uma oportunidade de ouvir falar de Cristo e presenciar os seus milagres. E por essa forma provi­dencial Ele decidiu o destino delas.

“Os arminianos admitem uma eleição soberana de nações, na sua totalidade para o gozo de privilé­gios religiosos, ou para a rejeição deles. Mas é in­discutível que, em fixar a condição externa das mes­mas, o destino religioso virtualmente é fixado para sempre. Que oportunidade tem, praticamente, de che­gar ao céu o homem que Deus fez que nascesse, vi­vesse e morresse em Taiti no século dezesseis? O lançamento de sua sorte ali não fixou virtualmente seu destino para a eternidade? Em suma, tomando-se em consideração o modo de Deus pensar, a eleição soberana de um conjunto de nações para o gozo de privilégios implica, como de necessidade, a decisão, inteligente e intencional, do destina de indivíduos, praticamente fixado por esse meio. Não é infinita a mente de Deus? Não são perfeitas as suas percepções? Será que ele, tal como um fraco mortal qualquer, “atira à toa num bando de pássaros, sem visar a ne­nhum deles individualmente”? Quanto às criancinhas, crêem os arminianos que todos aqueles que morrem nessa idade, são remidos. Quando, portanto, a providência de Deus decide que um determinado ser hu­mano morra em criança, fixa infalivelmente sua re­denção, e neste caso, pelo menos, tal decisão não pode ter sido orientada pela previsão de fé, arrepen­dimento ou boas obras, porque essa almazinha não tem nada disso, até depois de sua redenção”.[4].

Temos de escolher entre casualidade e providência como explicação dos quinhões diferentes que cabem aos homens neste mundo. Os cristãos não crêem em casualidade, e sim na providência de Deus. Por conseqüência, se em sua providência Deus não oferece a todos os membros da raça humana as mes­mas oportunidades de ouvir o Evangelho, claro é que Ele não escolheu todos os homens para a salvação. E não se diga que Deus não providenciou uma oportunidade para eles de ouvir a mensagem porque previu que eles não a aceitariam. De fato, Cristo afirmou exatamente o contrário em referência a Tiro, Sidom e Sodoma, como vimos.

Patenteia-se assim que a doutrina da providência de Deus envolve a da predestinação.

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Fonte:
Escolhidos em Cristo – O Que de Fato a Bíblia Ensina Sobre a Predestinação, Samuel Falcão, Ed. Cultura Cristã, 1997, pág. 103-108.

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Notas:
[1] Arthur Pink, op. cit., p. 71
[2] Thomas A. Kempis, Imitação de Cristo, p. 259.

[3] Egbert Watson Smith, The Creed of Presbyterians, pp. 160, 161.

[4]R. L. Dabney, op. cit., p. 226.

Extraído do site: [ Eleitos de Deus ]
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