Sinais de Igrejas que se desviam

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Por Joel R. Beeke

A igreja contemporânea está seguindo a Palavra e os caminhos do Senhor, detestando todos os outros caminhos? O temor do Senhor, o amor à verdade e à glória de Deus e o desejo de andar de acordo com todos os mandamentos do Senhor prosperam na igreja de Deus? Diante de Deus e dos homens, temos de confessar, honestamente, que a resposta é não. Sim, ainda existe uma verdade exterior, um crescimento visível e privilégios espirituais públicos em um nível que a igreja das eras passadas dificilmente possuía. Israel podia reivindicar possuir estas coisas — verdade exterior, crescimento visível e privilégios espirituais públicos — enquanto, ao mesmo tempo, se desviava do Senhor...

Uma igreja tende a desviar-se de um fundamento seguro. Por isso, Deus convoca a sua igreja a conscientizar-se de como se inicia, floresce e termina o desvio. Temos de conhecer bem os ardis e os planos metódicos de Satanás que procuram levar a igreja a uma abominável condição de desvio. À luz da revelação do Espírito Santo, a história de Israel e da igreja mostram um padrão claro de desvio gradual, um padrão que consideraremos em detalhes.

1. Quando a igreja começa a desviar-se, o primeiro sinal visível é, comumente, um aumento do mundanismo. Na vida diária, na conversa e, inclusive, no vestir e na moda, o espírito do mundo começa a infestar a igreja. Aquilo que se introduziu com vergonha na igreja começa a andar com liberdade, sendo freqüentemente encoberto ou ignorado, em vez de exposto e admoestado. A linha nítida de separação entre a piedade e o mundanismo começa a se tornar obscura.

Em vez de andarem em direções diferentes, o mundo e a igreja começam a ter mais coisas em comum, trazendo maior detrimento para a igreja. Alguns dos membros da igreja começam a ir a lugares mundanos, tomar parte nos entretenimentos do mundo e fazer amigos das pessoas do mundo. Alguns crentes introduzem em seu lar todos os tipos de meios de comunicação sem avaliar que controle exercerão. Por conseqüência, logo se tornam habituados à mentalidade contemporânea do mundo.

Pessoas mundanas, entretenimentos mundanos, costumes mundanos, lugares mundanos — não foi sobre essas coisas que Oséias advertiu, quando o Espírito Santo o guiou a escrever: “Efraim se mistura com os povos” (Os 7.8). O pecado de mundanismo crescente é o primeiro passo da igreja em direção ao declínio e um passo trágico espiral do desvio.

2. O mundanismo inclina a igreja a desviar-se cada vez mais e a uma condição insensível de incredulidade. O próprio Senhor Jesus lamentou a respeito de sua geração: “Mas a quem hei de comparar esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes” (Mt 11.16-17).

Isso não é um retrato da igreja de nossos dias? Se o tom fúnebre da lei é pregado, quantos pecadores choram? Se o tom nupcial do evangelho é proclamado, quantos pecadores infelizes são trazidos ao regozijo? Em geral, podemos dizer que a lei parece não causar tremor, e o evangelho parece não despertar anelo... Cada um de nós poderia confessar: “Tornei-me insensível à lei e ao evangelho — temo o próprio inferno”?

Até a pregação sobre a condenação do inferno está causando menos e menos impressão. E a pregação sobre o céu? Por natureza, não queremos nem uma, nem outra. Um ateísta disse certa vez: “Pode ficar com o seu céu e o seu inferno; dê-me apenas esta terra”. Não ousamos dizer tal coisa, mas será que vivemos com isso em nosso intimo? A incredulidade nos torna ateístas. O inferno não é mais inferno, o céu não é mais céu, a graça não é mais graça, Cristo não é mais Cristo, Deus não e mais Deus, e a Bíblia não é mais a eterna Palavra de Deus.

A incredulidade também nos torna insensíveis à verdade. Podemos saber a verdade em nosso intelecto, mas ela não nos mudará eternamente, se não for enxertada em nosso coração.

3. A incredulidade leva a igreja a desviar-se rumo a uma condição insensível de indiferença. A incredulidade nos leva a perder todo o interesse pela verdade. Quantas pessoas estão realmente interessadas em ouvir a verdadeira doutrina sendo proclamada do púlpito, a fim de aprenderem sobre a morte em Adão e a vida em Cristo? Estamos interessados em guardar as doutrinas fundamentais da soberania de Deus e da responsabilidade do homem? Sentimos deleite em ouvir ambas sendo pregadas por completo, à medida que fluem do texto bíblico que está sendo exposto?

Devemos ter desejo de ouvir todas as ricas doutrinas das Escrituras sendo pregadas em sua plenitude, todas elas fundamentadas no âmago do evangelho — Jesus Cristo, e este crucificado —, assim como os raios estão firmados no cubo de uma roda. Estamos interessados nas doutrinas do amor infinito de Deus e da redenção completa por meio do sangue de Cristo? Cuidamos em entender a necessidade do Espírito Santo, da justificação, da santificação, da perseverança?

Precisamos estimar a doutrina experimental, em vez de nos tornarmos indiferentes para com ela. Temos interesse em ouvir sobre a necessidade da graça salvadora, a plenitude dessa graça e os seus frutos?

Finalmente, não podemos ser indiferentes em relação a ouvir sobre as marcas da graça — marcas que fazem distinção entre a obra de Deus e a obra do homem, a fé salvadora e a fé temporária, o verdadeiro tremor (Fp 2.12) e o tremor demoníaco (Tg 2.19), as convicções inalteráveis e as convicções comuns.

Vivemos em uma época terrivelmente descuidada e indiferente. O interesse pela verdade está desaparecendo, e muitas das distinções que acabamos de mencionar estão se tornando desconhecidas, cada vez mais, até mesmo para os membros de igrejas... Alguns não podem mais ver a diferença entre as marcas bíblicas da graça manifestadas na experiência diária e as marcas da graça demonstradas na história. Não tomam tempo para ler as obras de nossos antepassados e estudar as diferenças; não ouvem sobre as distinções e se tornam apáticos.

Por natureza, não nos preocupamos com nenhuma dessas coisas. Vivemos no mesmo nível das bestas. Nossa vida parece não ser mais do que trabalhar, comer e morrer. Somos inclinados a desviar-nos, por amor à nossa reputação e à nossa vida. Colocamos o “eu” acima da doutrina, e essa é a razão por que podemos continuar vivendo sem nos convertermos.

Os filhos de Deus amam a pregação perscrutadora, experimental e discriminatória, não importando quão difícil ou estressante ela seja. Por natureza, preferimos uma falsa segurança ou uma reivindicação presunçosa, mas os filhos de Deus preferem ser mortos a serem enganados. Por experiência, eles sabem que “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” (Jr 17.9). Sabem que é muito mais fácil alguém ser enganado do que conhecer a verdade. Portanto, nem choro intenso, nem noites de oração a sós com Deus, nem mensagem falsificada (embora pareça-se muito com a mensagem genuína), nada disso os satisfará. Eles precisam de mais do que lágrimas, orações, arrependimento, indignidade e humildade. Precisam de algo e alguém de fora deles mesmos. Precisam de Cristo. Necessitam de Cristo e da verdadeira doutrina ardendo em sua alma por meio do Espírito Santo. E nunca experimentarão isso de modo suficiente. Eles clamarão: “Senhor, confirma essa mensagem com o Teu selo divino de aprovação, para que eu saiba que é a Tua doutrina inscrita nos recessos de minha alma, e não a minha própria doutrina —a minha própria inscrição, lágrimas e obras”.

A vida dos filhos de Deus é caracterizada por buscarem, cada vez mais, a doutrina produzida pelo Espírito Santo, experimentada na alma e abençoada pelo céu. Eles anelam pela verdade que os libertará e banirá toda dúvida com seu poder dominador — a verdade que lhes enternecerá e abençoará a alma. Esse é também o seu desejo? Ou a sua religião não passa de tradição misturada com convicções comuns e ocasionais? Um cristianismo trivial e um conhecimento diminuto satisfazem a sua consciência? E, por isso, você coloca a sua alma em segundo plano? Você está contente com a estrutura da religião, sem o conhecimento no coração?

Se você pode sinceramente responder “sim”, então está se desviando a cada dia, a cada sermão, a cada domingo. É uma verdade severa, mas autêntica: por natureza, estamos pedindo ao Senhor o caminho mais curto para a condenação. Somos inclinados a nos desviar, rumando diretamente ao inferno. Que o Senhor abra os nossos olhos, antes que seja tarde demais!

4. A indiferença produz seu companheiro mais próximo no percurso do desvio: a ignorância. Quando olhamos para trás, pensamos em Edwards, Whitefield, Owen, Bunyan e outros de nossos antepassados e consideramos que os sermões deles eram entendidos pelas pessoas comuns, precisamos temer que as palavras do Senhor ditas a Israel também são verdadeiras quanto à igreja de hoje: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento” (Os 4.6).

5. A ignorância intelectual e espiritual da verdade leva à praga da morte espiritual na igreja. O povo de Deus tem de começar consigo mesmo. O que aconteceu com aquelas épocas em que as pessoas eram comovidas, abaladas e convencidas pelo Senhor semanalmente? Os filhos de Deus deveriam confessar hoje: “Oh! que isso acontecesse uma vez por mês ou uma vez por ano!” Onde estão os fervorosos exercícios da vida espiritual? “Oh!”, eles confessam, “estão mortos! E o que sobra é maná deteriorado!”

6. A morte espiritual tende a desviar-se para a centralidade no homem. Se o homem é o centro da igreja, ele se torna o objeto de toda conversa, quer seja idolatrado, quer seja criticado; e Deus e sua Palavra são colocados de lado. Multiplica-se a conversa centralizada nos oficiais e ministros da igreja, e julgamos uns aos outros. Um pastor é bom; o outro, razoável; e um terceiro, não é bom de maneira alguma. Vivemos em dias em que os pastores são avaliados de acordo com escalas criadas pelo homem, e não pela escala divina da Palavra e do testemunho de Deus... A centralidade no homem é uma maldição na igreja, uma blasfêmia contra o nome de Deus, o fruto de morte espiritual e a garantia de nenhuma bênção pessoal, a menos que o Senhor a destrua! Isso é ilustrado claramente pela história de uma mulher que recebeu uma bênção no primeiro sermão que ouviu de Ebenezer Erskine... ela viajou muitos quilômetros para ouvi-lo novamente, mas não recebeu nenhuma bênção. Erskine teve graça e sabedoria para responder: “Senhora, isso é fácil de explicar. Ontem, a senhora ouviu a Palavra de Jesus Cristo; hoje, a senhora veio para ouvir as palavras de Ebenezer Erskine”.

7. Isso nos leva ao último passo de uma igreja que se desvia da verdade: a centralidade no homem produz o fruto de uma expectativa secular em relação a Deus. A expectativa secular se baseia nas atividades de homens, criadas por se vincular a elas o nome e a bênção de Deus. Nisso, não compreendemos que temos falsificado toda a expectativa de nossa parte. Nenhuma expectativa santa é fruto de uma indignidade piedosa centralizada no homem, que rebaixa a Deus ao nível do homem.

Oh! que as igrejas transbordem de pessoas que estão cheias de expectativa santa em Deus e de uma compreensão adequada de sua própria indignidade! Somente o Espírito Santo opera essa expectativa, cujo olhar se fixa muito além do “eu” e do homem. Embora nossos pecados se acumulem até aos céus, essa expectativa santa percebe que a justiça vicária e satisfatória de Cristo ascende até ao trono de Deus e recebe o selo de sua aprovação. Com base nisso, a expectativa santa recorre ao trono da graça e ali intercede — não diante de um deus insignificante, e sim diante do grande Deus trino, do céu e da terra! A expectativa santa não pode se contentar com mundanismo, incredulidade, indiferença e ignorância. Ela abomina a apostasia e busca a honra de Deus, a conversão dos pecadores e o bem-estar da igreja!

A única esperança da igreja é Deus, pois somente Ele pode reavivar sua igreja desviada. Peça-Lhe que se lembre de nós em Cristo Jesus, o único fundamento de apelo e expectativa! Que Ele envie seu Espírito e receba tanto a sua igreja como a nós mesmos... que o homem seja crucificado, Satanás, envergonhado, e multiplicados os intercessores perante o trono da graça. Que Deus receba o seu lugar legítimo entre nós, por conquista divina. “Ele, tudo em todos; nós, nada em nada”.

Extraído do livro Backsliding: Its Disease and Cure (Desviar-se: Sua Condição e Cura), publicado por Reformation Heritage Books.

Sobre o autor: Joel Beeke é pastor da igreja Heritage Reformed Congregation, em Grand Rapids, MI, EUA. É presidente, Deão acadêmico e catedrático de Teologia Sistemática e Homilética do Seminário Reformado Puritano. Possui Ph.D pelo seminário Westminster em Teologia Reformada e Pós-reforma. Pr. Beeke atua como preletor em diversas conferências em várias partes do mundo, inclusive o Brasil; é autor e co-autor de mais de 50 livros, alguns já em português, como o livro “Vencendo o Mundo” (Editora Fiel) e outros em processo de tradução. É casado com Mary Beeke com quem tem 3 filhos.

Fonte: [ Editora Fiel ]
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