A Perniciosa Doutrina da Honra Humana

Autor: Felipe Sabino de Araújo Neto[1]


“Para que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou”. (João 5:23)

Logo no início do Catecismo Maior de Westminster, preparado por alguns dos grandes teólogos[2] da Igreja Cristã, lemos o seguinte: “O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.

Quão diferente é a teologia dos nossos dias! Hoje, o foco dos livros e pregações[3] (se é que podem ser assim chamadas) é a importância do homem, e a necessidade premente deste ter os seus desejos satisfeitos. Não, infelizmente não estou falando do que é ensinado em faculdades e escolas anticristãs, mas sim daquilo que é apresentado em inúmeras igrejas ditas cristãs.

Em João capítulo 5, de onde retiramos o versículo citado no início, lemos, entre outras coisas, sobre o acréscimo da fúria dos judeus contra Jesus, por este reivindicar ser Deus. Não obstante isso, Cristo continua afirmando tal fato, tanto explícita como implicitamente. No v. 23, ao dizer que todos os homens devem honrar ao Filho, podemos perceber o seguinte argumento:

1. O Filho deve ser honrado assim como o Pai é honrado.

2. O Pai é honrado como Deus.

3. Logo, o Filho deve ser honrado como Deus.

Adorar qualquer criatura é idolatria. Sendo assim, Cristo não é uma criatura, mas sim o Criador (cf. Jo. 1:3). Não bastasse a inferência que poderíamos extrair daqui, ou seja, que não devemos adorar e honrar ninguém além de Deus, por toda a Escritura constatamos esse tema apresentado sem ambigüidade: “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás” (Mt. 4:10).

Contrariamente à teologia de Westminster e de Cristo, hoje se prega a adoração de homens, e não do Criador. Líderes de comunidades são tidos como intocáveis, inerrantes e infalíveis. A doutrina da infalibilidade papal tem as suas versões no meio evangélico, o qual, a despeito do nome, não possui nada de Evangelho. Pessoas que não conhecem nem mesmo as doutrinas básicas do Cristianismo de forma correta, recebem obediência irrestrita e imediata por partes de milhares de fiéis cegos.

O culto da maioria das igrejas, hoje, é totalmente antropocêntrico, voltado inteira e exclusivamente para o homem: sua importância, necessidades, gostos, caprichos, etc. Não bastasse isso, os miseráveis propagadores dessa heresia colocam até mesmo Deus na fileira dos ludibriados. A platéia[4] é instada a crer na seguinte blasfêmia: “Deus vai te honrar”, “Deus vai honrar o teu nome”, “Deus vai honrar a tua fé”, e coisas semelhantes. Ora, mesmo uma leitura superficial da Bíblia demonstrará a irracionalidade de tais afirmações.

Antes de continuarmos, é bom lembrar que a Bíblia de fato diz que Deus honra ao homem,[5] mas não no sentido pretendido por pentecostais e neo-pentecostais. Devemos considerar o contexto das declarações bem como o propósito das mesmas, pois ler que Deus fez de Saulo de Tarso um apóstolo, não significa que Deus fará o mesmo com todo cristão.[6] Além disso, em muitos casos a promessa de honra cumprir-se-á apenas no futuro, significando a nossa recompensa (imerecida e unicamente por causa dos méritos de Cristo) na vida porvir.

Como exemplo dos erros de interpretação, vou citar algo que ouvi recentemente: que Deus honra o nome daqueles que o honram, supostamente com base em 1 Samuel 2:30.


O versículo diz o seguinte:

“Portanto, diz o SENHOR Deus de Israel: Na verdade tinha falado eu que a tua casa e a casa de teu pai andariam diante de mim perpetuamente; porém agora diz o SENHOR: Longe de mim tal coisa, porque aos que me honram honrarei, porém os que me desprezam serão desprezados.”

A estultícia daqueles que tentam usar o texto acima como base para as suas divagações é manifesta pelo seguinte:

1) O motivo da queixa por parte do Senhor, contra Eli: No versículo anterior (v. 29) lemos: “Por que… honras a teus filhos mais do que a mim…”. O motivo da queixa é justamente o deslocamento do alvo devido da honra prestada por nós, ou seja, desde o começo o texto milita exatamente contra o que alguns querem defender.

2) A honra prometida e privada: Deus “tinha falado… que a…casa [de Eli] e a casa…[do] pai [dele]… andariam diante de mim [Deus] perpetuamente”. Mas Deus diz em seguida que não faria mais isso. Por quê? Pois Deus honra somente aqueles que o honram! Ora, está mais do que claro que a honra prometida é andar diante de Deus, na sua presença. E considerando que a salvação é obra exclusiva de Deus, e que somos totalmente incapazes de agradá-lo à parte da mediação de Cristo, podemos com certeza dizer que Deus nos dá a honra de sermos chamados filhos de Deus, e partícipes da sua grande salvação. Resumindo, honra aqui é simplesmente um sinônimo para salvação e as bênçãos que seguem a mesma, e não fama, notoriedade, riqueza, reconhecimento diante dos homens ou qualquer outra aspiração carnal.

Mas a afirmação mencionada outrora não é refutada apenas mediante uma análise do texto bíblico citado como suposto fundamento, mas também quando analisamos as vidas dos homens de Deus registradas na Bíblia, inclusive a do próprio Cristo. Vejamos a “honra” que alguns receberam:


… experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões. Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos ao fio da espada; andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados… errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da terra.
(Hebreus 11:36-38)

E que diremos de Cristo? Ele foi desprezado, rejeitado pelos homens, foi oprimido e afligido (Isaías 53), não tinha onde reclinar a cabeça (Lucas 9:58), padeceu de muitas coisas, foi rejeitado pelos líderes religiosos (Lc. 9:22) e entregue nas mãos de homens perversos (Lucas 24:7). Que honra Cristo, que nunca pecou, que era o próprio Filho de Deus, experimentou durante a sua vida terrena? Nenhuma! É muita petulância dizer que Deus concede a miseráveis pecadores aquilo que ele negou ao seu amado Filho, em quem ele se compraz (Mt. 3:17, 12:18, 17:5).

E por falar em honra, Deus tem uma advertência para aqueles que ensinam e acreditam em heresias, inclusive as mencionadas neste artigo:


Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim; em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens. (Marcos 7:6, 7)

Se Cristo disse que os judeus da sua época o honravam em vão, visto que ensinavam mandamentos (preceitos, como diz Mt. 15:9) de homens, que não eram essencialmente malignos,[7] o que diremos daqueles que deturpam e distorcem o que a Bíblia diz? Deixemos que outros respondam:


Pedro diz que eles trazem sobre si mesmos repentina destruição (2Pe. 2:1);

Judas diz que o juízo lhes aguarda (Jd. 1:4);

e

Paulo diz que eles não herdarão o reino de Deus (Gl. 5:20).

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Notas:
1 - 27 de abril de 2008.
2 - Poderíamos citar: Samuel Rutherford, John Lightfoot, Thomas Goodwin e Jeremy Burroughes.
3 - Outro veículo de propagação dessa idéia, talvez o mais popular, são os “hinos”. Embora tenha me restringido às letras, para quem não poupa o seu ouvido, ouça: Deus vai te honrar, de Elias e Eliseu; Dupla honra, Léa Mendonça, entre outros.
4 - Termo apropriado, pois a primeira acepção do mesmo no Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa é a seguinte: “parte do pavimento de um teatro…” (ênfase adicionada).
5 - Salmo 15:4, Pv. 3:35, Pv. 21:21.
6 - Infelizmente, esse tipo de pensamento está impregnado (mesmo que inconscientemente, às vezes) na interpretação de muitos. Durante o tempo em que freqüentei uma igreja pentecostal, tive o desprazer de ouvir inúmeras vezes alguém ler a passagem de Lucas 9:1, onde está relatado o comissionamento dos doze apóstolos (com a promessa dos dons), como uma promessa para todos nós. Santa exegese!
7 - Cristo está se referindo às tradições, como podemos constatar lendo o capítulo 7 de Marcos: lavar os copos, os jarros, os vasos de metal, as camas, etc. Como John Gill observa, o problema dos judeus era que, ao invés de instruir as pessoas nas doutrinas da Bíblia, com respeito ao Messias, e a salvação encontrada nele, eles se apegavam a essas tradições. Assim, o problema não eram as tradições em si (embora grande parte delas fossem inúteis, principalmente por causa da conotação espiritual atribuída a elas pelos judeus), mas sim o que elas estavam substituindo, a saber, os mandamentos de Deus.



Fonte: [
www.monergismo.com
]
.
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1 comentários:

Ruy meu querido irmão bela postagem. Vivemos hohe valores completamente distorcidos. Falamos que amamos a Deus, porém muitos de nós tem uma concepção errônea acerca de Deus. Fantasiam Deus como um grande emprendedor, um grande empresário, um Deus que tem por obrigação solucionar todas as causas. E buscam esse Deus! Um Deus completamente distorcido de sua Palavra. Uma utopia de Deus.
O homem está mais interessado em ter sua satisfação pessoal do que sua satisfação espiritual.
Salomão disse que a vida debaixo do sol é pura vaidade, ou seja, se esperarmos em Deus somente nesta vida somos infelizes. (Apóstolo Paulo)
Abraços
Pr Elder
http://eldersacalcunha.blogspot.com

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