O Que Podemos Aprender com a Teologia da Aliança?

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Ao estudar as alianças bíblicas podemos nos enveredar pelos caminhos da história de Israel ou dos elementos escatológicos por trás das profecias. Esses dois pontos explicam o contexto das alianças e sua finalidade, mas não esgotam o tema. Estudar a teologia da aliança é estudar o relacionamento de Deus com seu povo; como o soberano Criador se comunica e quais são os seus planos para os seus filhos. A doutrina do pacto é um dos tesouros da teologia reformada, por isso vou tratar daquilo que podemos aprender com a teologia da aliança. Este será o primeiro passo de nossos estudos.

Aprendemos o que é de fato uma aliança

A grande narrativa bíblica nos diz sobre como Deus criou um povo para si, o redimiu da morte e estabeleceu um reino para que pudesse habitar no meio desse povo. Como podemos ter clareza disso ao ler a Bíblia? A teologia da aliança é a resposta. Deus fez uma aliança, um pacto, com aqueles que elegeu para si. Esse tratado permeia todo o cânon e nos faz refletir sobre a natureza do Senhor e a maneira como ele se revela.

Quando afirmamos que o meio pelo qual Deus se relaciona com seu povo é uma aliança estamos nos referindo a palavra “berit” usada no Antigo Testamento e traduzida por aliança ou pacto. Um significado próximo para “berit” é um “laço inviolável,” ou seja, o estabelecimento de compromisso entre dois ou mais indivíduos, como uma espécie de juramento. Davi louva ao Senhor usando aliança e juramento de maneira equivalente: “Lembra-se perpetuamente da sua aliança, da palavra que empenhou para mil gerações; da aliança que fez com Abraão e do juramento que fez com Isaque.” (Sl 105.8-10). Neste caso não há aliança sem juramento. Isso porque pela sua palavra Deus decreta a sua vontade e estabelece as suas promessas. Palavra esta que não pode ser frustrada.

Uma aliança não se limita a um juramento, mas ela também possui aspecto prático muito importante para a dinâmica de sua execução e cumprimento, o de responsabilidade mútua entre as partes. Estes são os termos do pacto. Um relacionamento de natureza pactual traz em sua própria essência o que chamamos de economia pactual. O papel, as ações e as responsabilidades de cada parte dentro da aliança são claramente definidos para garantir a harmonia entre as partes e manutenção da aliança.

Aprendemos como Deus se relaciona consigo mesmo

Sabendo o que é uma aliança, podemos agora avançar um pouco no entendimento da natureza de Deus. A Bíblia nos ensina que há um só Deus, mas também nos diz que Existe o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Como harmonizar essas informações? Não podemos incorrer no erro de dizer que as três pessoas são manifestações do mesmo Deus; se assim fosse poderíamos diagnosticar insanidade quando Jesus Fala ao Pai (Jo 17). Muito menos que se trata de três deuses, afinal somos monoteístas e não triteístas.

Em sua magnífica afirmação sobre a adoção, Paulo apresenta as três pessoas da trindade em equivalência e harmonia de ação ao dizer: “O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados.” (Romanos 8.16s). Não tom de hierarquia em Paulo, muito menos em qualquer outra parte da Bíblia. Longe de resolver a milenar tensão trinitariana, podemos simplesmente afirmar que Deus é único em essência e distinto em pessoa cada uma com a sua função e ação pactual.

O que torna isso plausível? A relação pactual entre as pessoas da trindade. O Pai não é superior ao Filho e, muito menos, o Espírito inferior ao Filho. A submissão de Cristo faz parte de seu papel dentro da economia pactual. Cada pessoa da trindade exerce sua própria função de maneira que o único Deus seja exaltado e sua vontade seja feita. Quando vemos Cristo afirmar que a sua vontade é fazer a vontade do Pai de maneira alguma isto prova a subserviência do Filho, porém comprova que ambas as vontades, a do Pai e do Filho, são a mesma em essência.

Dito isso, quais são essas funções pactuais entre as pessoas da trindade? O Pai elege um povo para o Filho (Jo 6.39); O Filho se dispõe a redimir esse povo para o cumprimento da vontade mútua (Fp 2.5-8) e o Espírito se doa como garantia que o sacrifício do Filho não seja em vão (1 Co 1.21-22), ao convencer os eleitos de seu pecado e os sustentar na fé (Rm 8.16). O apóstolo resume bem a economia da trindade ao falar aos efésios: “nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo; em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória.” (Ef 1.11-14)

Aprendemos como Deus se relaciona conosco

Quando entendemos como Deus se relaciona consigo mesmo somos capazes de entender nosso papel nesse mundo e o que podemos esperar do relacionamento de Deus conosco. Como o teólogo, Geerhardus Vos, afirma: “Assim como a benção de Deus existe na relação livre das três Pessoas do Ser Adorável, do mesmo modo, o homem encontrará benção no relacionamento pactual com Deus”.

Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus com um propósito: nos relacionarmos como ele como ele se relaciona conosco. Somos seres naturalmente sociáveis e isso não é fruto do instinto primitivo de sobrevivência, ou herança genética de antepassados mais adaptados. Esse sentimento de coletivo foi intrinsicamente posto em nós quando Deus comunicou parte de sua natureza ao no fazer imagem sua.

Apesar disso, na liberdade de nosso representante, Adão, esse relacionamento foi rompido e aquilo que era natural para o homem, buscar a Deus, passou a ser impossível. A partir de então, é impossível para o ser humano conhecer a Deus sem que Deus o queira e se revele ao homem. No melhor dos casos, e mesmo assim impulsionados pelo Espírito Santo podemos confessar como Agostinho: “Ó Deus, faz que eu te conheça, meu conhecedor, que eu te conheça como de ti sou conhecido. ”

Esse é o único caminho para restauração para o homem. A revelação é a maneira pela qual Deus comunica a sua redenção aos eleitos. A aliança é então revelada a nós para que tenhamos acesso e salvação em Cristo Jesus através da fé. Todos os que confiam suas vidas a Cristo, mediante a fé, reestabelecem o pacto com Deus, confiantes que receberão a vida eterna. Por isso é tão importante antes de nos aprofundarmos da teologia da aliança propriamente dita, vermos como o pacto nos é revelado pela Escritura.

Podemos avaliar a natureza da revelação em quatro aspectos. Primeiro, a revelação é um processo progressivo na história. Ela não foi concluída num único ato exaustivo de Deus, mas se desdobrou ao longo de uma série de atos sucessivos. Aquilo que foi revelado à serpente após a queda (Gn 3.15), não é diferente do que foi prometido a Abraão (Gn 12.3), nem reafirmado a Davi (2 Sm 23.5) e muito menos cumprido em Cristo (Lc 2.29-32). A grande e bela história da redenção se desenrola de maneira perfeita ao longo dos séculos reafirmando a soberania de Deus em cada ato desse drama.

Segundo, a revelação é incorporada na história. Aquilo que temos registrado como Palavra de Deus, a Bíblia, hoje nos é suficiente como revelação, mas quando a lemos sequencialmente vemos Deus se relacionando com pessoas, reinos e nações de maneiras diferentes. Isso em nada implica que o plano de Deus foi se adequando ao curso da história como a massa se adequa a um molde antes de ir ao forno, pelo contrário, Deus se valeu da história e da cultura humana para que em cada momento revelasse o seu soberano propósito, o estabelecimento do reino de Cristo com a salvação dos eleitos e o juízo sobre seus inimigos.

Terceiro, a revelação é um processo orgânico, não há ruptura entre suas fases. Mesmo quando olhamos para o Antigo e o Novo Testamento, não podemos fazer distinção quanto a natureza e essência da revelação. A revelação da aliança de Deus é perfeita como o crescimento de uma árvore. A semente não é menos perfeita que o broto, a muda ou até mesmo a árvore frondosa, porém a perfeição está na totalidade do crescimento. Da mesma forma não podemos distinguir as alianças bíblicas como ciclos recomeçados após o anterior; não há desarmonia ou descontinuidade naquilo Deus estabeleceu. A Palavra redentiva de Deus é como uma melodia tocada em legato ao piano, não há nenhum silêncio entre as notas, e ainda assim sua Verdade reverbera através do tempo e do espaço sem interrupções até a consumação dos tempos.

Por fim, mas não menos importante, a revelação é adaptável ao longo da história. Porque Deus deseja ser conhecido pelo seu povo de uma forma específica, ele fez com que sua revelação acontecesse a partir do contexto histórico de um povo terreno. Tudo o que Deus revelou de si mesmo veio em resposta às necessidades práticas do ser humano à medida que essas emergiam no curso da história. Deus não se limita a história ou cultura de um povo em seu plano redentivo, muito menos o difere em cada era. A adaptabilidade da revelação nos mostra que Deus se comunica pelos símbolos culturais que somos capazes de entender, porém, ainda assim se não houver ação e iluminação do Espírito Santo o homem permanece cego em seu próprio pecado.

O início da jornada

Assim começamos nossa jornada na teologia da aliança. Nosso Deus entrou na história e nos revelou que há esperança para aqueles que entram em aliança com ele. Somos seus filhos e confiamos em suas promessas, em sua Palavra e no seu amor. Essa confiança reside, principalmente, no fato de que sua vontade não é volúvel e frágil como a nossa. Por esse mesmo motivo podemos e devemos nos esforçar em compreender a unidade da sua revelação, o que nos traz unidade com Deus e unidade como Corpo de Cristo. A igreja faz parte das promessas da aliança e a nossa esperança na vida eterna em Cristo é sua consequência.

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Sobre o autor: Vittor Rocha é casado, bacharel em engenharia química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e estudante de teologia no Seminário Teológico Presbiteriano JMC. Vittor serve, desde 2018, como seminarista na Igreja Presbiteriana da Barra Funda. Participou da tradução do Comentário Bíblico John MacArthur (Thomas Nelson, 2019) e atua como tradutor da Coalizão pelo Evangelho desde 2017.
Divulgação: Bereianos 
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