Como o cristão (não) deve lidar com o estudo teológico

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A teologia é sem dúvida uma bênção do Senhor na vida do crente. É através do labor teológico que nós podemos conhecer melhor o Deus a quem servimos e adoramos. É por isso que soa muito estranho quando alguém afirma: “eu só quero Jesus, não doutrina.” Mas não é esse o ponto que pretendo tratar aqui. Que há cristãos que negligenciam o estudo teológico é fato, mas há também aqueles que gostam de teologia, porém não a fazem da maneira correta e pelos motivos corretos. É sobre estes que eu quero falar.

Se por um lado a igreja do Senhor sofre porque há muitos que deixam de lado o estudo doutrinário, há também, cada vez mais, cristãos que, apesar de se dedicarem a teologia, agem de uma maneira inadequada a respeito. Gostaria de citar alguns dos problemas a respeito destes últimos.

O primeiro problema é sobre aqueles que ao começarem a estudar um pouco de teologia, acham que podem opinar sobre todos os assuntos com propriedade. Eu vejo isso com muita frequência nas redes sociais, especialmente no Facebook. Alguém posta algo sobre pentecostalismo e o ex-pentecostal, que se tornou reformado depois de ler dois ou três artigos em sites e blogs, critica ferrenhamente o post sobre este movimento como se fosse conhecedor o suficiente dele (quando na verdade não é). Isso se aplica a outros tópicos teológicos também. Mas a questão é que essas pessoas têm sede por criticar ou opinar sobre qualquer coisa que diz respeito à teologia, quando elas mesmas não tem propriedade o bastante para falar. 

As consequências disso são inúmeras. Um exemplo disso é uma divisão radical no corpo de Cristo por questões secundárias, ao ponto de muitos se comportarem de forma semelhante aos coríntios: “Eu sou de Paulo”, e outro “Eu sou de Apolo” (1 Coríntios 3.4). Tal divisão acarreta ainda outras consequências como até mesmo xingamentos! 

Não é assim que as coisas devem funcionar. O cristão que tem começado a se dedicar a teologia deve sempre ter em mente que muitas coisas não são tão simples como ele pensa que é. E quando isso não ocorre, é uma clara evidência de imaturidade.

Outro problema associado a este é o motivo pelo qual eles estudam teologia. Há muitos cristãos que “teologam” simplesmente por amor a debates. Eles são ávidos por confrontar posições opostas às suas, a fim de derrubar os argumentos contrários e sair como vencedor. Eu não estou aqui dizendo que debates são de tudo ruins. Eu mesmo aprecio isso em alguns casos. Porém, o ponto é: eles não estão preocupados em se aquele debate vai render algum fruto de piedade ou amadurecimento ao seu irmão, ou até mesmo (por que não?) se o debate vai proporcionar troca de conhecimentos e uma interação saudável. Isso pode levar uma das partes a repensar aquilo que ele tem defendido e a amadurecer. 

Além disso, e talvez mais importante ainda, é o fato destes cristãos não usarem a doutrina para o benefício da igreja. Eu mesmo já fui muito tentado a isso e tenho errado bastante. A teologia virou algo que não tem mais nenhuma relação com a igreja local. Estuda-se apenas para benefício próprio, não para instruir seus irmãos. Isso é egoísmo!

É aqui que o trabalho do pastor como teólogo-orientador entra. Ele precisa aconselhar as suas jovens ovelhas que, embora amem a teologia, precisam saber se comportar de forma adequada em relação a ela. Elas precisam entender que teologia não é algo banal, mas algo sério, pois lida com as coisas do Senhor. Além disso, precisam estar cientes do motivo pelo qual elas querem aprender mais da palavra de Deus. Eu penso que isso terá impacto significativo tanto na igreja local quando na igreja do Senhor como um todo.

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Autor: Alison Aquino
Divulgação: Bereianos
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Razões pelas quais guardamos o primeiro dia da semana

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Portanto, resta um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das suas” (Hebreus 4.9-10).

I – A CONTROVÉRSIA ATUAL

Irmãos, não basta afirmar que ninguém tem mais a obrigação de guardar o sétimo dia da semana. Dizer apenas isso pode dar a impressão de que a obrigação moral do dia de descanso não mais existe. Outro erro que devemos evitar, é o cometido por João Calvino, que afirmou o seguinte: “A tal ponto, contudo, não me prendo ao número sete que obrigue a Igreja à sua servidão, pois não haverei de condenar as igrejas que tenham outros dias solenes para suas reuniões, desde que se guardem da superstição”.[1] O erro de Calvino consiste, em que “nenhum homem ou igreja tem a prerrogativa de estabelecer um dia para outros”.[2] Teólogos contemporâneos têm afirmado que o descanso é apenas um princípio, não existindo mais nenhum dia específico. Para eles, o crente tem o arbítrio de escolher o seu próprio dia. Michael Horton, por exemplo, afirma o seguinte: “Contudo, desejo dizer que a minha convicção é que o quarto mandamento pertence ao que chamamos de parte ‘cerimonial’ da lei em vez de ‘moral’ [...] Sugerir que o quarto mandamento, então, é parte da lei cerimonial em vez de ser parte da lei moral, é dizer que ele não mais obriga os cristãos”.[3] A mesma linha é seguida pelos colaboradores de D. A. Carson, que, em Do Shabbath para o Dia do Senhor afirmam a premissa de que “o domingo é ‘um novo dia de adoração que foi escolhido para comemorar o evento único e histórico-salvador da morte e ressurreição de Cristo”.[4]

Ateísmo, Amoralismo e Não-Racionalismo

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Em Abril de 2010, o eticista Joel Marks sentou-se em frente ao seu computador e escreveu uma confissão para os leitores da coluna “Moral Moments” na revista Philosophy Now. Sua confissão dizia que ele tinha feito algo imoral. Sua confissão era que ele não poderia ter feito qualquer coisa imoral, em qualquer momento de sua vida, pois não exista coisa como a moralidade. Ou, ao menos, isso foi o que ele concluiu. O autor de “Moral Moments” saiu do armário como um “amoralista. Como ele mesmo coloca na primeira parte do seu “Manifesto Amoral”:

Esse filósofo tem há muito tempo trabalhado sob uma hipótese que nunca foi examinada, isto é, a hipótese de que existe uma coisa como certo e errado. Eu agora acredito que não existe.

Marks imediatamente passa a explicar o raciocínio por trás de sua “epifania chocante” (negrito acrescentado):

Em poucas palavras, eu me convenci que o ateísmo implica em amoralidade; e, uma vez sendo ateu, eu devo, portanto, abraçar a amoralidade. Eu chamo a premissa deste argumento de “ateísmo rígido” porque é análogo a uma tese em filosofia conhecida como “determinismo rígido.” Este último sustenta que se o determinismo metafísico é verdadeiro, então não existe tal coisa como livre arbítrio. Assim, um “determinista suave” acredita que, mesmo que o fato de você estar lendo essa coluna agora esteja seguindo a necessidade causal do Big Bang há quatorze bilhões de anos atrás, você ainda poderia ter livremente escolhido não lê-la. Analogamente, um “ateu suave ‘iria afirmar que alguém pode ser um ateu e ainda assim acreditar na moralidade. E, de fato, todos os que formam o grupo de Neo-Ateísmo … são  ateus “suaves”. Eu também era, até experimentar a minha epifania chocante de que os fundamentalistas religiosos estão corretos: sem Deus, não há nenhuma moralidade. Mas eles estão incorretos, eu ainda acredito, sobre a existência de um Deus. Por isso, eu creio que não há moralidade.

Você entendeu: os neo-ateus como Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Daniel Dennett e Sam Harris, são “ateus suaves”, porque eles negam a Deus mas ainda assim querem afirmar o realismo moral. O problema é que essa posição não é coerente nem estável, porque procura afirmar um fenômeno (neste caso, as normas morais objetivas) e ao mesmo tempo negar a estrutura metafísica que plausivelmente poderia explicar esse fenômeno. Marks resume como ele raciocinou o seu caminho do ateísmo “suave” para o “rígido”:

Por que eu agora aceito o ateísmo rígido? Bem, eu fiquei impressionado com os paralelos marcantes entre a religião e a moral, especialmente com o fato de que ambas valem-se de imperativos ou comandos que são destinados a serem aplicados universalmente. No caso da religião, e mais obviamente o teísmo, estes comandos emanam de um Comandante; “E a este todas as pessoas chamam de Deus”, como Aquino poderia ter escrito. O problema com o teísmo é, claro, são as razões instáveis para se crer em Deus. Mas o problema com a moralidade, eu afirmo agora, é que ela está em forma ainda pior que a religião neste respeito; pois se houvesse um Deus, Seus comandos fariam algum tipo de sentido. Mas se Deus não existe, como obviamente os ateus afirmam, então, que sentido poderia ser feito de haver comandos deste tipo? Em suma, enquanto os teístas assumem a existência óbvia de comandos morais como uma espécie de prova da existência de um Comandante, ou seja, Deus, eu agora tomo a não-existência de um Comandante como uma espécie de prova de que não existem comandos, ou seja, de que não existe a moral.

Em alguns aspectos, a confissão de Marks não é tão surpreendente. Afinal de contas, os teístas têm feito esse mesmo tipo de argumento (sem Deus, sem moral) por séculos. Além disso, um grande número de ateus influentes já fez a “boa confissão”: Friedrich Nietzsche, Jean-Paul Sartre, J. L. Mackie, e (mais recentemente) Alex Rosenberg.


Então eu não vou focar sobre o que acho que deve ser razoavelmente evidente para aqueles que refletiram sobre os fundamentos metafísicos da moralidade. Ao invés disso, quero me concentrar em alguns comentários que Marks faz na segunda parte do seu “Manifesto Amoral” que, embora tangencial às suas preocupações, creio ser bastante revelador e extremamente significativo. Pois o que Marks sugere nestas observações posteriores é que um ateu consistente deveria ser não só um amoralista que nega as normas morais objetivas, mas também um não-racionalista (i.e., alguém que nega a existência de normas racionais objetivas).

Ateísmo e Não-Racionalismo

Em uma seção intitulada “O que é a moralidade?”, Marks argumenta que, se (como ele acredita) o realismo moral é falso, devemos desistir de falar de “moralidade” de uma vez por todas (ao invés de, digamos, adotar uma posição de “como se fosse” ou então reequipar nosso vocabulário moral). A medida que ele explica as suas razões, observe a concessão que ele faz de passagem:

Eu sinto que o novo entendimento da moralidade como sendo mais mito que realidade é suficientemente importante para justificar a inconveniência de largar nossas maneiras habituais de falar e pensar sobre a Moralidade e aprender novas maneiras. Isso por duas razões. A primeira é o valor da própria verdade. Se é verdade que a moralidade metafísica não existe, então por essa razão apenas devemos acreditar que ela não existe. (Estritamente falando, eu deveria dizer: Se é racional acreditar que a moralidade metafísica não existe, então apenas por essa razão devemos acreditar). Observe que quando eu uso termos como “deveria”, “valor” e “garante” aqui, eu estou me referindo às normas epistêmicas, ou seja, aos padrões de conhecimento, e não às normas morais. Vou conceder que, no final, isso pode ser tanto uma questão de valor quanto de desejo subjetivo, pois algumas pessoas podem não se importar muito com a verdade (ou a racionalidade), ou pelo menos não colocam muita importância sobre ela, se, digamos , a alternativa seja a felicidade. Pense na pílula azul em Matrix. Logo, meu primeiro argumento se destina apenas para aqueles que tomariam a pílula vermelha.

Marks distingue aqui entre normas morais e normas epistêmicas. Brevemente definindo, as normas morais são padrões para o comportamento, enquanto que as normas epistêmicas são padrões para a crença; as normas morais estão conectadas com o comportamento correto, enquanto que as normas epistêmicas estão relacionadas ao pensamento correto. Quando falamos de “racionalidade” e “irracionalidade” estamos pressupondo que existem normas epistêmicas, assim como quando falamos de “moralidade” e “imoralidade” estamos pressupondo a existência de normas morais. Mas lembre-se que, como consequência de seu ateísmo, Marks agora nega que existam normas morais objetivas e reais. (“Por isso, creio eu, não há moralidade”.) Em vez de fazermos afirmações morais tradicionais, deveríamos apenas falar apenas de “valores ou desejos subjetivos”. Não existem verdades morais para debater ou aplicar em nossas vidas; tudo o que podemos adequadamente discutir são as nossas preferências e desejos pessoais.


Marks está ciente, no entanto, de que as normas morais e epistêmicas, apesar de distinguíveis, movem-se em órbitas semelhantes. Como o parágrafo anterior deixa claro, existem paralelos entre os dois tipos de normas, ainda que um tipo não possa ser reduzido ao outro. Assim, os motivos que Marks usa para negar a realidade das normas morais podem ser extrapolados (usando o mesmo fundamento) para negar a realidade das normas epistêmicas. Se você acha que falar de “moralidade” é realmente apenas “uma questão de valor ou desejo subjetivo”, o próximo passo natural é pensar que falar sobre “racionalidade” é “no final das contas … tanto uma questão de valor quanto de desejo subjetivo”. Em face disso, é difícil ver a razão pela qual, sob a cosmovisão ateísta, as normas epistêmicas existiriam enquanto que as normais morais não. Por que é que faria sentido falar em pensar corretamente mas não em agir corretamente? Por que haveriam padrões objetivos que governam nossas faculdades cognitivas mas não existiriam padrões objetivos que regem nossas outras faculdades? Para o ateu, existe uma linha muito tênue entre o amoralismo e o não-racionalismo.

Vamos nos aprofundar um pouco mais para estender o suporte para esta suposição. Por que o ateísmo convida o não-racionalismo? É comumente afirmado que o naturalismo metafísico é a cosmovisão ateísta mais consistente e parcimoniosa. De qualquer forma, eu acho que é seguro dizer que é a cosmovisão mais proeminente entre os intelectuais ateus de hoje. Como Alvin Plantinga observou, o naturalismo “é eminentemente atacável”:

Seu calcanhar de Aquiles (além de sua falsidade deplorável) é que não possui espaço para normatividade. Não há espaço, no naturalismo, para o certo ou o errado, o bom ou o ruim. (Alvin Plantinga, “Afterword,” in The Analytic Theist, ed. James F. Sennett (Eerdmans, 1998), p. 356.)

Eu acho que Plantinga está certo nesse ponto. Se o naturalismo implica que a única realidade é uma realidade cientificamente circunscrita (onde “ciência” é entendida em termos das ciências naturais: física, química e biologia). Tudo o que existe é suscetível às descrições e explicações científicas. No entanto, a ciência, por sua própria natureza, está restrita a afirmações descritivas. A ciência pode nos dizer qual é o caso, mas não pode nos dizer qual deveria ser o caso. A ciência não trata de afirmações normativas. Portanto, a ciência (e, por extensão, o naturalismo) não dá espaço para normas reais e objetivas da moralidade e racionalidade. “Não furtarás” não é uma afirmação científica. “Você não deve acreditar no que é logicamente inconsistente” também não é uma afirmação científica.


É certo que, apesar de o naturalismo ser a expressão mais natural do ateísmo, o ateísmo em si não implica no naturalismo. Existem alguns ateus não-naturalistas. De todas as maneiras, o ateísmo está, seguramente, comprometido com a ideia de que a realidade última (o que quer que ela seja) não é pessoal e é não-racional. Como tal, é difícil ver como uma cosmovisão ateísta poderia explicar a existência de normas epistêmicas objetivas, especialmente uma vez que ela já admite a ausência de normas morais objetivas.

LEVANTANDO AS OPÇÕES

Mas, novamente, vamos tentar ser mais específicos. Que tipo de opções o ateu tem quando se trata de compreender e explicar as normas epistêmicas? Aqui estão sete respostas possíveis; em cada caso, eu irei brevemente indicar a razão pela qual essa resposta não deve ser satisfatória para o ateu. (Nota: Não tenho a pretensão de dizer que estas opções são exaustivas ou mutuamente excludentes, apenas que elas são as únicas que se apresentam mais imediatamente).

Opção #1: As normas epistêmicas são apenas um subconjunto das normas morais. A partir desse ponto de vista, ser irracional é apenas ser imoral só que de uma maneira específica, isto é, ser intelectualmente irresponsável ou culpável. Esta é provavelmente a opção menos atraente para o ateu, porque isso significaria que o amoralismo implica no não-racionalismo. Qualquer dificuldade em explicar as normas morais sob o ponto de vista ateísta iria imediatamente aparecer nas tentativas de explicação das normas epistêmicas. (Existem outros problemas com esta opção, mas não irei tratar deles aqui).

Opção #2: As normas epistêmicas não são um subconjunto das normas morais, no entanto, são análogas. Isso não parece ser mais atraente para o ateu do que a primeira opção, uma vez que ainda conecta os dois tipos de normas de tal forma que elas tendem a permanecer juntas. Se os dois tipos de normas são análogos, então, presumivelmente, eles terão origens ou bases análogas. Mas se o ateísmo convida o amoralismo, então (por um argumento análogo) irá convidar o não-racionalismo também.

Opção #3: As normas epistêmicas são deontológicas na natureza; elas tratam de deveres ou obrigações intelectuais. Menciono isto como uma opção separada, embora eu suspeite que ela se reduz a #2 e #3. Em todo caso, essa não parece ser uma boa opção para o ateu. Deveres e obrigações só podem surgir em um contexto pessoal. Então quais são as pessoas que dão origem aos nossos direitos e obrigações intelectuais? Será que a raça humana como um todo de alguma forma impõe obrigações aos seus membros individuais? Ou alguns membros impõem obrigações a outros membros? Se assim for, com que autoridade? Por que eu devo isso a você ou a qualquer outra pessoa Porque devo usar minhas faculdades cognitivas de uma certa maneira? As funções intelectuais não parecem ser mais explicáveis, sob o ponto de vista ateísta, do que os deveres morais. Se um ateu poderia explicar último, presumivelmente, deveria explicar o primeiro. Mas não é esse precisamente o problema?

Opção #4: As normas epistêmicas são teleológicas na natureza; elas pertencem a finalidade ou função natural de nossas faculdades intelectuais. Eu acho que faz sentido entender algumas normas epistêmicas como teleológica na natureza. A epistemologia de função adequada de Alvin Plantinga é um caso em questão: pensar racionalmente é essencialmente usar as faculdades cognitivas da maneira que elas foram destinadas (leia-se: projetadas) a serem utilizadas, com a finalidade de adquirir crenças verdadeiras e evitar falsas. Mas, como Plantinga e outros observaram, enquanto que a epistemologia de função adequada se encaixa confortavelmente com o teísmo, ela não faz o mesmo com o ateísmo. É fácil perceber o porquê: o ateísmo não é amigo da teleologia na natureza. O apelo principal do darwinismo para os ateus é que ele pretende explicar a aparência de propósito e função na natureza sem qualquer apelo a causas finais (especificamente, sem qualquer causa final sobrenatural). Eu presumo que a única opção para um ateu aqui seria apelar para algum designer prévio dentro do universo natural, isto é, organismos não-humanos com consciência e inteligência (extraterrestres?) que de alguma forma despejaram sobre nós as nossas faculdades intelectuais. A falha em tal explicação é óbvia: ela só iria empurrar o problema um passo para trás. O que iria explicar as faculdades intelectuais desses organismos? Quais seriam os fundamentos de suas normas epistêmicas? (Aqueles que leram isso e acham que os teístas enfrentam o mesmo problema, não entenderam ainda as diferenças relevantes entre Deus e os organismos naturais).

Opção #5: As normas epistêmicas são de natureza subjetiva; elas estão fundamentadas em desejos, sentimentos, preferências, objetivos, ou algo humano nesse sentido. Deste ponto de vista, uma norma epistêmica como “a crença deve ser proporcional a evidência” é verdadeira por causa de certos estados psicológicos humanos (individuais ou coletivos). O problema, claro, é que essa posição é totalmente consistente com o não-racionalismo; que basicamente admite que não existem normas epistêmicas objetivas. O que estamos procurando aqui é uma explicação ateísta das normas epistêmicas objetivas. Essa opção está mais para uma rendição do que uma solução.

Opção #6: As normas epistêmicas são descrições de como nós normalmente pensamos. De acordo com essa resposta, ser racional é pensar normalmente, e ser irracional é pensar de forma anormal. O problema imediato aqui é a ambiguidade do termo “normal”. Isso pode significar simplesmente “comum” ou “regular” (como em “é normal haver trovoadas nesta época do ano”). Mas essa leitura não nos dará uma explicação adequada para as normas epistêmicas. Certamente não queremos dizer que ser racional é pensar da maneira que os seres humanos frequentemente ou regularmente pensam, como se o pensamento racional fosse apenas aquilo que é estatisticamente dominante. Isso seria confundir o descritivo com o prescritivo; confundir a epistemologia (como as pessoas devem pensar) com a psicologia (como as pessoas, de fato, pensam). Apenas considere o seguinte: se as pessoas regularmente formulassem suas crenças com base no achismo, isso faria o achismo ser algo racional?

Alternativamente, “normal” poderia significar “normativo”. Mas, então, essa resposta não seria nada mais que uma declaração vazia “as normas epistêmicas são descrições do que é epistemologicamente normativo”. A opção #6 desapareceria numa nuvem de tautologia, fazendo o ateu procurar outro lugar para uma explicação significativa das normas epistêmicas.

Opção #7: As normas epistêmicas são normas evolutivas, no sentido de que elas tem metas ou fins evolutivos; elas caracterizam operações e processos cognitivos que são vantajosos em termos evolutivos. Eu suspeito que muitos ateus irão gravitar em torno dessa opção pela mesma razão que eles gravitariam em torno de uma explicação evolutiva da moralidade. Na ausência de Deus, a pessoa tem pouca escolha a não ser buscar explicações puramente naturalistas do que somos, de onde viemos, e por que nos comportamos do jeito que nos comportamos. A Mãe Natureza e o Pai Darwin, em conjunto, entregarão as mercadorias.

A ideia básica, então, é que as faculdades cognitivas humanas evoluíram através de processos puramente naturais, com a seleção natural agindo sobre variações genéticas, e as normas epistêmicas caracterizam como essas faculdades cognitivas operam para nos dar verdadeiras crenças que servem ao propósito “final” de eficazmente se reproduzir e sobreviver. As operações ou processos cognitivos são racionais ou irracionais apenas no caso de tender a produzir, respectivamente, crenças verdadeiras ou falsas. As crenças verdadeiras promovem a sobrevivência. As falsas crenças dificultam a sobrevivência. Assim aquilo que é epistemologicamente normativo se reduz, em última análise, aquilo que é biologicamente vantajoso.

Existem vários problemas graves com esta explicação. Em primeiro lugar, a suposição de que a seleção natural tenderá a favorecer as faculdades cognitivas apontadas para a verdade é altamente questionável. Os organismos podem sobreviver eficazmente com falsas crenças assim como com crenças verdadeiras; na verdade, a maioria dos organismos do planeta se reproduzem e sobrevivem de forma muito eficaz, sem possuir qualquer tipo de crenças.

Além disso, como Plantinga e outros argumentaram, a evolução como um processo puramente naturalista seria totalmente cego ao conteúdo proposicional de nossas crenças e, assim, ao fato de elas serem verdadeiras ou falsas. (Veja, e.g., Alvin Plantinga, Where the Conflict Really Lies (Oxford University Press, 2011), pp. 316ff.) Dado o naturalismo, apenas as propriedades físicas dos nossos cérebros e as consequências físicas de nossos processos cerebrais poderiam ter qualquer influência causal sobre os resultados evolutivos. Em suma, a evolução não presta atenção ao que um organismo acredita que, apenas à maneira como ele se comporta. Como o filósofo Stephen Stich (entre outros) francamente admitiu, “a seleção natural não se preocupa com a verdade; se preocupa apenas com o sucesso reprodutivo”. (Stephen Stich, The Fragmentation of Reason (MIT Press, 1990), p. 62.)

Mas há um problema mais fundamental aqui. Mesmo se admitirmos que a evolução tenderia a favorecer faculdades cognitivas voltadas a crenças verdadeiras, uma explicação evolucionista das normas epistêmicas ainda seria aquém do esperado por esta simples razão: não há nada objetivamente normativo sobre os resultados evolutivos. A teoria evolucionista procura dar uma explicação naturalista sobre os organismos, de onde eles vieram e por que eles são do jeito que são. Mas é uma teoria descritiva – como deve ser quaisquer explicação derivada dessa teoria (como a explicação de nossas faculdades cognitivas). Do ponto de vista ateísta, não há nada objetivamente “certo” ou “errado” sobre o que a evolução produz. Os resultados da evolução não são objetivamente bons (ou objetivamente maus). Eles simplesmente são o que são.

O máximo que um ateu poderia dizer sobre a “bondade” ou o “acerto” de certos resultados evolutivos é que eles são subjetivamente bons: eles são bons porque nós mesmos os valorizamos (presumivelmente porque valorizamos coisas como nossa própria sobrevivência, crenças verdadeiras, experiências prazerosas, e assim por diante). Mas, nesse caso, a opção #7 entra em colapso com a opção #5 e o ateu não poderá seguir em frente. Da mesma forma, falar de “objetivos” ou “fins” evolutivos deve ser tratado como algo metafórico, uma vez que a evolução naturalista é, por definição, não direcionada e não intencional. Assim, se as “normas” epistêmicas devem ser explicadas em termos de tais “metas” ou “fins”, eles não podem ser tomados como literalmente normativos.

RESUMINDO

Como eu disse antes, eu não estou afirmando que essas são as únicas opções que o ateu poderia contemplar, mas elas parecem ser as principais. Sendo assim, eu diria que o ateu carrega o fardo da responsabilidade de indicar como as normas epistêmicas podem ser consistentemente explicadas sob um ponto de vista ateísta, especialmente se o ateu em questão já jogou as normas morais pela janela.

O que eu forneci aqui é pouco mais do que o esboço de um argumento. Mas a sua visão central pode ser simplesmente declarada da seguinte forma: dados os paralelos existentes entre as normas morais e as normas racionais, uma cosmovisão que luta para dar uma explicação consistente das primeiras também irá lutar para explicar as últimas.

Por conseguinte, eu afirmo que um ateu consistente deveria abraçar tanto o amoralismo (a negação das normas morais objetivas) quanto o não-racionalismo (a negação de normas epistêmicas objetivas). Ao menos os ateus que abraçaram abertamente o amoralismo também devem, por uma questão de coerência, defender o não-racionalismo, pois a lógica que leva do ateísmo ao amoralismo continua a avançar para o não-racionalismo. Alguns leitores podem levantar a questão de que eu não mostrei qualquer inconsistência lógica entre o ateísmo e a existência de normas epistêmicas objetivas. Isso é verdade, mas é igualmente irrelevante. O que temos aqui não é uma questão de consistência lógica rigorosa, mas sim de fundamento metafísico adequado.

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Autor: James N. Anderson
Fonte: Analogical Thoughts – Atheism, Amoralism and Arationalism
Tradução e adaptação: Erving Ximendes
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Mantendo a Fé numa Época de Incredulidade: A Igreja como a Minoria Moral

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“A questão mais importante de nosso tempo”, propôs o historiador Will Durant, “não é o comunismo versus o individualismo, nem a Europa versus a América do Norte, nem o Oriente versus o Ocidente. É se os homens podem viver sem Deus”. Essa pergunta, conforme parece, será respondida em nosso próprio tempo.

Durante séculos a igreja cristã foi o centro da civilização ocidental. A cultura, o governo, as leis e a sociedade do Ocidente estavam alicerçados em princípios explicitamente cristãos. Preocupação com o indivíduo, compromisso com os direitos humanos e respeito pelo que é bom, belo e verdadeiro – tudo isso se desenvolveu de convicções cristãs e da influência do cristianismo.

Todas essas coisas, apressamo-nos a dizer, estão sob ataque. A própria noção do certo e do errado tem sido descartada por grandes setores da sociedade. Onde ela não é descartada, é frequentemente depreciada. Agindo à semelhança dos personagens de Alice no País das Maravilhas, os secularistas modernos declaram o errado como certo e o certo como errado.

O teólogo quacre D. Elton Trueblood descreveu a nossa sociedade como uma “civilização sem raízes”. Nossa cultura, ele argumentou, está cortada de suas raízes cristãs, como uma flor cortada de seu caule. Embora a flor mantenha a sua beleza por algum tempo, está destinada a murchar e morrer.

Quando esse teólogo falou tais palavras há mais de duas décadas, a flor podia ser vista com algumas cores e sinais de vida. Mas o botão perdeu há muito a sua vitalidade, e agora é o tempo em que as pétalas caídas devem ser reconhecidas.

“Quando Deus está morto”, asseverou Dostoievsky, “qualquer coisa é permissível”. Não podemos exagerar quanto à permissividade da sociedade moderna, mas tal permissividade tem sua origem no fato de que o homem e a mulher modernos agem como se Deus não existisse ou fosse incapaz de cumprir sua vontade.

A igreja cristã encontra-se agora diante de uma nova realidade. Ela já não representa a essência da cultura ocidental. Embora permaneçam focos de influência cristã, eles são exceções e não a regra. Na maior parte da cultura, a igreja foi substituída pelo domínio do secularismo.

Os jornais cotidianos apresentam um transbordamento constante de notícias que confirmam o estado atual de nossa sociedade. Esta época não é a primeira a contemplar horror e mal indescritíveis, mas é a primeira que nega qualquer base consistente que identifica o mal como mal e o bem como bem.

Em geral, a igreja fiel é tolerada como uma voz na arena pública, mas somente enquanto não tenta exercer qualquer influência confiável no estado das coisas. Se a igreja fala com veemência sobre um assunto do debate público, é censurada como coerciva e ultrapassada.

O que a igreja pensa a respeito de si mesma em face desta nova realidade? Durante os anos 1980, foi possível pensar em termos ambiciosos, como a vanguarda de uma maioria moral. Essa confiança foi seriamente abalada pelos acontecimentos da década passada.

Podemos detectar pouco progresso em direção ao restabelecimento de um centro de gravidade moral. Em vez disso, a cultura se moveu rapidamente em direção ao abandono completo de toda convicção moral.

A igreja professa tem de contentar-se agora em ser uma minoria moral, se o tempo assim o exige. A igreja não tem mais o direito de atender à chamada do alarme secular tendo em vista o revisionismo moral e posições politicamente corretas sobre as grandes questões do momento.

Não importa qual seja a questão, a igreja tem de falar como aquilo que ela realmente é: uma comunidade de pessoas caídas mas redimidas, que permanecem sob a autoridade de Deus. A preocupação da igreja não é conhecer a sua própria mente, e sim conhecer e seguir a mente de Deus. As convicções da igreja não devem emergir das cinzas de nossa sabedoria decaída, e sim da Palavra de Deus determinativa, que revela a sabedoria de Deus e os seus mandamentos.

A igreja tem de ser uma comunidade de caráter. O caráter produzido por um povo que vive sob a autoridade do soberano Deus do universo estará inevitavelmente em conflito com uma cultura de incredulidade.

A igreja está diante de uma nova situação. Este novo contexto é tão atual como o jornal matutino e tão antigo como as primeiras igrejas cristãs em Corinto, Éfeso, Laodicéia e Roma. A eternidade mostrará se a igreja está ou não disposta a submeter-se apenas à autoridade de Deus ou se ela renunciará sua chamada a fim de honrar deuses insignificantes.

A igreja precisa despertar para o seu status como minoridade moral e apegar-se firmemente ao evangelho, cuja pregação nos foi confiada. Ao fazer isso, as fontes profundas da verdade imutável revelarão a igreja como um oásis doador de vida em meio ao deserto moral de nossa sociedade.

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Autor: Albert Mohler Jr.
Fonte: Albert Mohler
Tradução: Wellington Ferreira
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Denúncia grave! Goiás promove Ideologia de Gênero

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O conservador estado de Goiás é um dos que mais investem na promoção da ideologia de gênero

O governador Marconi Perillo (PSDB), no dia 04 deste mês, tomou a decisão de assinar o Decreto nº 8.716/2016 que autoriza a utilização do nome social por pessoas travestis e transexuais em quaisquer serviços públicos ofertados pela Administração direta e indireta do Poder Executivo, que inclui os serviços conveniados, em vez de encaminhar a matéria para ser discutida e votada pela Assembleia Legislativa. 

E esta seria a maneira democrática de tratar de um tema que embora tenha aparência de simples, é complexo e não consensual porque insere uma cunha na estrutura da cultura tradicional da sociedade. Além do mais, essa medida menor tem a função estratégica de abrir fendas por onde outras demandas que fazem parte do elenco de propostas da revolução cultural empreendida pelos estudos de gênero líquido venham a ser, finalmente, implementadas na sociedade goiana através de políticas públicas. 

O decreto do governo goiano é similar ao Decreto Presidencial nº 8.727/2016, assinado no dia 28 de abril pela presidente Dilma Rousseff, num de seus últimos atos na Presidência da República. A própria presidente, que nos dois mandatos teve como uma de suas principais bandeiras justamente a implementação das políticas do gênero múltiplo, guardou enquanto pôde esse decreto na gaveta para não minar ainda mais sua frágil sustentação política. 

Depois de publicado, o decreto de Dilma causou muita contrariedade nas lideranças católicas e evangélicas do país e motivou o pedido de revogação do mesmo através da Câmara dos Deputados. Para atender a esse interesse, o deputado João Campos (PRB-GO) encabeçou a assinatura do decreto legislativo (PDC 395/2016), subscrito por 28 deputados católicos e evangélicos de 10 partidos políticos. Resta saber se há deputados estaduais goianos, com a mesma motivação, dispostos a tomarem a mesma iniciativa de revogação do decreto do governador. 

Propostas similares de decreto, patrocinadas pelo fortíssimo lobby dos movimentos de militância em gênero, têm sido oferecidas aos estados e às prefeituras, principalmente capitais e cidades de grande e médio porte. Mas a adesão é baixíssima porque governadores e prefeitos se recusam a interferir, por decreto, nos majoritários interesses do substrato cultural cristão. Marconi Perillo (PSDB) é apenas o terceiro governador do país que decidiu adotar essa mesma política de gênero, depois de Tarso Genro (PT), em 2012, no Rio Grande do Sul e Simão Jatene (PSDB), em 2013, no Pará.

A estratégia da militância de gênero de fazer com que o executivo decrete suas pautas políticas, visa fugir do trâmite regimental das casas legislativas onde suas demandas nunca prosperam. Isto porque os parlamentares tendem a reproduzir o conservadorismo predominante na sociedade. Essas políticas somente avançam com o favor das estruturas de governo que as beneficiam por meio de decretos, portarias, resoluções e pareceres. Contam também com o favorecimento de decisões judiciais. 

O fato de ter conseguido emplacar esse decreto num estado conservador como é o caso de Goiás, representa além de vitória simbólica, uma extraordinária arma de propaganda para a militância de gênero. Justamente porque Goiás é reconhecido como um dos estados do país com maior percentual de evangélicos e também de católicos praticantes, conforme atesta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No estado, estão sediadas algumas das principais igrejas e missões brasileiras que estendem suas congregações pelo país e pelo mundo. Em Trindade, inclusive, acontece anualmente a segunda maior festa religiosa católica do país e uma das maiores do mundo. 

De posse desse importante trunfo propagandístico, o lobby de gênero certamente potencializará seus argumentos para convencer prefeitos do interior de Goiás a replicarem nos municípios a decisão do governo estadual, além de usar o exemplo daqui para quebrar a resistência dos outros governadores. Cada vez mais será defendida a tese segundo a qual o que não se consegue em votação num legislativo conservador, impõe-se pela canetada do executivo. 

Mas Goiás tem já uma tradição de pioneirismo no apoio às demandas de gênero. Em 2008 o governador Alcides Rodrigues assinou o decreto 6.855/2008, que fez de Goiás o primeiro estado a criar um Conselho Estadual LGBTTT. Tanto o decreto de 2008 quanto o de 2016 tiveram o protagonismo da Secretaria Estadual da Mulher, do Desenvolvimento Social, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e do Trabalho (Secretaria Cidadã).

Esta é a mais importante secretaria estadual para o desenvolvimento das políticas sociais do governo. Por outro lado, a Secretaria Cidadã cumpre a função política de apaziguar, beneficiar e aproximar o governo estadual de sindicatos, grupos LGBTTT, Feminista, Afro, e organizações afins. Para tanto, esses grupos influenciam diretamente em boa parte das políticas sociais da pasta. Também, durante os governos Lula e Dilma, a secretaria serviu para Goiás estabelecer parcerias com o Governo Federal que aproveitou para financiar e aprofundar as políticas culturais e sociais do seu interesse. 

Um dos efeitos dessa parceria é a quase regular realização de cursos gratuitos de capacitação nas teorias de gênero para servidores públicos do estado e dos municípios. Esses cursos, além de quebrar a resistência social sobre o assunto, têm a finalidade de fazer multiplicadores e treinar os servidores para o atendimento à população de acordo com a perspectiva da ideologia de gênero e dos movimentos sociais. 

Um dos cursos teve a duração de 180 horas e foi realizado em 15 encontros aos sábados, de 8:00h às 17:00h, entre os dias 22 de agosto e 28 de novembro de 2015. Foram treinadas em gênero somente nesta etapa 2.500 pessoas (enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, advogados, professores, administradores, políticos, policiais, além de conselheiros tutelares) em 10 cidades polo: Campos Belos, Catalão, Goiânia, Goiás, Itumbiara, Jataí, Luziânia, Posse, Porangatu e Uruaçú.

(perspectiva de gênero adotada em curso da Secretaria Cidadã de Goiás)

O avanço da aplicação na sociedade das ideologias relativas ao gênero não binário encontra oposição na resistência cristã não somente no Brasil mas em outras partes do mundo. Nesse embate, a manipulação da linguagem e do discurso constitui-se em importante estratégia de (re)formação do imaginário coletivo. É nesse contexto que os cristãos têm sido acusados de parciais e preconceituosos ao supostamente servirem de entrave para a emancipação das minorias sexuais e familiares. No entanto, somente compreende os motivos para esse discurso de resistência quem acompanha a emergência e o protagonismo dessa política cultural no mundo.  

A ressignificação do termo gênero (descolando-o do conceito de sexo masculino e feminino e mudando discriminação sexual para discriminação de gênero) foi acatada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como política de direitos humanos para as nações a partir das conferências para as mulheres, em Pequim (1995) e Yogyakarta (2006). Desde então, a política de gênero tem sido imposta aos países por meio das agências da ONU para a saúde, cultura, educação e direitos humanos, além de clausulas impositivas em contratos dos bancos de fomento e desenvolvimento para as nações.

A intenção da ONU não é humanitária, no sentido de atender as particularidades das minorias familiares e sexuais. E é lamentável que pessoas sofram e sejam enganadas com políticas que supostamente as beneficiem. Como pode ser constatado nos documentos da própria ONU e também nos depoimentos, entrevistas, livros e teses dos principais defensores dessa causa no mundo, a atual política de gênero constitui-se em importante ferramenta para a premeditada corrosão, por dentro, da sociedade ocidental. A existência de um modelo de sociedade fundamentado na moral judaica e cristã não interessa ao propósito de construção da Nova Ordem Mundial que está em curso.

O Brasil foi um dos primeiros países a adotar essa política de gênero da ONU. O decreto presidencial 7.037 assinado por Lula em 21 de dezembro de 2009, criou o Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3). Na seção de Ações Programáticas, no Objetivo Estratégico 5, o documento apresenta a seguinte prioridade: “Reconhecer e incluir nos sistemas de informação do serviço público todas as configurações familiares constituídas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, com base na desconstrução da heteronormatividade.” 

O reconhecimento social das famílias alternativas certamente não seria questionado pelo conjunto dos cristãos, caso a recomendação da ONU e também do PNDH3 não exigisse a desconstrução da normalidade do sexo masculino e feminino e também do casamento heterossexual. Esse é o ponto de discórdia.

Estamos diante da imposição de uma ação ideológica de gênero que se dá em cadeia hierárquica: a ONU e algumas outras instituições e organismos interdependentes promovem a difusão e o financiamento dessa política às nações; as nações, pela vez delas, veem-se obrigadas a fazer o mesmo com suas unidades administrativas. Portanto, não há como dissociar o decreto do governador e as políticas da Secretaria Cidadã, bem como da Secretaria Estadual de Educação, desse contexto. 

Em se tratando da promoção da ideologia de gênero em Goiás, não se pode ignorar a participação ainda mais dedicada e efetiva da Prefeitura de Goiânia, particularidade que esse artigo não se propôs a tratar.

À guisa de conclusão, o presente artigo oferece ao leitor dois apêndices para reflexão: o primeiro, para dizer que os eleitores são reféns da desorganização partidária brasileira. Diferente do modelo predominante nas democracias mais amadurecidas, a maioria dos partidos políticos daqui não têm linha ideológica e/ou doutrinária definida. Em vista disso, os eleitores ficam à mercê do estelionato eleitoral porque nunca têm a garantia de que os políticos não os trairão mudando seus discursos depois de eleitos.

O segundo, é para opinar que o ministro cristão não deveria oferecer apoio irrestrito aos governantes, nem se associar a eles em negócios políticos, ainda mais quando o faz em nome da Igreja. A própria Igreja tem consistentes motivos históricos para desaconselhar essa prática. Além da oração e do aconselhamento sincero e imparcial, sua postura política deveria ser de fiel da balança em favor da justiça social, da austeridade e correção das práticas de governo. Sobretudo, na defesa intransigente e inegociável dos valores éticos e morais da fé cristã. Estes são cuidados necessários para que a Igreja não seja forçada pela conveniência política a relativizar seus valores, abandonar ou negligenciar as prioridades do Reino de Deus, selecionar a mensagem da pregação e silenciar a voz profética que denuncia o erro.

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Autor: Orley José da Silva, é professor em Goiânia, mestre em letras e linguística (UFG) e mestrando em estudos teológicos (SPRBC)
Divulgação: Bereianos
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Como interpretar Apocalipse?

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Introdução

Os debates sobre o livro de apocalipse são ad infinitum. Dentro da escatologia tupiniquim de nosso país os problemas ainda se agravam. Em geral, a escatologia brasileira é guiada e hipnotizada pelo sensacional e cinematográfico, em vez de ser guiada por uma análise séria do texto. 

Então, como devemos interpretar o Apocalipse de João? Literalmente? Simbolicamente? Ambos? As próprias regras hermenêuticas para a interpretação de textos apocalípticos em geral já responde nossa questão. Entretanto, uma análise cuidadosa do próprio texto esclarece para nós o caminho que devemos tomar. 

Neste breve artigo, veremos o significado e o pano de fundo de uma palavra logo no primeiro verso do livro. A palavra “semaino” (traduzida como notificar, na ARA) significando “comunicação por símbolos” será o objeto de nosso estudo. Não faremos uma análise exegética exaustiva, nem de Ap. 1.1, nem da sua alusão veterotestamentária, mas nos deteremos apenas na palavra semaino (para uma análise completa, ver Beale, 1999).

1. O significado de “semaino” (σημαίνω)

João inicia seu livro dizendo que é uma revelação (Ἀποκάλυψις) de Jesus Cristo, que pela mediação de um anjo, foi notificada a João (Ap. 1.1). A palavra que nós traduzimos como “notificou” (ἐσήμανεν) é o aoristo ativo do verbo σημαίνω. O léxico Inglês-Grego do NT traduz essa palavra como “fazer conhecer, comunicar, reportar, significar” (BAGD, 747). Todas essas definições trazem a ideia de comunicação, mas não especifica a natureza ou o modo dessa comunicação (Beale, 1999).

2. O pano de fundo de “semaino

Para entendermos com maior precisão o significado de semaino, precisamos analisar a clara alusão ao Antigo Testamento presente em Apocalipse 1.1. O texto alude a Daniel 2.28-30, 45. As cláusulas “revelação... Deus mostrou... o que deve acontecer... e fez conhecer (σημαίνω)” aparecem juntas somente em Dn. 2 e em Ap. 1.1 (Beale, ibid.).

O σημαίνω de Daniel 2 é a tradução grega do aramaico yĕda (fazer conhecer). O modus da comunicação é definido pelo contexto, que trata sobre uma visão como uma comunicação simbólica por intermédio de um sonho. Essa natureza simbólica da comunicação é atestada em Dn. 2.45:

Porquanto viste que do monte foi cortada uma pedra, sem auxílio de mãos, e ela esmiuçou o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro, o grande Deus faz saber (σημαίνω) ao rei o que há de suceder no futuro. Certo é o sonho, e fiel a sua interpretação”.

O contexto fala sobre o sonho que o rei Nabucodonosor teve sobre uma estátua composta de quatro partes feitas de metais diferentes (ouro, prata, bronze e ferro). Daniel interpretou cada parte como sendo grandes reinos mundiais, mas que no fim, foram substituídos/derrotados pelo reino de Deus. A revelação dada ao rei babilônico não era abstrata, mas sim pictórica (
ibid.). 

Portanto, João ao escolher semaino em vez de “gnorizo” (fazer conhecer), faz isso intencionalmente (e não por acaso) demonstrando a natureza simbólica dessa comunicação (o livro de Apocalipse) que é definida pela alusão à Dn. 2.

3. O uso de “semaino” no restante do NT

Semaino” tipicamente traz a noção de comunicação por símbolos quando não tem o sentido mais geral de “fazer conhecer”, e ambos os sentidos são encontrados na LXX (Septuaginta). Dos outros cinco usos no NT, dois tem o sentido de “fazer conhecer” (At. 11.28; 25.27) ainda que um deles (11.28) tenha nuanças de comunicação simbólica (revelação simbólica do profeta).

Os três outros usos estão no evangelho de João (Jo. 12.33; 18.32; 21.19), resumindo a descrição pictórica de Jesus sobre a crucificação (ibid.). Esse evangelho usa o substantivo cognato “semeion” repetidamente para se referir aos milagres de Jesus como “sinais” ou “símbolos” de seus atributos e de sua missão (Ibid.).

4. O paralelo entre “semaino” e “deiknymi” em Ap. 1.1

A definição semântica de semaino como “comunicação por símbolos” é reforçada pelo seu paralelo com a palavra δείκνυμι (mostrar) no mesmo verso: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos...”. Embora essa palavra possa significar algum sinônimo de “fazer conhecer” em outras literaturas gregas, aqui ela tem o sentido de uma “revelação mediada por visões celestiais simbólicas comunicadas por um anjo (Beale, ibid.)”. O significado de “mostrar” para δείκνυμι é corroborado pelos outros sete usos dessa palavra em Apocalipse (4.1; 17.1; 21.9–10; 22.1, 6, 8). O que se é mostrado em cada uma delas é uma visão simbólica, e João escreve que ele “viu” (E eu vi - καὶ εἶδον) essas revelações pictóricas (p. ex. 17.3, 6; 21.22; 22.8; ibid.).

Conclusão

Tanto a semântica como o Background de semaino em Ap. 1.1 é de imensa importância para uma aproximação hermenêutica correta a esse livro. Alguns comentaristas presumem que Apocalipse algumas vezes explica o significado de suas imagens, e que, portanto, onde não há explicações, deve se interpretar conforme o sentido “natural/literal”, a menos que o contexto indique o contrário (Walvoord, Revelation, 30). Conclui-se disso que devemos interpretar Apocalipse literalmente, a menos que sejamos forçados pelo contexto a interpretá-lo simbolicamente. Entretanto, com a análise acima, concluímos exatamente o contrário. O material de Apocalipse é majoritariamente simbólico (no mínimo 1.12-20; 4.1-22.5). Obviamente algumas partes não são simbólicas, mas a essência do livro é figurativa (Ibid.). 

Greg Beale (op. cit.) demonstra que há quatro níveis de comunicação em Apocalipse: 1. Linguístico (o próprio texto); 2. Visionário (as experiências visionárias de João; 3. Referencial (que consiste numa identificação histórica específica dos objetos vistos na visão) e; 4. Simbólico (é o que os símbolos nas visões conotam sobre seu referencial histórico). Então, por exemplo, em Ap. 19.7-8 a descrição textual é o nível linguístico, que pode ser lido e/ou ouvido. As imagens da noiva e do linho fino são o que João viu no nível visionário. 3. No nível referencial, a figura do casamento da noiva com o noivo se refere ao regozijo atual dos cristãos em comunhão com Cristo, provavelmente após sua segunda vinda. Finalmente, o nível simbólico se refere ao que nós determinamos ser o sentido preciso da comunhão da noiva com o noivo e da imagem do casamento em geral (o linho fino é explicitamente interpretado como sendo os atos de justiça dos santos). Pelo menos parte desse simbolismo significa a união espiritual consumada da igreja com Cristo, em Sua presença, e a celebração jubilosa associada a essa união final (Beale).

Concluímos que o próprio autor de Apocalipse (João) determina logo no primeiro verso que devemos interpretar seu livro simbolicamente, a menos que o contexto explicitamente se mostre literal (como o autor, a ilha de Patmos, as sete igrejas, etc).     
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Bibliografia:

- Bauckham, Richard, "The theology of the Book of Revelation" (1993).
- W. Bauer, W. F. Arndt, F. W. Gingrich, and F. W. Danker, A Greek-English Lexicon of the New Testament. Chicago: University of Chicago, 1979.
- Beale, G. K. (1999). The book of Revelation: a commentary on the Greek text. Grand Rapids, MI; Carlisle, Cumbria: W.B. Eerdmans; Paternoster Press.
- "John´s use of the Old Testament in revelation",(1998).

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Autor: Willian Orlandi
Divulgação: Bereianos
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A falácia da liderança visionária

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O líder cristão é um visionário — um criador e articulador de visão. Ele é capacitado para formatar e comunicar uma visão com clareza. Ele sabe como motivar os crentes a assumir uma visão rumo a um alvo bíblico e desejável.

Esse é um paradigma difundido na literatura e em congressos cristãos. No contexto episcopal isso é acolhido quase que sem questionamento. O problema é abraçar e tentar implementar essa ideia no contexto de uma liderança bíblica conciliar.

Se a igreja é corpo sacerdotal e o pastoreio do povo de Deus é uma tarefa compartilhada, como imaginar a figura de um líder da visão?

Se, diferentemente dos tempos do Antigo Testamento, Deus “é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Ef 4.6), por que a igreja precisa de um líder visionário?

Se o Novo Testamento apresenta as igrejas locais sendo governadas por presbíteros eleitos pelo povo, onde encontramos, em Atos ou em qualquer epístola apostólica, a figura do líder da visão — o líder que se sobressai, que está sobre os outros, como canal exclusivo da iluminação e direção divina?

Os colegas pastores concordarão que, enquanto caminhamos com a igreja, é tentador imaginar que podemos nos destacar sobre os demais, considerar o ministério (na Escritura um “ministro” é, literalmente, uma pessoa que trabalha em favor de outras) como uma posição de poder e confundir autoridade espiritual com superioridade hierárquica. Somos inclinados a nos esquecer de que fomos chamados para a cruz, e que a igreja é o instrumento divino para nossa santificação e trabalho humilde.

A igreja é, ainda, corpo comum, a comunhão dos santos. Nela eu sou abençoado pela graça divina ministrada por meus irmãos e irmãs. Nesses termos, os presbíteros regentes são coiguais (uma palavra preciosa, destilada da doutrina da Trindade) e os membros da igreja não são meus subordinados. Fui vocacionado para nutri-los com a Palavra e os sacramentos, enquanto sou por eles ajudado em vários aspectos de minha própria peregrinação cristã. Mais do que um líder genial, eu simplesmente busco discernir o que Deus está realizando em nosso meio, o que ele nos orienta pela Escritura e como devemos responder a ele, aqui e agora. Nesse processo, assumimos alvos e trabalhos juntos. Mais do que uma “liderança visionária”, trata-se de “liderança compartilhada”, orientada pela fé, ancorada na Bíblia e regada pela graça.

Nos negócios, a liderança visionária confere dinamismo às organizações que tem de adaptar-se ao mercado globalizado e mutável. Na esfera religiosa, a liderança visionária constrói estruturas “ministeriais” que crescem explosivamente, da noite para o dia. Atrai os holofotes e conquista espaço na mídia e no imaginário popular. A questão, porém, é se isso, de fato, corresponde à igreja do Novo Testamento.

Compreendo os que, de boa vontade, assumem esse paradigma. Eu mesmo já fiz parte dessas fileiras. Hoje a igreja onde sirvo a Deus busca simplesmente ser “uma família de discípulos de Jesus, fundamentada na Bíblia, comprometida com a Reforma, que proclama as boas-novas da salvação, atua na restauração de pessoas e coopera na edificação do Reino de Deus”. Nada mais. Abandonei de vez a falácia da liderança visionária. Oro para que Deus me mantenha firme, até o fim, ao modelo da liderança pastoral estabelecido pelo Senhor Jesus Cristo.

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Autor: Rev. Misael Nascimento
Fonte: Somente pela graça
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Somos uma igreja reformada

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O que é ser um cristão reformado? Talvez, essa definição não seja tão fácil devido à forma tão elástica como alguns desejam dar à identidade reformada.[1] A fim de apresentarmos quem somos não é suficiente apenas descrevermos que historicamente descendemos da Reforma do século XVI. A genealogia da família reformada teve vários desdobramentos, alguns deles se apostataram da teologia reformada, mas Deus preservou uma linhagem fiel. Para provarmos a nossa identidade reformada precisamos justificar o nosso vínculo com o pensamento calvinista original.[2] Creio que podemos aceitar a definição de Joel R. Beeke em dizer que “ser reformado significa enfatizar o abrangente, soberano e amoroso senhorio de Deus sobre todas as coisas: cada área da criação, todos os esforços das criaturas e cada aspecto da vida do crente”.[3] Como cristãos reformados cremos que o nosso Deus criou tudo o que existe, governa todos os eventos pela sua providência, realiza eficazmente a salvação, e conduz tudo para o cumprimento do seu eterno propósito, de modo, que nada foge ao seu absoluto controle. Por isso, todas as demais doutrinas estão centradas em Deus.

O cristão reformado é alguém que vive sob a influência de que a Escritura é a sua única fonte e norma de fé e prática. H. Henry Meeter observa que

o calvinista sustenta que a autoridade da Bíblia é absoluta. Não considera a Bíblia simplesmente como um livro de bons conselhos que o homem pode adotar livremente, se assim o considera conveniente, ou rejeitar se assim lhe parece mais oportuno. A Bíblia é para o calvinista uma norma absoluta à que deve submeter-se totalmente. A Bíblia lhe dita o que deve crer e o que deve fazer; fala com força imperativa. Calvino era muito enfático neste ponto. Se a Bíblia fala, somente há uma alternativa: obedecer.[4]

O cristão reformado não é alguém que cegamente se submete a liderança de homens, instituições ou a movimentos. A sua submissão é ao Senhor Deus que revelou a sua vontade na Escritura Sagrada. Ele somente é sujeito a qualquer autoridade, desde que ela esteja de acordo com a Palavra de Deus. Alguns princípios norteiam o cristão calvinista em relação a Deus, ao próximo e a sua percepção da realidade ao derredor:[5]

  1. Ele mantém uma mentalidade teocêntrica.
  2. Possui um estado de espírito de contrição e de dependência.
  3. É movido por um coração grato dominado pelo contentamento.
  4. Suporta todas as coisas com uma vontade submissa.
  5. Persevera na santidade pela obediência da lei moral.
  6. Visa o propósito de glorificarmos a Deus em todas as esferas da sua vida.

É sempre relevante instruir que somos cristãos reformados e não meros evangélicos. Em meio à atual confusão, bem como as tendências pluralistas e inclusivas do evangelicalismo, precisamos nos distinguir. Vivemos um momento crítico de impureza doutrinária, e vemos ensinos nocivos se infiltrando até nas igrejas de origem reformada. Embora descrevendo o contexto das igrejas evangélicas nos EUA, James M. Boice e Philip G. Ryken diagnosticaram o que também parece ser a tendência do evangelicalismo brasileiro. Mas, infelizmente esta parece ser uma situação que começa a ser a realidade de algumas igrejas presbiterianas no Brasil. Eles denunciaram que

o que uma vez foi falado das igrejas liberais precisa ser dito das igrejas evangélicas: elas buscam a sabedoria do mundo, creem na teologia do mundo, seguem a agenda do mundo, e adotam os métodos do mundo. De acordo com os padrões da sabedoria mundana, a Bíblia torna-se incapaz de alimentar as exigências da vida nestes tempos pós-modernos. Por si mesma, a Palavra de Deus seria insuficiente de alcançar pessoas para Cristo, promover crescimento espiritual, prover um guia prático, ou transformar a sociedade. Deste modo, igrejas acrescentam ao simples ensino da Escritura algum tipo de entretenimento, grupo de terapia, ativismo político, sinais e maravilhosas – ou, qualquer promessa apelando aos consumidores religiosos. De acordo com a teologia do mundo, pecado é meramente uma disfunção e salvação significa desfrutar de uma melhor autoestima. Quando esta teologia adentra a igreja, ela coloca dificuldades em doutrinas essenciais como a propiciação da ira de Deus, substituindo-a por técnicas e práticas de auto-aceitação. A agenda do mundo é a felicidade pessoal, assim, o evangelho é apresentado como um plano para a realização pessoal, em vez de ser a caminhada de um comprometido discipulado. Para terminar, vemos que os métodos do mundo nesta agenda egocêntrica são necessariamente pragmáticos, sendo que as igrejas evangélicas estão se esforçando a todo o custo em refletir o modo como elas operam. Este mundanismo tem produzido o “novo pragmatismo” evangélico.[6]

Somos evangélicos no sentido de crermos no evangelho, todavia, preferimos não ser identificados no uso comum do termo. E, isto pelo simples motivo: para que não sejamos confundidos com esta tendência de desvio do antigo evangelho de Jesus. Os cultos de muitas igrejas evangélicas estão cheios de elementos estranhos, práticas místicas que se assemelham às seitas espíritas, doutrinas de homens e uma ausência da fiel exposição da Escritura, da correta ministração da ceia do Senhor, bem como da zelosa aplicação da disciplina bíblica. Essas comunidades por causa de sua infidelidade ao ensino da Escritura estão se tornando cada vez menos puras.


Mas, por que conhecer a própria identidade? Transcrevo aqui o sábio conselho de Beeke em que ele adverte que

se não conhecermos nossa herança reformada, a ignorância levará à indiferença, e a indiferença ao abandono. Aconselho-o a que estude o pensamento reformado. Mergulhe nos escritos de calvinistas firmes e renomados. [...] Se não apreciarmos a nossa herança reformada, a nossa fé perderá a autenticidade. Ninguém sentirá interesse pelo calvinismo, porque nos faltará paz, alegria e humildade verdadeiras. E, se não vivermos nossa herança reformada, não seremos sal na terra. Quando o sal perde a sua salinidade, não presta para nada, exceto para ser lançado fora e ser pisado pelos homens (Mt 5:13).[7]

Quando vivemos a tradição reformada honramos os milhares de servos que Deus usou para forjá-la. Não adoramos a tradição em si, mas cremos que ela é útil para identificar as nossas origens. Ela tem o papel de preservar a herança que recebemos dos reformadores. Quando subscrevemos estes documentos estendemos a nossa destra para irmãos de diferentes períodos e países que viveram pela fé reformada, e ao lado deles glorificamos ao soberano Deus.


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Notas:
[1] Por exemplo, refiro-me ao que fez John Leith agregando à tradição reformada homens e mulheres, bem como denominações e movimentos doutrinários bem pluralistas que negam a nossa tradição confessional reformada. Veja John Leith, A tradição reformada – uma maneira de ser a comunidade cristã (São Paulo, Associação Evangélica Literária Pendão Real, 1996).
[2] Holmes Rolston III afirmou um afastamento de Calvino e os teólogos de Westminster dizendo que “inovações teológicas eram a obra de seus sucessores” in: John Calvin versus the Westminster Confession (1972), p. 23 citado por Paul Helm, “Calvin and the Covenant: Unity and Continuity” in: The Evangelical Quarterly, p. 66. Entretanto, o que Joel R. Beeke declarou acerca da doutrina da segurança da salvação, também podemos concluir das demais áreas teológicas, que a diferença entre Calvino e o calvinistas posteriores, especialmente os teólogos de Westminster, em relação ao desdobramento teológico da teologia reformada é quantitativamente além, mas não qualitativamente contraditória às de Calvino. Veja Joel R. Beeke, A Busca da Plena Segurança – O Legado de Calvino e Seus Sucessores (São Paulo, Editora Os Puritanos, 1999), pp. 19-20.
[3] Joel R. Beeke, Vivendo para a glória de Deus – uma introdução à fé reformada (São José dos Campos, Editora Fiel, 2010), p. 57.
[4] H. Henry Meeter, The basic ideas of Calvinism (Grand Rapids, Baker Books, 6a.ed. rev., 1990), p. 28.
[5] Adaptado de James M. Boice & Philip G. Ryken, The doctrines of grace – rediscovering the evangelical gospel (Wheaton, Crossway Books, 2002), pp. 179-199.
[6] James M. Boice & Philip G. Ryken, The doctrines of grace – rediscovering the evangelical gospel, pp. 20-21.
[7] Joel R. Beeke, “Prefácio” in: Vivendo para a glória de Deus – uma introdução à fé reformada, p. 16.

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Autor: Rev. Ewerton B. Tokashiki
Fonte: Estudantes de Teologia
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