Uma resposta ao texto de Ronilso Pacheco, sobre a “cultura do estupro” na leitura bíblica

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O que segue neste artigo é uma refutação ao texto: "Porque a cultura do estupro também descansa sob a sombra da nossa leitura bíblica", de Ronilso Pacheco.

Monstrum exitiabile, ira telluris genitum – “monstro mortal ali vivia, gerado pela Terra em sua fúria”, já dissera Silius Italicus. A frase que designava toda sorte de criaturas medonhas que viviam em antros, cavernas e nichos ocultos pode ser hoje perfeitamente atribuída aos produtos literalmente residuais que encontramos, a distância de um simples toque do mouse, nas redes sociais. Dentre as criações teratológicas resultantes da simbiose do humanismo com a inclusão digital e a ociosidade, talvez a mais curiosa seja a figura, mítica evidentemente, do cristão de esquerda. O “cristão de esquerda” (contradição em termos) não pode ser considerado cristão nem no sentido metafórico do termo. É um hibridismo bizarro que transita entre a esquizofrenia teológica e a apostasia pura e simples. É possível listar dois tipos: o primeiro é o sujeito mediano, o crente de certa forma honesto em suas crenças, mas ainda incapaz de organizar e sistematizar suas ideias. Incapaz de compreender que o âmago do marxismo não é a distribuição equitativa dos bens, mas, sim, a supressão da propriedade privada, não percebe a contradição entre a defesa recorrente, por parte das Escrituras, da posse da terra pelos seus proprietários originais e a tentativa de estatização de todos os meios de produção que é essencial nos governos que levam a cabo, mediante engenharia social e violência, os ideais do socialismo científico. Esse tipo de cristão marxista, em última análise não conhece as Escrituras, e somente reproduz aquilo que ouve no jornalismo, na academia e mesmo (infelizmente) em algumas comunidades eclesiásticas. É antes vítima do marxismo cultural niilista que, quando não destrói a alta cultura, a anula mediante o reducionismo de seus raciocínios que interpretam o real em categorias econômicas falsificadas. 

segundo tipo de “cristão marxista” é, todavia, mais virulento e mais nocivo. Geralmente graduado em alguma faculdade, é o “cristão” engajado. Sua premissa é o que pensam os homens sobre os homens; suas bases bibliográficas, Foucault, Marcuse, Marx e Lênin. Porém, paradoxalmente, se envergonha da herança doutrinária a que foi submetido na faculdade ou nos simpósios da Missão Integral. Afinal, ele é “cristão”! “Como”, pensa o engajado, “articular duas visões absolutamente antagônicas?”. A fim de reparar sua consciência “cristã” afligida por princípios a ela estranhos, literalmente remendando trapos podres em tecido novo, esse “cristão”, por um lado, não se declara abertamente como marxista; e, por outro, levianamente, faz uso da Palavra de Deus para, tortuosa e cinicamente, utilizá-la para fundamentar suas piruetas exegéticas e hermenêuticas. Essencialmente, como na rica imagem de Tiago de Oliveira Cavaco (neste artigo), vale-se da “frase de efeito como elástico para saltos epistemológicos”.

Ora, o “crente” engajado é, em última análise, um apóstata, sua figura triste e perniciosa pode ser definida por aquilo que diz Judas em sua carta, no verso 4: “Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais, desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta condenação, homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo”. Ele prossegue no versículo 10: “Estes, porém, quanto a tudo o que não entendem, difamam; e, quanto a tudo o que compreendem por instinto natural, como brutos sem razão, até nessas coisas se corrompem”. Obviamente, Judas não trata aqui direta e especificamente dos engajados (o que seria um anacronismo), todavia, suas asserções contra os falsos mestres de sua época servem de lição e fundamento para os dias de hoje.

O “crente” engajado falsifica a Bíblia; nas suas obscuras oficinas de prestidigitação, cunha termos, conceitos vagos e flatus vocis que, essencialmente, não possuem significado, mas visam somente mistificar a realidade ou, como a novilíngua de Orwell, impedir qualquer raciocínio fidedigno. Os princípios do Sola Scriptura (Somente as Escrituras) e do Tota Scriptura (A totalidade das Escrituras) são manchados pela impertinência arrogante do esquerdismo ateu. No ideário esquizofrênico do engajado, as mazelas do mundo são explicadas pela “luta de classes” e não pela depravação do homem causada pela desobediência à Lei de Deus; de semelhante modo, o motor da História, por assim dizer, não é a Providência divina, que administra e conduz todas as coisas, eventos, pessoas a em direção a um ponto no qual o próprio céu virá ao encontro da terra, mas, sim, novamente a “luta de classes”[1], fruto da concepção hegeliana do “conflito de interesses”. 

Na mente tortuosa do engajado, a Bíblia não é segura e muito menos suficiente – em suma, não é a Palavra inerrante de Deus. Eis a fonte de toda apostasia. Na sua oligofrenia, ele coloca em xeque a veracidade absoluta da revelação, apenas para satisfazer sua leitura enviesada e anticristã da Criação. Nosso objetivo, contudo, não é tratar especificamente da impossibilidade de reconciliação entre o pensamento marxista e a vida e doutrina cristãs. Há vários outros textos que tratam sobre esse tema especificamente (Jesus e Marx: o diálogo impossível, O perigo do marxismo cultural, Atos dos Apóstolos não ensina o marxismo/comunismo)

Nosso presente objetivo é tratar especificamente do caso mais recente e sintomático do “crente engajado”, exemplo que atesta antes a insanidade e a deturpação deliberada da verdade bíblica. Fosse escrito por um neoateu ou um humanista que jamais tivesse lido as Escrituras na sua totalidade e, portanto, ignorasse o mais básico aparato  exegético, poderíamos simplesmente deixar o texto trilhar seu destino rumo ao esquecimento inevitável; entretanto, lastimavelmente o conjunto de frases desconexas, que num esforço sôfrego tentam manter uma unidade quimérica, foi supostamente escrito e postado por um “evangélico”.   

O “texto” elenca uma série de passagens bíblicas, que, segundo o autor, fundamentariam aquilo que o feminismo designa de “cultura do estupro”. O autor usa oito textos, do Antigo e Novo Testamentos, para (pasmem!) responsabilizar a cultura judaico-cristã pela disseminação da tal "cultura do estupro". 

Abaixo segue os exemplos elencados pelo autor e a refutação (ou mais especificamente uma simples apresentação de seu significado original sem os véus negros de leituras ideologicamente enviesadas) a cada um deles:

A CULTURA DO ESTUPRO está presente quando a gente passa por um texto que fala do estupro coletivo covarde de uma jovem, entregue a tantos homens, pelo seu próprio pai, (sic) não torna isso um ponto de partida para discutir a fragilidade e condição vulnerável da mulher, desde sempre, na nossa tradição judaico-cristã (Juízes 19:24-29).


1) Juízes 19:24-29: o excerto narra a história de um levita que toma para si uma mulher de Belém como concubina. Após se aborrecer dele, a concubina se dirige para casa do pai. O levita, por sua vez, vai em busca dela e a traz de volta. No caminho, entretanto, ela é estuprada por homens da cidade de Gibeá. O que o nosso exegeta engajado esqueceu de mencionar é que, no versículo 22 do mesmo capítulo, o escritor bíblico chama os estupradores de filhos de Belial, isto é, filhos do demônio, pessoas completamente destituídas de piedade e moral. O cerco de homens lascivos imediatamente traz à memória a mesma perversão de Sodoma e Gomorra, quando os homens, além de não cumprirem o ritual da hospitalidade, um dos deveres mais sagrados na Antiguidade, também buscavam estuprar os mensageiros celestiais. Ademais, o intérprete marxista parece não levar em conta a estrutura geral do livro de Juízes; ora, não somente comentadores bíblicos, mas mesmo filósofos morais apontam para esse livro como a evidência de que, sem lei e governo, a sociedade irremediavelmente se entrega à anarquia moral. Por isso, há uma espécie de refrão no livro: “Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada qual fazia o que achava mais reto” (Juízes 17:6; ver também 21:25; 18:1; 19:1). Tendo isto em vista, nem o mais simplório dos exegetas chegaria à conclusão de que o redator do livro aprovou o estupro coletivo; pelo contrário, ele o menciona como evidência da desagregação moral de Israel. A deformação hermenêutica do sr. Ronilso é análoga a um leitor incauto que, lendo os relatos dos horrores dos gulags de Alexander Soljenítsin, afirmasse, com todas as letras, que o escritor russo aprovava as medidas brutais de Stálin[2]. Trata-se de ignorância hermenêutica ou de restidigitação do engajado? Cremos que aqui há, para se valer de terminologia marxista, uma certa relação dialética. No versículo 29, o levita, após perceber que a mulher estava morta, a esquarteja com um cutelo. Evidentemente, o objetivo é mostrar a total decadência moral do levita, o qual supostamente, como trabalhador do templo, deveria ser um exemplo de piedade e compaixão. O próprio ato de mutilação é, na verdade, uma versão profana e sórdida do ritual que geralmente era realizado para selar as alianças, quando se dividia um animal ao meio, num ato simbólico que amaldiçoava o transgressor do pacto a sofrer o mesmo destino do animal (Cf. Gênesis 15:10; Jeremias 34:18). No versículo 30, porém, é dito: “Cada um que a isso presenciava aos outros dizia: Nunca tal se fez, nem se viu desde o dia em que os filhos de Israel subiram da terra do Egito até ao dia de hoje; ponderai nisso, considerai e falai.” Israel, desde seu êxodo, praticara inúmeros pecados, dentre eles idolatria, fornicação, adultério, etc., no entanto, até mesmo esses transgressores de dura cerviz reconheceram o caráter horrendo desse acontecimento. Portanto, fica evidente que o ato do levita não fora fruto de uma ordenança de Deus, mas, sim, um ato isolado, fruto da perversidade que grassava em toda a nação. A Bíblia simplesmente narra a história, a fim de enfatizar que o desprezo à lei de Deus traz toda sorte de imoralidade e crueldade. Por fim, é irônico que o sr. Ronilso não mencione as heroínas de Juízes, mulheres que foram não somente padrões de piedade, mas também de coragem e liderança política. “Débora, profetisa, mulher de Lapidote, julgava a Israel naquele tempo” (Juízes 4:1), isto é, Débora governava sobre o povo de Israel. Ademais, foi também comandante das forças israelitas na batalha contra Sísera: “...pois às mãos de uma mulher o Senhor entregará a Sísera. E saiu Débora e se foi com Baraque para Quedes” (Juízes 5:9). Com efeito, foi Jael, mulher de Héber, que num exemplo de coragem matou com uma estaca e um martelo a Sísera, comandante das forças inimigas: “Bendita seja sobre as mulheres Jael, mulher de Héber, o queneu; bendita seja sobre as mulheres que vivem em tendas” (Juízes 5:24). O redator do livro de Juízes exalta a coragem e intrepidez dessas mulheres, elencando-as como heroínas do povo de Israel.

A CULTURA DO ESTUPRO está presente quando a gente consegue ignorar a história de uma mulher como Agar, negra, escrava de Sara e de Abraão, que é não só violentada pelo patrão, a pedido de sua patroa, como é expulsa por Sara, com o pequeno Ismael nos braços, por causa do ciúme desta que é nossa matriarca da fé cristã, ao lado de Abraão, pai da fé. Somente Deus intervém por ela. Nós invisibilizamos a sua história, porque a de Sara e sua família perfeita é mais importante (Gênesis capítulos 16 e 25).

2) Gênesis, capítulos 16 e 25: Os dois capítulos narram a escolha soberana de Deus por Sara e sua semente, bem como o cuidado de Deus com Agar e seu filho. Não há nenhuma menção ao fato de Agar ser negra, a despeito da afirmação do autor[3]. O texto somente menciona sua origem egípcia. Todavia, ler um texto da Antiguidade com as lentes das atuais circunstâncias sociais é não somente desonestidade intelectual, mas também uma ação que viola a integridade do texto bíblico. A começar, os egípcios não eram uma nação inferiorizada ou desprezada; pelo contrário, conforme é visto no próprio livro de Gênesis, possuidor de uma forte agricultura e de um poderoso exército, o Faraó acolheu e deu refúgio a Abraão e sua esposa (Gênesis 12:10). Agar, na verdade, sendo serva (situação que não pode ser histórica e socialmente comparada à escravidão segundo os termos imperialistas), afrontou sua senhora, o que, na mentalidade de outros povos antigos, com exceção de Israel, era passível de morte. Abraão, contudo, para preservar a herança de seu filho (lutas sangrentas entre irmãos pela herança do pai eram habituais naquele tempo) Isaque, despediu em paz sua serva, embora, como a Bíblia deixa extremamente claro, foi para si uma situação extremamente angustiante: “Pareceu mui penoso isso aos olhos de Abraão, por causa de seu filho” (Gênesis 21:11). Abraão, todavia, estava simplesmente aquiescendo ao pedido de sua esposa, Sara, conforme visto no versículo imediatamente anterior (v. 10). Se fosse o caso de Abraão e a Bíblia serem signos do chauvinismo, como o sr. Rodolfo parece compreender, o patriarca sem dúvida teria não somente cumprido sua própria vontade, como teria repreendido à força bruta sua esposa. Pelo contrário, vemos que Abraão respeitou a vontade de sua esposa a despeito de seus sentimentos para com seu filho Ismael. Por fim, novamente podemos aplicar um dos princípios hermenêuticos mais básicos: Nem todo conteúdo relatado pela Bíblia é por ela aprovado.

A CULTURA DO ESTUPRO se manifesta quando a gente continua exaltando Davi como homem segundo o coração de Deus e menospreza o fato dele ter coisificado, sexualizado, objetificado uma mulher, Bate-Seba, companheira de um soldado seu, à ponto de armar para este homem uma armadilha de morte, para (sic) ele, como rei, ficasse (sic) com sua mulher. A mulher coagida por um homem do poder, seduzida, abusada (2Samuel 11:2-3).


3) 2 Samuel 11:2-3: A famosa narrativa do adultério de Davi. Aqui é importante ressaltar uma das pérolas do texto: "A cultura do estupro se manifesta quando a gente continua exaltando Davi como homem segundo o coração de Deus e menospreza o fato dele ter coisificado, sexualizado, objetificado uma mulher...". A apostasia chega às raias do paroxismo e a própria estrutura da linguagem parece recusar a se submeter a tamanho disparate. “A gente continua exaltando Davi como homem segundo o coração de Deus...”, ora, quem exaltou Davi foi Deus (Atos 13:22), e não nós. Ademais, a própria Bíblia, neste caso, condena imediatamente a ação perversa de Davi através do Profeta Natã (2 Samuel 12:1-15): “Por que, pois, desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o que era mau perante ele? A Urias, o heteu, feriste à espada; e a sua mulher tomaste por mulher, depois de o matar com a espada dos filhos de Amom” (v. 9). E o castigo divino é também prontamente anunciado: “Agora, pois, não se apartará a espada jamais da sua casa, porquanto me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher” (v. 10). O restante do livro narra, com detalhes, as consequências do crime e pecado de Davi, as quais, por causa da limitação desta própria resposta, não podemos tratar presentemente. Além disso, o Salmo 51, o maior cântico de penitência, tema, inclusive, de composições de Bach, relata o desespero ao qual Davi foi lançado pelo seu pecado e sua esperança no perdão de Deus. Destarte, torna-se evidente que, em momento algum, o relato bíblico da vida de Davi fornece quaisquer elementos que promovam a denominada “cultura do estupro”, independentemente do que isto signifique no arsenal conceitual do engajado.

A CULTURA DO ESTUPRO É QUANDO a gente continua lendo o livro de Oséias com essa mesma ilustração machista e medíocre, em que Oséias, homem, é o sujeito honesto e puro, que se relaciona com Gomer, mulher, prostituta, que serve para ilustrar a infidelidade do povo de Israel. A gente não entende que o que se contrapõe a Deus não é a vida de Gomer, mas a condição a que ela chega, fruto do contexto social conduzido pelo próprio estado e a religião, que juntos, usam a prostituição. O Estado usava as festas religiosas para tal (livro de Oséias).

4) Livro de Oséias: Deus ordenou que o profeta se casasse como Gômer, uma prostituta; ora, a prostituição cultual, da qual Gômer fazia parte provavelmente como uma das sacerdotisas, era abominável aos olhos de Deus e só foi promovida por reis durante a apostasia mais sórdida de Israel, mais especificamente na época de Jezabel, espécie de protofeminista. O sr. Ronilso, ignorando não somente as noções mais básicas da História de Israel mas também as da lógica, afirma: “a vida de Gômer... fruto do contexto social conduzido pelo próprio estado e a religião, que juntos, usam a prostituição. O Estado usava as festas religiosas para tal”. Como é possível que a religião de Javé, que condenava veementemente a prostituição cultual, pudesse incentivá-la ou promovê-la? Na verdade, a leitura mais superficial de Oséias demonstra o amor de Deus pelo seu povo que, tendo abandonado seu Senhor, entregou-se a outro senhor (a palavra Baal significa, dentre outras coisas, senhor, mestre ou marido). 

A infidelidade conjugal de Gômer é, na estrutura global do livro, uma analogia à infidelidade cultual do povo de Israel (ver também Ezequiel 16; Isaías 1:21). Em tempo: a comparação entre a prostituição cultual à qual Gômer se submetera por vontade própria à atual situação de jovens que, por motivos vários, se prostituem, é histórica, social e culturalmente falsa. A prostituição cultual, como a própria expressão designa, e em contraste com a prostituição atual, possuía o caráter religioso; os ritos sexuais promovidos em orgias em honra a Baal ou Astarote visavam a fertilidade dos campos e a multiplicação da família. Ademais, o casamento com uma prostituta -- tal como no caso de Oséias -- era tido como um ato de resgaste, pois com ele a mulher readquiria seus direitos na sociedade (é por isso que no livro de Isaías, capítulo 4, verso 1, é-nos dito que, no estado de calamidade ao qual Judá seria submetido, as mulheres se casariam com os poucos homens restantes apenas para se livrarem de seu opróbrio). 

A CULTURA DO ESTUPRO está quando a gente continua culpabilizando a mulher no capítulo 8 do Evangelho de João, assumindo a fala de sua acusação de adultério, mesmo o texto mostrando o machismo violento e arrogante dos homens, velhos e jovens, que a trouxeram para cumprirem com satisfação a lei que os livravam de qualquer responsabilidade de violação contra as mulheres, mas puniam esta por qualquer reivindicação de decisão sobre o corpo (João 8:1-11).

5) João 8:11: No texto em questão, Jesus não está tratando de sexismo ou de quão misóginos eram os líderes religiosos judeus. Ele condena a hipocrisia dos legalistas e anuncia a graça como mediadora da salvação. Outrossim, há aqui uma profunda ignorância com relação à própria lei que o sr. Ronilso veementemente critica. A afirmação de que “a lei que os livravam de qualquer responsabilidade de violação contra as mulheres” é não somente falsa, mas é precisamente o oposto do que se encontra estabelecido na lei bíblica. A lei mosaica enfatizava claramente que tanto o homem quanto a mulher que fossem flagrados em adultério deveriam ser condenados (Levítico 20:10; Deuteronômio 22:22). De modo semelhante, todo o capítulo 20 de Levítico lista sentenças principalmente contra os HOMENS: “o homem que se deitar com a mulher do seu pai” (v. 11); “o homem que se deitar com sua nora” (v. 12); “o homem que se deitar com outro homem” (v.13); “o homem que tomar uma mulher e sua mãe” (v. 14); “o homem que se deitar com mulher no tempo da enfermidade dela” (v. 18), etc. 

Também Deuteronômio condena à morte o homem que violentasse uma mulher: “Porém, se algum homem no campo achar moça desposa, e a forçar, e se deitar com ela, então, morrerá só o homem que se deitou com ela” (Deuteronômio 22:25). Estamos, pois, perante um caso patológico de desonestidade intelectual ou de absoluta incapacidade interpretativa. 

A CULTURA DO ESTUPRO ESTÁ NO ARCABOUÇO dessa leitura que não nos choca, e não nos serve de nenhuma ilustração, o fato do grande sacerdote Esdras, ter proposto como solução para recuperação da fidelidade do povo de Israel a Deus, a expulsão de TODAS as mulheres estrangeiras junto com os seus filhos, para purificar o povo. Matrimônios desfeitos, mulheres largadas solitariamente para fora do território, para que o povo (na verdade os homens) fossem purificados. Coisa que Hitler fez, e achamos um absurdo (Esdras capítulos 9 e 10).

6) Esdras 9 e 11: Deus, através de Esdras, líder do segundo grupo de hebreus que retornaram do exílio babilônico, como escriba e temente ao Senhor, ordena a separação do povo escolhido para que não se contaminassem com a idolatria dos povos ímpios. 

O povo de Israel acabara de retornar do exílio babilônico, ao qual foram condenados precisamente por causa de sua infidelidade à lei do Senhor. Em certa passagem do livro de Números, cerca de 800 anos dos acontecimentos descritos em Esdras, o povo fora corrompido por uma estratégia de Balaão: o casamento misto – “Habitando Israel em Sitim, começou o povo a prostituir-se com os filhos dos moabitas. Estas convidaram o povo aos sacrifícios dos seus deuses; e o povo comeu e inclinou-se aos deuses delas. Juntando-se Israel a Baal-Peor, a ira do Senhor se acendeu contra Israel” (Números 25:1-3). Esdras, antevendo talvez uma repetição dessa situação, despede as mulheres para que a ira de Deus não recaísse novamente sobre o povo de Israel. Além disso, ao que tudo indica, as mulheres, juntamente com seus filhos, foram despedidas com provisões, como no caso anteriormente citado de Abraão. Não há sentido em dizer que houve “matrimônios desfeitos”, sendo que, no contexto cultural e religioso do Antigo Israel, essas uniões não eram sequer consideradas legítimas. Por fim, o sr. Ronilso afirma que tal ato de expulsão pode ser, de alguma forma, comparado aos atos execráveis de Hitler: “Coisa que Hitler fez, e achamos um absurdo”. Vemos aqui o típico reductio ad Hitlerum[4], falácia que, com vistas a gerar um sentimento de ojeriza para com a outra parte da discussão, busca invalidar ou obnubilar a verdade dos fatos. Segundo o que consta nos relatos, arquivos e testemunhos históricos indubitáveis, os únicos lugares para os quais os desafetos de Hitler eram conduzidos eram as câmaras de gás ou os trabalhos forçados e desumanos nos campos de concentração. Dessa forma, comparar o genocídio perpetrado por Hitler com a expulsão de mulheres promovida por Esdras denuncia, antes de tudo, uma falsa absoluta do senso de proporção. 

A CULTURA DO ESTUPRO DESCANSA SOB A SOMBRA da interpretação em que continuamos nos digladiando discutindo o protagonismo das mulheres na Igreja. Homens decidindo se elas devem ou não ter, devem ou não falar, etc. E continuamos com essa medíocre subalternidade da mulher justificada, de maneira não só machista mas também prepotente, pela leitura arcaica das palavras de Paulo (algumas duvidosamente atribuídas a ele) como em Coríntios (1Coríntios 14:33-35).

7) 1Coríntios 14: 33-35: O velho argumento do “machismo” de Paulo. O que o autor esquece ou finge não se lembrar é a continuidade do argumento de Paulo no versículo 37: “Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo.” Ou ainda o que ele ensina para Timóteo em 1 Timóteo 2:9-13. Independente de nossas opiniões eivadas de pretensa autonomia, Deus definiu e assim será. O que, todavia, está claro no pensamento paulino é que o homem deve amar sua esposa como Cristo amou Sua igreja (Efésios 5) – desse modo, o padrão bíblico para o homem é amar com amor autossacrificial sua esposa, e não, como retratam os argumentos espantalhos das feministas, o indivíduo opressivo, autoritário e obtuso. 

SÓ A CULTURA DO ESTUPRO justifica a gente não problematizar nos nossos sermões, situações como a vivida por Tamar, jovem não apenas abusada, violentada, sem direito sobre o próprio corpo, como impedida até de partilhar do prazer e do gozo da relação que tinha (Gênesis 38).

8) Gênesis 38: Onde está a injustiça sexista no texto? Em lugar nenhum, pois somente existem na fantasmagoria eisegética de quem interpreta distorcidamente o texto bíblico, violentando (quem lê entenda) a estrutura sintática mais básica! Ao contrário, o que fica patente é o arrependimento de Judá quando descobre que havia engravidado Tamar, tomando-a por uma prostituta cultual: “Reconheceu-os Judá e disse: Mais justa é ela do que eu, porquanto não a dei a Selá, meu filho. E nunca mais a possuiu (Gênesis 38:26). De semelhante modo, ele reconhece seu erro de não ter exigido que seu filho cumprisse a lei do levirato que, curiosamente, servia para amparar e proteger a mulher naquela sociedade, garantindo não apenas seus direitos sociais, mas também o cuidado, por parte dos filhos, durante a velhice.  

Considerações finais

Por fim, sendo o autor visivelmente marxista, torna-se claro que sua deturpação deliberada da Palavra de Deus o condena como cristão. Com a análise cirúrgica de seus posicionamentos, a máscara simplesmente se desfaz! Não há qualquer vestígio de cristianismo em seu texto, por mais condescendentes que sejamos. O que temos perante nós é um amontoado torpe de má exegese e desonestidade intelectual, característica do duplipensar esquerdista. O sincretismo doutrinário é pérfido, travestido de uma pretensa piedade e apuro intelectual no manejo com o texto bíblico. Conspurcar a simplicidade e a inerrância absoluta da Palavra de Deus é chamar o próprio Deus de mentiroso, o que evidentemente é blasfêmia. Os "cristãos" engajados não são cristãos, são, antes, ateus e blasfemos. 

Ora, “cristão engajado, sua opinião em nada altera a vontade do Deus soberano. Ele não se dobra ao seu julgamento ou aos seus critérios humanos e depravados de justiça. Antes, faz e fará tudo que Lhe aprouver. Desse modo, a despeito de seus conceitos forjados nos laboratórios da utopia, o Altíssimo assim define a conduta do homem cristão diante da mulher: “Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dignidade, porque sois, juntamente, herdeiros da mesma graça de vida, para que não se interrompam as vossas orações”.

Em tempo: o autor do texto, Ronilso Pacheco, é o mesmo que publicou em sua página do Facebook, no dia 3/5, um texto chamado "AS IGREJAS TAMBÉM DEVERIAM SER OCUPADAS". Defendendo que as igrejas fossem ocupadas pelos movimentos ideológicos que assolam o país. Se Jesus expulsou, com rigor, os cambistas no templo, que dirá daqueles que, partindo de uma base falsamente bíblica, defendem a ocupação ilegal dos locais de cultos? Certamente Ele novamente dirá: “A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a fazeis covil de ... Porém vós a transformastes num covil de estelionatários!” (Mateus 21:13).

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Notas:
[1] Conforme o próprio Marx assevera em seu Manifesto Comunista: A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e aprendiz; numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta.
[2] É interessante que no capítulo anterior, Juízes 17, é-nos dito acerca do ídolo que Mica mandou forjar para si, bem como da casa de deuses que montou para si. No entanto, cremos que nem mesmo o indivíduo que conhece apenas superficialmente a fé cristã ou judaica afirmaria, a partir desse texto, que Deus recomenda a idolatria.
[3] Talvez seja resultado de seu devaneio ideológico.
[4] O termo foi cunhado por Leo Strauss na década de 50 para designar as posturas comumente assumidas em debates sobre temas políticos, nos quais uma das partes, numa variação da falácia ad hominem, acusava a outra de sustentar posições semelhantes ao genocida nazista. 

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Autores: Davi Peixoto e Fabrício Tavares de Moraes
Divulgação: Bereianos
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3 comentários

Excelente texto! Parabéns pelo texto e pela paciência de destrinchar e rebater tais aberrações!

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Dizer mais o quê? O texto é imexível e inalteravelmente, uma perfeita e digna refutação! Preciso ler, agora, o texto refutado do Ronilso Pacheco...

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Que tal se a casa dele fosse ocupada?

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