Apologética não é bang-bang

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Por Thiago Oliveira


Antes de mais nada, precisamos definir “Apologética”. Pois bem, esta palavra significa “defesa verbal”. Quando falamos em Apologética, quase sempre nos referimos a defesa do Evangelho, pois foi no Cristianismo que ela foi desenvolvida. Os apologistas foram aqueles que de maneira sistemática, explanaram e demonstraram o Evangelho como sendo uma fé digna de credibilidade, autenticidade e superioridade com relação as demais religiões. Atualmente, as redes sociais disseminaram as práticas apologéticas, sobretudo, em páginas e blogs de confissão reformada, todavia, existe algo preocupante no tipo de apologética que encontramos na websfera.

Defender a fé é uma recomendação bíblica. Mas, gostaria muito que nós pudéssemos meditar nas seguintes palavras do apóstolo Pedro:

Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós.” (1 Pedro 3.15)

A primeira coisa a que chamo a atenção é o fato de que antes de defendermos o Evangelho, Cristo precisa ser santificado (i.é. separado) como o Senhor do nosso coração, local de onde procedem as fontes da vida (Pv 4.23). Cristo deve ter o domínio daquilo que pensamos e também deve dominar sobre a nossa conduta. Então, sendo Ele o Senhor, toda a honraria deve ser dada somente para Ele. Lembremos do louvor paulino (Rm11.36): “Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém”.

Tendo Cristo o domínio de nosso ser e da nossa prática, estaremos prontos para responder a qualquer um que nos indagar acerca de nossa esperança. O termo “qualquer”, usado por Pedro, é inclusivo e nos remete a todo tipo de circunstância. Desde a defesa perante um tribunal, num contexto de perseguição ao Evangelho, ou até mesmo uma resposta para um detrator da Palavra ou para alguém que verdadeiramente anseie escutar sobre as boas-novas, ou melhor, escutar sobre a esperança que temos em nosso Salvador, no qual cremos piamente que estamos nEle guardados e salvos da ira vindoura que recairá sobre os pecadores no dia do Juízo.

Todavia, a nossa resposta deve ser dada com mansidão. Aqui temos que novamente nos reportar para a santificação de Cristo em nossos corações. Pois, se Ele foi manso (Mt 11.29), porque então nós haveríamos de ser diferentes? Estaria o servo acima de seu Senhor? Absolutamente, não! No entanto esta mansidão tem faltado entre aqueles que dizem ter zelo pela sã doutrina. Diversos fóruns em blogs e redes sociais mostram a cólera com que irmãos tratam irmãos. Não falo nem da relação do cristão com um não-cristão. Basta ser de uma denominação ou corrente teológica diferente para vermos um verdadeiro “bang-bang”. Homens que querem vencer seu oponente em argumentos, muitas vezes, para satisfazer seu ego e não para glorificar a Deus.

Alguns destes irascíveis costumam citar Paulo como se a atitude do apóstolo coadunasse com o descabido furor que exalam pelos quatro cantos. Mas, seria mesmo Paulo alguém que defendia o Evangelho com agressividade? Vejamos o que ele ensina:

Em Colossenses 4.6 ele afirma que “a vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um.” Aqui o apóstolo alerta que o modo de se falar é tão importante quanto o conteúdo. A figura de linguagem utilizada, temperar com sal, remete a uma tradução rabínica de tratar a Torá como o sal, conservante da pureza, que torna o alimento agradável ao paladar. Precisamos evitar os extremos. Uma comida insossa é ruim, tal como uma comida muito salgada. É preciso então equilibrar a balança, saber quando e como devemos falar do Evangelho, não para ganhar uma discussão, este nunca foi o objetivo paulino, mas sim para ganharmos as pessoas para a Verdade. Para que tenhamos êxito na nossa apologética, é extremamente necessário termos respeito e amabilidade para com o nosso próximo, por mais equivocado que ele esteja. Não quer dizer que devemos aceitar seu erro e sermos indulgentes. Digo apenas que devemos instruir com amabilidade e (porque não?) gentileza.

Os dois primeiros versículos de Romanos 15 nos dizem que os fortes devem suportar a fraqueza dos fracos. Força e fraqueza nesse contexto tem a ver com o conhecimento que adquirimos sobre Deus no decorrer da caminhada com o Senhor. Sabemos que este conhecimento não é meramente intelectual, pois existe aqui o conceito revelacional. Deus se revela a quem Ele bem quer e a uns Ele concede mais compreensão do que a outros. Cabe aqueles a quem muito foi dado, não se utilizarem dessa dádiva para se vangloriar ou agradar a si mesmos. Aos mais dotados de percepção das doutrinas bíblicas, que cumpram o trabalho de edificar os mais fracos nas questões da fé. Aqui a fraqueza envolve intelectualidade e, também, moralidade. Todavia, Paulo não nos instrui a tolerar os erros dos que denomina fracos. Ele lança a ideia de suportar, ou seja, conduzir em amor, estes irmãos, mesmo em suas fraquezas, para que eles sejam posterior e sistematicamente edificados no Corpo de Cristo.

É justamente neste ponto que vejo o quão distante estamos da recomendação apostólica de suportarmos uns aos outros em amor (Ef 4.2). Será mesmo que uma postagem de Facebook é um local ideal para a correção? Ali onde as palavras não tem feição e portanto aparentam ser mais frias do que deveriam ser, tentamos convencer irmãos, travestidos de oponentes, a pensarem de maneira coerentemente bíblica. Acontece que, quando somos impiedosos, desproporcionalmente debochados e intelectualmente vaidosos, não podemos cobrar coerência de ninguém. Façamos uma auto-análise.

Ainda usando um texto de Paulo, este quando escreve para Timóteo, dá a seguinte recomendação:

E rejeita as questões loucas, e sem instrução, sabendo que produzem contendas. E ao servo do Senhor não convém contender, mas sim, ser manso para com todos, apto para ensinar, sofredor; instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade, e tornarem a despertar, desprendendo-se dos laços do diabo, em que à vontade dele estão presos.” (2 Timóteo 2.23-26)

Esta passagem é fantástica. Paulo diz ao seu discípulo e filho na fé, que ele deve ser manso e não andar contendendo sobre coisas supérfluas. Vejo irmãos se engalfinhando por questões tais como: supra ou infralapsarianismo, batismo por imersão ou aspersão e etc. Não existe aqui uma regra para que não se debata sobre estes determinados assuntos. O que existe é uma recomendação para que estes não venham a ser encarados como coisas estritamente necessárias a comunhão, e que não causem divisões entre os membros do corpo de Cristo. Timóteo, mesmo diante dos sectários e hereges, tinha que “instruir com mansidão”. Atentemos ao fato que a mansidão é para os que persistem no erro (v.25). Na disciplina pode haver brandura. Ela deve estar atrelada a paciência e ao desejo de ver o arrependimento brotar do coração daquele que estava obstinado a permanecer no erro para que tornem a despertar, libertando-se dos laços diabólicos no qual estão presos.

Outra bela passagem bíblica que nos encoraja a sermos mais piedosos em nossa apologética se encontra em Judas 22 e 23: “E apiedai-vos de alguns, usando de discernimento; E salvai alguns com temor, arrebatando-os do fogo, odiando até a túnica manchada da carne.

Judas escreve aos seus leitores que eles devem ajudar aos crentes que não tem muito discernimento da Palavra, e que por isso chegam a duvidar dela. Qualquer um de nós conhece esse tipo de crente vacilante, que quando se depara com um questionamento cético fica com a sua crença abalada. Portanto, segundo nos diz o apóstolo, é necessário conduzir estes duvidosos para que estes voltem a crer. Uma outra categoria de pessoas a que Judas se refere, são os pecadores que estão perecendo. Ele utiliza a figura do fogo consumindo os pecadores e diz que nós deveríamos prontamente salvá-los das chamas. Mas não é Deus quem salva o pecador? Logicamente, a ideia aqui não é colocar a salvação em nossas mãos como sendo autores delas, todavia, somos ministros, por Deus comissionados a anunciar a Palavra da Salvação, como bem frisou Calvino. O termo final “odiando até a túnica manchada da carne” é uma admoestação para não nos contaminarmos com o pecado, comparado aqui com roupas sujas de excremento. Do pecado precisamos tomar distância, no entanto, devemos nos aproximar dos pecadores. Foi exatamente isto que Jesus fez durante todo o seu ministério.

Depois de analisarmos estas passagens bíblicas, não nos resta dúvida de que devemos abandonar a síndrome de “Dr. Jekyll”, um clássico personagem da literatura (O Médico e o Monstro) que ao tomar uma poção criada em laboratório se transformava num ser monstruosamente descontrolado. As queixas são muitas. Estou cansado de ver pessoas que foram destratadas em blogs e páginas que se dizem apologéticas. Há um desserviço a causa do evangelho toda vez que, por exemplo, um calvinista ofende um arminiano e vice-versa. Precisamos parar de proceder como loucos e aprender de Cristo, que foi manso e suave.

A Verdade deve sempre ser dita e continuemos a combater os falsos ensinamentos que vem sendo propagados, agora em velocidade recorde devido ao avanço dos meios de comunicação. Todavia, esse combate não pode ser feito de maneira irresponsável ao ponto de andarmos na contramão do que as Escrituras estabelecem com relação a apologética. Vamos acabar de vez com esse “bang-bang” e promover o Reino com amor e humildade. Nada é nosso, tudo é dEle.

Soli Deo Gloria.

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Fonte: Electus
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Uma avaliação do artigo “Em defesa do arminianismo”

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Por Franklin Ferreira


Em linhas gerais, o texto “Em defesa do arminianismo” (publicado na revista Obreiro Aprovado Ano 36, nº 68) é bom. O autor, o pastor assembleiano Silas Daniel, acerta ao distinguir entre o calvinismo (denominado no texto de “compatibilista”) e o hipercalvinismo (que, suponho, seja o que o autor chama de “calvinismo fatalista”). E ele também acerta ao tratar o primeiro como uma interpretação cristã legítima, e o segundo como um erro sério que precisa ser rejeitado. E sugere algumas boas razões para o ressurgimento da fé reformada no Brasil (prevalência do pelagianismo em muitos púlpitos, críticas caricaturais ao calvinismo e a superficialidade neopentecostal). Ao fim do artigo, o autor fala em tons fortes e vigorosos da graça salvífica oferecida pela fé em Cristo, de forma bíblica. Então, o tom irênico do autor é bom e saudável. 

Na tradição batista onde fui criado (fundamentalista e pietista, com alguma abertura à teologia liberal), o calvinismo ainda é tolamente tratado por alguns como uma “heresia perniciosa” (para usar as palavras do autor), muitas vezes assim rotulado ao lado de G12, “guerra espiritual” e outras esquisitices presentes no cenário evangélico brasileiro. Então, o tom adotado pelo pastor Silas em seu ensaio é um avanço importante no debate. E deve-se afirmar claramente, junto com o autor: o arminianismo não é pelagianismo, apesar desta posição ter prevalecido e ainda ser a visão religiosa de muitos pregadores e mestres evangélicos no Brasil, que têm como modelo Charles Finney; mas, dependendo de que autor se lê (já que uma das poucas confissões de fé arminianas representativas são os “Artigos da religião”, revisados por John Wesley), esta tradição pode ser considerada semipelagiana ou semiagostiniana (mencionados, mas não definidos no texto). 

Posto isso, o texto tem vários e sérios problemas, no campo da teologia e da história do pensamento cristão. Sobre o uso da Escritura, os versículos bíblicos são tratados como textos-prova. Não há sugestão de exegese ou de estudo léxico das palavras-chave, ou mesmo referências ao lugar das passagens na teologia bíblica. Isso fica evidente, por exemplo, na interpretação do autor da expressão “aos que dantes conheceu” (Rm 8.29), reduzida a mera previsão geral divina (ao interpretar 1Pe 1.2). Também não são indicados comentários bíblicos para suplementar as pressuposições do autor. Simplesmente presume-se que os ensinos arminianos são auto-evidentes nos versículos bíblicos citados. Há muito tempo atrás fui arminiano, e usei muitos daqueles versículos que o autor citou para “provar” o arminianismo e atacar o calvinismo. Mas, para cada texto bíblico citado há uma interpretação, por assim dizer, “calvinista”, que é muito mais coerente e consistente com o texto bíblico em si, o livro onde este está inserido e o contexto global da Escritura – e o leitor pode ir aos comentários de Agostinho, Martinho Lutero e João Calvino, ou aos de D. A. Carson, Douglas Moo, Donald Guthrie, F. F. Bruce e John Murray, para conferir a exegese das passagens-chave desta controvérsia. 

Pelo menos, o autor reconhece as várias tensões (e, por que não, as contradições) presentes na teologia arminiana, como ao tratar da presciência divina e do alcance da expiação: em outras palavras, o problema posto é: se Deus já sabia quem receberia a Cristo, por que este precisaria morrer por todos? Ou quando trata do significado da palavra “mundo”, sem levar em conta o significado da propiciação realizada por Cristo (ao citar 1Jo 2.2 como texto-prova da expiação geral). E quando admite algum tipo de predestinação (“sim, ele predetermina muitas coisas, mas não tudo”) ao mesmo tempo que, ao pressupor que Deus previu antes de predestinar, não trata de uma pergunta crucial, isto é, quem criou o que Deus previu? 

Também há vários problemas no campo da teologia histórica. Trato apenas dos principais. Diferente do que o autor afirma, quase todos os grandes teólogos medievais criam na predestinação, seguindo em maior ou menor grau o que Agostinho ensinou no século V: Próspero, Gottschalk, Anselmo, Bernardo, Bradwardine, Tomás de Kémpis e Tomás de Aquino (cf. S. Th: I, q. 23, a. 1, a. 2, a. 4, a. 7, a. 8; I-IIae, q. 117, a. 5; II-IIae, q. 174; III, q. 24, a. 1, a. 3). Os pré-reformadores Jan Hus e John Wycliffe também afirmaram o ensino da predestinação em moldes agostinianos. Um detalhe que chama a atenção é que ainda que Agostinho seja citado, sua compreensão sobre a predestinação e a graça não é oferecida no texto. 

O mais surpreendente é quando o autor afirma que Lutero abrandou a posição afirmada em seu tratado “Da vontade cativa”, e que passou a crer na possibilidade de se cair da graça (lendo erroneamente os Artigos de Esmacalde III.42-45, que, na verdade, refutava distorções anabatistas). Ao tratar de uma mudança de ênfase na teologia de Lutero, ele cita Herman Bavinck como fonte, mas não mencionou que este autor também afirmou que Lutero “nunca reverteu sua posição sobre predestinação”, e que os “verdadeiros luteranos” rejeitaram o sinergismo de Filipe Melanchthon (“Teologia Sistemática”, v. 2, p. 364).

Obviamente, há diferenças significativas entre os teólogos cristãos, e mesmo entre teólogos da tradição reformada. Por isso, um bom ponto de partida para tratar de temas teológicos controversos é começar com o que afirmam as confissões de fé que resumem as posições das tradições professadas, e não com as posições de teólogos, por mais importantes que estes sejam (por exemplo, nem todos os teólogos reformados ficam satisfeitos com a afirmação da CFW VI.1, de que Deus determinou permitir o primeiro pecado, mas esta confissão, e não a opinião dos teólogos, representa a posição reformada/puritana). 

Sobre a participação dos arminianos no Sínodo de Dort – que talvez seja o mais importante concílio protestante já ocorrido – é necessário deixar claro que estes não foram vítimas inocentes do poder do Estado ou dos calvinistas, como o autor parece opinar. Como John de Witt afirmou: “Os arminianos (...) utilizaram de toda engenhosidade para evitarem qualquer declaração [clara de seus ensinamentos] (...), exigiram que fosse seguida sua própria pauta de assuntos em lugar da do Sínodo, praticaram evasivas táticas de retardamento e obstruções (...) e rejeitaram a autoridade do Sínodo em julgá-los; isto a despeito do fato de ser legalmente um Sínodo da Igreja em que ocupavam cargos, à qual confessavam pertencer, e a cuja disciplina estavam obrigados a se submeter em virtude de suas ordenanças e votos!” (cf. O Sínodo de Dort, em Jornal Os Puritanos [Ano 3 nº 2, Março/Abril 1995], p. 27-30) E, como o pastor Silas reconhece, “os seguidores de Arminius na Holanda acabaram, com o passar do tempo, se afastando progressivamente do pensamento original de seu mentor”, rejeitando doutrinas como o pecado original, a expiação substitutiva e penal e até mesmo a divindade de Cristo, tornando-se, como nota o autor corretamente, “liberais em teologia”. 

Quando trata da controvérsia arminiana do século XVIII, o autor (apoiando-se em uma única fonte secundária) poderia ter colocado toda a polêmica em contexto, o que seria muito instrutivo para nós, hoje. Em meados de 1740, houve um confronto entre Wesley e George Whitefield; o primeiro supunha, erroneamente, que a doutrina da predestinação poderia conduzir ao antinominianismo. Mas a leitura dos escritos puritanos, por parte de Wesley, conduziu-o a uma reavaliação desta posição e, com isso, alcançou-se um acordo entre ambos os lados, o que permitiu uma cooperação na pregação do evangelho, já que nos temas centrais (pecado original, justificação pela fé e santificação) havia acordo. Mas a contenda reiniciou-se em meados de 1770, por causa não da doutrina da predestinação, mas do ensino da justificação – o suíço John Fletcher (Jean de la Fléchère), colega de John Wesley, começou a negar a doutrina da imputação da justiça de Cristo ao fiel. Em síntese, ele afirmou que a justificação requereria santificação pessoal e não a fé somente (cf. “Fourth Check to Antinomianism”). Nesta altura, Wesley vacilou na defesa desta doutrina importantíssima para a fé evangélica. O contundente texto de Augustus Toplady, “Arminianismo: o caminho para Roma”, foi escrito nesta época – e em resposta a uma distorção da doutrina bíblica da justificação pela graça, recebida mediante a fé somente, com todas as implicações doutrinais e devocionais daí decorrentes. Richard Watson, talvez o mais habilidoso teólogo metodista, escreveu no século XIX, sobre Fletcher: “Embora muito admirado entre os wesleyanos, suas doutrinas não são admitidas como norma” (cf. Iain H. Murray, “Wesley and Men Who Followed”). E, diferente da perspectiva do autor, de que “o arminianismo ergueu-se vitorioso” da controvérsia, os metodistas arminianos saíram da igreja episcopal, que, na época, ainda era majoritariamente calvinista, para fundar um dos ramos do metodismo, e do qual se originou os movimentos de santidade (o outro ramo, seguidor do calvinismo, era o metodismo galês, e se tornou presbiteriano, e não congregacional, como afirmou o autor). 

O estudo da história do pensamento cristão é muito importante. Mas, no fim, o que irá decidir toda discussão no âmbito da fé é a Escritura, que é “o juiz supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o juiz supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura” (CFW I.10). Portanto, o que conta é o que a Escritura ensina. Que ela seja estudada por meio de “exegese, exegese e mais exegese”, sempre em dependência do Espírito Santo. Pois devemos nos apegar somente e fielmente à Palavra de Deus, revelada nas Escrituras somente.

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Fonte: Perfil do autor no Facebook
- Publicado no blog Bereianos com permissão do autor.
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Lúcifer: quem ou o quê?

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Por Robert L. Alden


A única menção de Lúcifer na Bíblia está em Isaías 14:12. As notas marginais de muitas Bíblias dirigem a atenção para Lucas 10:18, onde lemos as palavras de Jesus: “Eu via Satanás, como raio, cair do céu”. Eu não aprovo tal relação e buscarei mostrar o motivo nos parágrafos seguintes. A tradução da frase helel ben shachar em Isaías 14:12 não é fácil. O bem shachar não é o problema.[1] A frase significa “filho da alva” ou similares. A estrela da manhã é o filho da manhã. O termo hebraico ben – “filho” significa algo muito próximo, dependente ou descrito pela palavra seguinte no estado absoluto.[2] Mas helel é um nome? É um substantivo comum? É um verbo? A palavra helel aparece em Zacarias 11:2 em paralelo com um verbo cujas letras radicais são yll. Assim, ambos significam “uivo” ou “berro” e são aparentemente onomatopéias. Em Ezequiel 21:12 (v. 17 em hebraico) temos uma situação similar. Ali helel é paralelo a z’q, que significa “gritar”. Jeremias 47:2 tem uma forma relacionada (hiph’il) e ali a palavra é traduzida como “lamento”. A versão síria, entre outras, entende assim a palavra em questão: “Como caíste do céu! Uivo na manhã…”.[3]

Todavia, muitos tradutores e comentaristas escolhem traduzir a palavra como um substantivo. O grego tem heosphoros e o latim lucifer. Os dois termos significam “portador de luz”. As traduções da Septuaginta e da Vulgata, juntamente com os principais rabinos e a maioria dos antigos escritores cristãos entendiam a palavra como um derivativo de hll, “brilhar”. Por conseguinte, ela significa “aquele que brilha” ou “aquele que resplandece”. Isso, sem dúvida, se encaixa melhor com o restante da frase ben shachar, “filho da alva”. 

Tertuliano, comentando sobre Isaías 14:12, disse: “Isso deve significar o diabo…”.[4] Orígenes, também, prontamente identificou “Lúcifer” com Satanás.[5] O Paraíso Perdido de John Milton contribuiu para a disseminação dessa noção errônea:

               … Cidade e corte do infernal tirano,
               Que Lúcifer chamado foi outrora
               Por se lhe assemelhar da tarde a estrela… [6]

Disso surgiu a perversão popular do belo nome Lúcifer para significar o Diabo.[7]

O argumento para entender helel como uma forma substantiva derivada do verbo significando “brilhar” é forte. Pelo menos três idiomas semíticos em adição ao hebraico têm uma forma dessa palavra e todas significam “brilho” ou “luz”. Há o acadiano ellu, o ugarítico hll e o árabe halla. “Lua nova” em árabe é hilal.[8] A forma feminina do acadiano é ellitu e é um nome para a deusa Ishtar. Ela é chamada também de mushtilil, “aquela que resplandece”.[9] Ela é Ashtar em fenício e ugarítico.[10] Os árabes chamam Vênus de zahra, “o brilho resplandecente”.[11] Considere também o germânico Helle, “brilho”.

Há uma observação adicional com respeito à estrela da manhã e a deusa.[12] Isaías 14:12 tem “filho” da manhã, não um feminino como esperaríamos. Além do mais, a tradução grega é uma palavra masculina.[13] Como sabemos agora, as estrelas da manhã e da noite são as mesmas, embora os antigos semíticos viam-nas como gêmeas. Albright julga a partir da evidência acadiana que esse deus era originalmente bi-sexual, sendo macho de manhã e fêmea de noite.[14] Na literatura ugarítica os nomes das crianças seduzidas pelo deus El são shchr e shlm.[15] Dessa forma, elas representam o nascer-do-sol e o pôr-do-sol. Temos sachar em árabe, seru em acadiano e sachra em aramaico para a manhã e shalam shamshi em acadiano para a noite.[16] A palavra germânica “Morgenröte” pode descrever melhor shachar, sendo ela aquele breve momento antes do romper da aurora.[17]

Por causa da conexão das palavras em Isaías com aquelas que descrevem a mitologia não-israelita, muitos têm sido rápidos em fazer a associação. Eissfeldt, por exemplo, diz que isso e Ezequiel 28:1-19 sobressaem excepcionalmente como mitos reais, isto é, eles não foram transformados ou convertidos ao padrão de pensamento teológico hebraico.[18] Tal conexão é desnecessária. Primeiro, não temos nenhuma evidência de uma história do Oriente Médio lidando com a rebelião de um deus mais jovem contra um deus principal. Em segundo lugar, Isaías poderia muito bem ter feito referência à glória da alva e usado à estrela da manhã para ilustrar seu ponto puramente em e de si mesmo.

Discutimos o significado das palavras helel ben shachar e descobrimos ser melhor traduzi-las como “aquele que brilha, filho da manhã” ou similares. “Lúcifer” é perfeitamente bom também (especialmente para o povo de fala latina), exceto pelo fato de ter sido mal-interpretada tão grandemente que é melhor evitarmos a mesma.

Mas a pergunta permanece – por que isso não pode ser o Diabo? Consideremos o contexto. Os capítulos 13 e 14 de Isaías lidam com Babilônia. Lemos em Isaías 13:1: “O oráculo com respeito à Babilônia, que viu Isaías, filho de Amós”. O capítulo 13 lida com a nação como um todo. O versículo 19 resume o capítulo:

E Babilônia, o ornamento dos reinos, a glória e a soberba dos caldeus, será como Sodoma e Gomorra, quando Deus as transtornou.

O capítulo 14 abre com as palavras confortantes em prosa à casa de Jacó (vv. 1-3). Então Deus os instruiu a cantar esse cântico sarcástico contra o rei da Babilônia (v. 4). Os versículos 7 até o 20 são um lamento zombeteiro. Primeiro as terras regozijam-se, especialmente as árvores, pois o lenhador não vem mais cortá-la – isto é, o rei está morto. O inferno é o cenário dos versículos 9-26. O fantasma daqueles que já estão lá expressam surpresa diante dos recém-chegados. “Tu também”, dizem eles (v. 10). O versículo 12 é uma citação dos indivíduos no inferno.

               Como caíste desde o céu,
               ó Estrela da Manhã, filho da Alva!

Eles continuam, lembrando o rei das suas ostentações de igualdade e mesmo superioridade a Deus, mas conclui observando que sua morte foi muito vergonhosa, tendo sido “lançado da tua sepultura…”. Resumindo, esse lamento nos fala da queda de uma Babilônia tirana. Seu reino de terror terminou e ele não deve ser mais temido. Isso descreve Satanás também? O acusador caiu de uma posição de poder? O adversário cessou de governar o mundo com “golpes incessantes e perseguição dura” (v. 6)? Pelo contrário, Satanás tem muito poder. Ele é o deus deste mundo (2Co 4:4) e o príncipe do poder dos ares (Ef 2:2). Em nenhum sentido ele caiu de uma posição de reinado neste mundo. O rei da Babilônia se foi e não é mais ouvido. Não é assim com Satanás! Sua “queda” marcou o início do seu reinado perverso. A queda do rei da Babilônia marcou o fim do seu reinado perverso. Lúcifer não pode ser Satanás. Isaías não está falando de Satanás no capítulo 14.[19]

Antes de concluir, seria interessante examinar as expressões bíblicas relacionadas a isso em Isaías 14:12.[22] Estrelas e em particular a estrela da manhã (que é na verdade um planeta) são algumas vezes usadas para o Messias, bem como para Satanás. Em Números 24:17b lemos: uma estrela procederá de Jacó e um cetro subirá de Israel.

Lemos em 2 Pedro 2:19: “E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações”. Ao anjo da igreja em Tiatira, João foi ordenado a escrever o seguinte (Ap. 2:28): “E dar-lhe-ei a estrela da manhã”. Apocalipse 22:16 é mais conclusivo: “Eu, Jesus, enviei o meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã”.

Não negamos a conexão de Satanás com a luz. Nem negamos que ele teve um certo tipo de queda.[23] Observe Lucas 10:18 novamente: “Eu via Satanás, como raio, cair do céu”. Em adição, encontramos 2Co 11:14: “E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz”. Em nenhum desses exemplos a luz é algo mau. No último o termo é especialmente algo bom. No livro apócrifo de Eclesiásticos (50:6), lemos que Simão o filho de Onias era “como a estrela da manhã no meio de uma nuvem e como a lua nos dias de lua cheia” quando ele saiu do santuário. Finalmente, havia o falso messias Bar Kochba. Seu nome significa “filho de uma estrela”.

Para resumir e concluir, observemos simplesmente esses fatores salientes. Lúcifer é perfeitamente uma boa tradução de hll em Isaías 14:12. O significado “portador de luz” ou “estrela da manhã” é apropriado. Mas o capítulo lida somente com a queda do rei de Babilônia e esse versículo em particular. Que Satanás inspirou o rei perverso enquanto ele governava todos os homens degenerados é inegável, mas isso é muito diferente de dizer que Lúcifer é Satanás. A estrela da manhã é algo belo de contemplar e tem uma tarefa mui notável nos céus, aquela de anunciar o novo dia. O rei ostentava ser tão grande quanto Deus, e Isaías assemelha o mesmo àquela estrela que é bela por um momento, mas rapidamente é eclipsada pela glória do próprio sol. Que Satanás fez tal ostentação não é conhecido.[21] Não temos justificativa para tal identificação aqui, assim como não temos em Ezequiel 28, onde o rei de Tiro está em vista. Lúcifer é somente o arrogante, porém agora caído rei da Babilônia.

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Notas:
1. Although Winckler (Geschichte Israel, ii, 24) sugere shahar para shachar; por consguinte, “filho da lua”. A palavra aparece em Judas 8:21, 26 e Isaías 3:18.
2. Cf. Is. 5:1, “uma colina muito frutífera” é literalmente “um chifre do filho do oleo”.
3. George M. Lamsa, The Holy Bible from Ancient Eastern Manuscripts (Philadelphia: Holman, 1957).
4. Against Marcion, Bk. V, ch. xviii (em The Ante‐Nicene Fathers, ed. Alexander Roberts and James Donaldson [Grand Rapids: Eerdmans, 1951], Vol. III, p. 466).
5. De Principiis, Bk. 1, ch. v (em Ibid. Vol. IV, p. 259).
6. (Chicago: Homewood Publishing Co.) p. 364s.
7. Cf. Joseph Addison Alexander, Commentary on the Prophecies of Isaiah (Grand Rapids: Zondervan, 1963 [originalmente publicado em 1865]), p. 295.
8. Lexicon in Veteris Testamenti, ed. Ludwig Köhler and Walter Baumgartner (Leiden: Brill, 1951).
9. H. Skinner, Isaiah I‐XXXIX em Cambridge Bible for Schools and Colleges ed. A. F. Kirkpatrick (Cambridge: University Press, 1954), p. 122.
10. P. Grelot, “Sur la Vocalisation de hyll (Is. XIG 12)” em Vetus Testamentum, 6 (1956), pp. 303s.
11. Edward J. Young, The Book of Isaiah (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), Vol. I, p. 440n.
12. Gunkel foi o primeiro a igualar helel com a estrela da manhã. Veja seu Schoplung und Chaos im Urzeit und Endzeit (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2nd ed. 1921), pp. 255s.
13. Franz Delitzsch, Isaiah I in Commentaries on the Old Testament, trans. James Martin (Grand Rapids: Eerdmans, 1950), pp. 311s.
14. Archaeology and the Religion of Israel (Baltimore: Johns Hopkins, 1953), pp. 83s.
15. Há também um ben ’bd shchr numa lista de nome em 308 1, 19 de acordo com o catálogo de Gorden.
16. Cf. Young, Ibid. and Theodor H. Gaster, “A Canaanite Ritual Drama: The Spring Festival at Ugarit,” em Journal of the American Oriental Society, LXVI 1946, pp. 69ss.
17. Cf. Ludwig Köhler, “Die Morgenröte im Alten Testament,” em Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft, 4 (1926), pp. 56ss.
18. The Old Testament: An Introduction, trans. P. R. Ackroyd (New York: Harper & Row, 1965), p. 36. Cf também Brevard S. Childs, Myth and Reality in the Old Testament (Naperville, Ill.: Alec Allenson, 1960), p. 68; Gottfried Quell, “Jesaja 14, 1–23,” em Erlanger Forschungen Reihe A, Band 10 (Erlangen: Rost, 1959 [Festschrift Friedrich Baumgärtel]), pp. 150–53; Julian Morgenstern em Hebrew Union College Annual 14 (1939), pp. 109ss; e Edmond Jacob, Theology of the Old Testament, trans. A. W. Heathcote & P. J. Allcock (London: Hodder & Stoughton, 1958), p. 327s.
19. Nem Ezequiel em Ezequiel 28 quando a queda do rei de Tiro está em vista.
20. Cf. também João 8:44, “… o diabo…um homicida desde o princípio…”.
21. Cf. Ap. 12:8–9.

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Sobre o autor: Robert L. Alden foi professor Assistente de Antigo Testamento, Seminário Batista Conservador, Denver, Colorado.

Fonte: Bulletin of the Evangelical Theological Society 11:1 (Winter 1968):35-39.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto. Traduzido em agosto de 2008.
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O Deus Falível do Molinismo

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Por James N. Anderson


Recentemente ouvi o bate-papo sobre Molinismo e Calvinismo entre William Lane Craig e Paul Helm no programa de rádio Unbelievable? de Justin Brierley. Foi mais uma conversa que um debate, mas ainda assim vale a pena ouvir. Nesta postagem eu quero expandir um ponto levantado por Helm, mas não desenvolvido por ele. Primeiro eu resumirei os principais dogmas do Molinismo antes de discutir o que eu considero ser uma séria objeção a ele (seja paciente – a primeira metade desta postagem é apenas a armadilha).

Molinismo é uma teoria filosófica planejada para reconciliar uma forte visão da providência divina (segundo a qual Deus preordena todas as coisas) com uma visão libertária do livre-arbítrio e uma visão sinergista da salvação (segundo a qual não é causada por Deus para qualquer arrependimento e crença; ao invés, os pecadores cooperaram livremente com a graça resistível de Deus a fim de serem salvos). De acordo com o Molinismo, Deus é capaz de, providencialmente, dirigir eventos por meio de seu conhecimento médio, isto é, seu conhecimento do que qualquer criatura libertariana-livre escolheria em qualquer circunstância específica. Por exemplo, Deus sabia de antemão antes do tempo de sua decisão de criar este mundo que eu livremente escolheria um Boston Kreme se eu fosse ao Dukin’ Donuts na noite de 19 de fevereiro de 2014 em tais e tais circunstâncias exatas. Deus, então, é capaz de planejar eventos do primeiro ao último em muitos detalhes por pré-arranjar as circunstâncias precisas nas quais suas criaturas se encontrariam e fariam suas escolhas livres. Deus não causou as escolhas, ele apenas garantiu-lhes em algum forte sentido por orquestrar as circunstâncias à luz de seu conhecimento médio.

Molinistas estão, portanto, comprometidos com três afirmações principais. Primeiro, Deus preordenou todas as coisas, incluindo as livres escolhas de suas criaturas. Craig foi bastante enfático sobre isso durante a conversa com Helm. Ele declarou que Deus ‘preordenou’ todas as coisas e ironizou que ele poderia afirmar quase tudo que a Confissão de Fé de Westminster diz sobre o Decreto eterno de Deus e a Providência de Deus – à parte da rejeição deliberada confissão do Molinismo (no a cláusula final em CFW 3.2)

A razão de Molinistas tais como o Craig quererem afirmar isto é porque eles reconhecem que a Bíblia tem uma forte visão da providência (e.g Gen. 50:20; Matt. 10:29-30; Acts 4:27-28; Rom. 8:28; Eph. 1:11). E eles devem ser elogiados por reconhecerem isso (embora, como explicarei em breve, a visão bíblica é mesmo mais forte do que eles pensam).

Em segundo lugar, por afirmar uma visão libertária do livre-arbítrio, os Molinistas estão comprometidos com ideia de que se uma pessoa S escolhe livremente A em uma circunstância específica C, então deve ser possível para S não ter escolhido A. Pode ser mais provável (talvez até esmagadoramente assim) que S escolherá A sobre não-A, mas não deve ser possível para S ter escolhido de outra forma. (Aqui estou sem levar em conta a distinção que alguns libertários fazem entre escolhas derivativas e não-derivativamente livres. No que se segue, para simplificar, vou ignorar as escolhas derivativamente livres. Não penso que a distinção afete meu argumento).

Molinistas, então, estão comprometidos com o seguinte:

(1) Se S escolhe livremente A em C, então é possível para S não escolher A em C.

Ou, colocando a questão em termos de mundos possíveis:

(1’) Se S escolhe livremente A em C, então existe ao menos um mundo possível no qual S não escolhe A.

Observe que nessa demonstração, C aqui deveria ser entendido como, de fato, a história inteira do universo até o momento da escolha de S. O ponto é que a escolha de S não é determinada (ou, pelo menos causadamente determinada) por qualquer evento anterior ou estados do universo (incluindo o caráter de S, experiências passadas, memórias, crenças, desejos etc)

Em terceiro lugar, o Molinista afirma que Deus tem conhecimento médio, isto é, conhecimento dos contrafactuais da liberdade (por falta de um nome melhor). Deus, então, sabe, antes de sua decisão de criar um mundo particular, verdades condicionais subjuntivas como a que se segue:

 (2) Se S estivesse em C, S livremente escolheria A.

Este é o conhecimento, afirma o Molinista, que permite a Deus preordenar os eventos. Desde que Deus conhece o que cada possível criatura escolheria livremente em cada possível circunstância, consequentemente ele pode planejar. Ele pode saber de antemão como as coisas iriam se ele fosse para criar determinadas pessoas e arranjá-las para fazerem suas escolhas em circunstâncias particulares.

Isso significa que Deus não pode atualizar qualquer mundo possível. Molinistas como Craig farão distinção entre mundos possíveis e mundos factíveis.[2] Todos os mundos factíveis são mundos possíveis, mas nem todos os mundos possíveis são mundos factíveis. Um mundo factível é um mundo possível que Deus pode atualizar com base em seu conhecimento médio: seu conhecimento de verdades como (2). Ele pode “atualizar fracamente” qualquer desses mundos factíveis por “atualizar fortemente” aqueles elementos do mundo sob seu controle causal, a saber, cujas criaturas existem e em cujas circunstâncias elas se encontram. Por seu conhecimento médio, Deus conhece quais mundos possíveis são mundos factíveis, e ele decide (com base em certos critérios) quais dos mundos factíveis (fracamente) atualizar. E esta é a visão Molinista da divina preordenação.

Deveria ser observado que o Molinista não é sempre claro sobre o que conta como circunstâncias em verdades como (2). As circunstâncias incluem o decreto de Deus ou a presciência de Deus, por exemplo? Felizmente, nós não precisamos resolver essa questão aqui, tão logo reconheçamos isso, o que quer que esteja incluído em C em (2) também deve ser incluído em C em (1) e (1’)

[Addendum: Greg Welty assinalou o que eu coloquei acima. Vejam abaixo seus comentários e minhas respostas. Em suma, não importa como as circunstâncias são definidas, mas eu penso que o Molinista enfrenta sérios problemas de qualquer maneira]

Bem, tanto para o contexto, a questão que eu quero colocar é simplesmente esta:

Deus é infalível na visão Molinista?

Eu suspeito que muitos seriam inclinados a responder sim. Face a essa situação, esperaríamos Deus ser infalível. “Deus falível” dificilmente soa bem! Mais significantemente, a Bíblia ensina explicitamente que os planos de Deus não podem falhar. Os propósitos de Deus sempre serão cumpridos.

Então Jó respondeu ao Senhor, dizendo: ‘Eu sei que tu podes fazer todas as coisas, e que nenhum dos teus propósitos pode ser frustrado.” (Jó 42.1, 2)

Muitos são os planos na mente de um homem, mas é o propósito do Senhor que prevalecerá.” (Prov. 19.21)

O SENHOR dos Exércitos jurou: Como pensei, assim se cumprirá; como determinei, assim acontecerá[...]O SENHOR dos Exércitos determinou isso! Quem o invalidará? A sua mão está estendida! Quem a fará recuar?.” (Is. 14.24, 27)

Lembrai-vos disso e considerai; trazei-o à memória, ó transgressores. Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade: Que eu sou Deus, e não há outro; eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim.  Sou eu que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; sou eu que digo: O meu conselho subsistirá, e realizarei toda a minha vontade,  chamando do oriente uma ave de rapina, e de uma nação distante, o homem do meu conselho; sim, eu disse e cumprirei essas coisas. Estabeleci esse propósito e também o executarei. (Is 46.8 – 11)

Porque, assim como a chuva e a neve descem dos céus e não voltam para lá, mas regam a terra e a fazem produzir e brotar, para que dê semente ao semeador e pão ao que come, assim será a palavra que sair da minha boca; não voltará para mim vazia, mas fará o que me agrada e cumprirá com êxito o propósito da sua missão.” (Is 55.10, 11)

Claro, o Molinista está familiarizado com esses textos. A forte visão da providência divina expressa na Escritura é uma das razões que favorece o Molinismo sobre outras posições que compartilham um compromisso com o livre-arbítrio libertário.

Todavia, deveria estar claro a partir o exposto acima que, de acordo com a posição Molinista existem mundos possíveis nos quais os planos de Deus falham. Porque o Molinista está comprometido em afirmar que, embora Deus conheça que S escolheria A em C, e ele não atualiza C porque ele planeja para S escolher A, não deixa de ser possível para S não escolher A em C (Craig claramente afirma este ponto várias vezes em sua conversa com Helm). Em outras palavras, existem mundos possíveis nos quais Deus atualiza C de modo que S escolherá A, mas S não escolhe A. Existem mundos possíveis nos quais o decreto eterno de Deus não acontecerá, porque agentes livre-libertários farão outra coisa do que ele tinha planejado.

A conclusão é esta: com base na posição Molinista existem alguns mundos possíveis nos quais Deus é falível. De fato, existem muitos, mas muitos de tais mundos. Qualquer mundo em que o plano de Deus falhe é um mundo no qual Deus é falível. Parece-me que esta conclusão é construída sobre o sistema molinista.

Então, o que um Molinista poderia dizer em sua resposta? Uma resposta seria a de dizer que Deus não é necessariamente infalível: ele não é infalível em todo mundo possível, mas ele é infalível neste mundo (pelo menos). Deus é contingentemente infalível.

Mas eu penso que existem diversos problemas sérios com esta resposta. Em primeiro lugar, a própria noção de “infalibilidade contingente” é logicamente suspeita. Diante disso, infalibilidade seria um conceito modal. Ela diz respeito à falha possível, não simplesmente a falha real. Infalível não significa não falível, e falível significa capaz de falhar. Se uma pessoa é falível, não o é porque ele tem falhado ou porque ele falhará mas porque ele poderia falhar. Afinal, não há nada logicamente inconsistente em dizer que S é falível, mas S não falhou (ou falharia) realmente. O que seria inconsistente de maneira direta seria dizer que S é falível, mas S não pode falhar.

Portanto, não poderíamos descrever alguém como infalível simplesmente porque ele realmente tem sucesso em todos os casos, mesmo que ele possa ter falhado em algum ponto. Infalibilidade, certamente, exige que alguém não pode falhar, mesmo em princípio. Então, não é claro que a noção de “infalibilidade contingente” é mesmo coerente.

Se eu estou certo sobre isso, então o Molinista não deveria dizer que Deus é infalível. Pois, se Deus não é infalível em todo mundo possível, então ele não é infalível em qualquer mundo possível, incluindo o mundo atual. (Eu observo, para registro, que este argumento pressupõe alguns princípios modais amplamente-controlados que eu não estou a defender aqui, precisamente porque eles são amplamente controlados!).

Em Segundo lugar, esses mundos com falhas-divinas apresentam um problema para o Molinista que está comprometido com o ser perfeito da teologia (que é maioria, penso). Se Deus é apenas contingentemente infalível, segue-se que Deus não possui máxima grandeza: pois um ser que é necessariamente infalível é maior que um ser que é contingentemente infalível. Um ser que é infalível em todos os mundos possíveis é maior que um ser que é infalível em apenas alguns mundos possíveis. (É digno de nota que Alvin Plantinga, que introduziu a noção de grandeza máxima em sua defesa do Argumento Ontológico, é um dos mais proeminentes advogados do Molinismo).

A única saída desta situação para o Molinista, tanto quanto eu posso ver, é tomar a rota que eu sugeri acima: abandonar a tese de que Deus é infalível (neste mundo ou em qualquer outro mundo possível).

Parece-me que de tudo isso expõe uma tensão não resolvida no coração do Molinismo. Quando fazemos a pergunta “Os humanos podem frustrar os planos de Deus?”, o Molinista é colocado em duas direções. Por um lado, ele desejará responder não. Afinal, Deus preordenou todas as coisas! Deus tem um decreto eterno. É inconcebível para o Molinista que o decreto de Deus fracassasse.

Mas, ao mesmo tempo, o Molinista também deve responder sim, por causa de seu comprometimento com o liver-arbítrio libertário. Ele quer afirmar (como Craig explicitamente o faz) que, embora S escolheria A em C (e, de fato, irá escolher A se Deus o decretou), e, no entanto, é possível para S não escolher A em C – e, assim, realmente é possível para S agir contrário aos planos de Deus.

Em suma, o Molinista quer ter o melhor de dois mundos.

Outro modo de ver o problema é perguntar se os mundos não-factíveis realmente são possíveis. Suponha que, de todos os mundos factíveis que ele considerou, Deus opte pelo mundo X. Não parece coerente imaginar Deus pensando: “Eu vou atualizar X um pouco (fracamente) – este é o meu decreto – mas eu sei que há uma possibilidade real de que vou terminar com outro mundo, por causa da possibilidade real que agentes livres-libertários agirão de outro modo que eu tenho planejado”. Mas, se isso não é coerente, em que sentido esses mundos são mundos realmente possíveis?

Como se percebe, essa tensão no centro do Molinismo surge porque ele ambiciona ser deterministicamente indeterminista. “Indeterminismo” por causa de seu compromisso com o livre-arbítrio libertário. “Determinista” porque o decreto de Deus, de alguma forma (não sabemos como) determina de antemão que suas criaturas farão certas escolhas. Isso pode não ser um determinismo causal, mas, apesar de tudo, é determinismo (como muitos Arminianos não-Molinistas, tais como Roger Olson, podem ver claramente). Se preordenar que S escolhe A não significa predeterminar que S escolha A, então o que significa?

O Molinismo é, certamente, uma teoria impressionante. Mas, é apenas impressionante na medida em que um truque de “jogo de copinhos e bolinha” é impressionante. É, par excellence, um truque de mão filosófico. Os Molinistas têm que ser hábeis na arte da desorientação. Agora você vê o determinismo.... e agora não vê mais!

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Notas: 
[1] Dr. James Anderson é um ministro ordenado na Associate Reformed Presbyterian Church. Dr. Anderson é professor no Reformed Theological Seminary. Especialista em Teologia Filosófica, Epistemologia da Religião e Apologética Cristã. Sua tese de doutorado, na Universidade de Edinburgh, explorou a natureza paradoxal de certas doutrinas cristãs e suas implicações para a racionalidade da fé cristã. Suas pesquisas e escritos concentram-se no pressuposicionalismo de Cornelius Van Til, particularmente sua defesa do Argumento Transcendental. Dr. Anderson tem uma antiga contribuição ao trazer a tradição Reformada em um maior diálogo com a filosofia analítica contemporânea. Ele é membro da Society of Christian Philosophers, da British Society for the Philosophy of Religion, e da Evangelical Philosophical Society.
[2] “possible world” e “feasible world”

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Fonte: Analogical Thoughts
Tradução: Por Rev. Gaspar de Souza
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Pregando a Cristo

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Por R. C. Sproul


A igreja do século XXI enfrenta muitas crises. Uma das mais sérias é a crise de pregação. Filosofias de pregação amplamente diversas competem por aceitação no clero contemporâneo. Alguns veem o sermão como um discurso informal; outros, como um estímulo para saúde psicológica; outros, como um comentário sobre política contemporânea. Mas alguns ainda veem a exposição da Escritura Sagrada como um ingrediente necessário ao ofício de pregar.

À luz desses pontos de vista, sempre é proveitoso ir ao Novo Testamento para procurar ou determinar o método e a mensagem da pregação apostólica apresentados no relato bíblico.

Em primeira instância, temos de distinguir entre dois tipos de pregação. A primeira tem sido chamada kerygma; a segunda, didache. Esta distinção se refere à diferença entre proclamação (kerygma) e ensino ou instrução (didache).

Parece que a estratégia da igreja apostólica era ganhar convertidos por meio da proclamação do evangelho. Uma vez que as pessoas respondiam ao evangelho, eram batizadas e recebidas na igreja visível. Elas se colocavam sob uma exposição regular e sistemática do ensino do apóstolos, por meio de pregação regular (homilias) e em grupos específicos de instrução catequética.

Na evangelização inicial da comunidade gentílica, os apóstolos não entraram em grandes detalhes sobre a história redentora no Antigo Testamento. Tal conhecimento era pressuposto entre os ouvintes judeus, mas não era argumentado entre os gentios. No entanto, mesmo para os ouvintes judeus, a ênfase central da pregação evangelística estava no anúncio de que o Messias já viera e inaugurara o reino de Deus.

Se tomássemos tempo para examinar os sermões dos apóstolos registrados no livro de Atos dos Apóstolos, veríamos neles uma estrutura comum e familiar. Nesta análise, podemos discernir a kerygma apostólica, a proclamação básica do evangelho. Nesta kerygma, o foco da pregação era a pessoa e a obra de Jesus. O próprio evangelho era chamado o evangelho de Jesus Cristo. O evangelho é sobre Jesus. Envolve a proclamação e a declaração do que Cristo realizou em sua vida, em sua morte e em sua ressurreição. Depois de serem pregados os detalhes da morte, da ressurreição e da ascensão de Jesus para a direita do Pai, os apóstolos chamavam as pessoas a se convertem a Cristo – a se arrependerem de seus pecados e receberem a Cristo, pela fé.

Quando procuramos inferir destes exemplos como a igreja apostólica realizou a evangelização, temos de perguntar: o que é apropriado para transferirmos os princípios da pregação apostólica para a igreja contemporânea? Algumas igrejas acreditam que é imprescindível o pastor pregar o evangelho ou comunicar a kerygma em todo sermão que ele pregar. Essa opinião vê a ênfase da pregação no domingo de manhã como uma ênfase de evangelização, de proclamação do evangelho. Hoje, muitos pregadores dizem que estão pregando o evangelho com regularidade, quando em alguns casos nunca pregaram o evangelho, de modo algum. O que eles chamam de evangelho não é a mensagem a respeito da pessoa e da obra de Cristo e de como sua obra consumada e seus benefícios podem ser apropriados pela pessoa, por meio da fé. Em vez disso, o evangelho de Cristo é substituído por promessas terapêuticas de uma vida de propósitos ou de ter realização pessoal por vir a Cristo. Em mensagens como essas, o foco está em nós, e não em Jesus.

Por outro lado, examinando o padrão de adoração da igreja primitiva, vemos que a assembleia semanal dos santos envolvia reunirem-se para adoração, comunhão, oração, celebração da Ceia do Senhor e dedicação ao ensino dos apóstolos. Se estivéssemos lá, veríamos que a pregação apostólica abrangia toda a história redentora e os principais assuntos da revelação divina, não se restringindo apenas à kerygma evangelística.

Portanto, a kerygma é a proclamação essencial da vida, morte, ressurreição, ascensão e governo de Jesus Cristo, bem como uma chamada à conversão e ao arrependimento. É esta kerygma que o Novo Testamento indica ser o poder de Deus para a salvação (Rm 1.16). Não pode haver nenhum substituto aceitável para ela. Quando a igreja perde sua kerygma, ela perde sua identidade.

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Fonte: Ministério Fiel
Tradução: Francisco Wellington Ferreira
Via: IPB
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O que é preciso para adorar a Deus?

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Por Filipe Castelo Branco


Introdução

Sabemos que o fim principal do homem é "glorificar a Deus e gozá-lo para sempre" (BCW p.1). É muito claro para nós, ao lermos as Escrituras, que este é o motivo de nossa existência. Por isso fomos criados, para darmos louvores e glórias ao nome do Cordeiro (Ap 5.13). É tanto que, mesmo no comer e no beber devemos glorificá-Lo (1Co 10.31). Por que não dizer, no deitar e no levantar? Mas, o que é preciso para adorar a Deus? O que é extremamente necessário? Restringindo aqui ao culto público, seria os instrumentos? Ou um grupo de louvor? Então, se estivermos num lugar sem instrumentos musicais, como ficaria? Conseguiríamos louvar ao Senhor nesta situação? Sabemos que sim. A adoração parte do coração, os instrumentos servem de auxílio para o cântico ao Senhor. Mas, o que realmente é necessário para louvar a Deus? Pois sabemos que podemos louvar sem instrumentos, até mesmo em silêncio! 

Listarei abaixo 7 coisas essenciais para a adoração. Coisas que, ao contrário dos instrumentos, não podem faltar durante o culto particular, familiar e público. São básicas!

1. Fé

Lemos em Hebreus 11.6 o seguinte:

"De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam."

O texto é claro: sem fé É IMPOSSÍVEL agradar a Deus. A palavra agradar na "parte a" do versículo é claramente subtendido que significa glorificar a Deus. Nós apenas agradamos a Deus quando O glorificamos, cumprindo e vivendo de acordo com a Sua palavra. Consequentemente, louvamos e glorificamos ao Senhor quando vivemos uma vida cristã piedosa. Assim sendo, O louvamos quando O agradamos. 

Vemos que não há chances de existir adoração sem fé. A fé precede a adoração. O culto de adoração é um ato de fé, que apenas é possível por causa da Graça de Deus que aos eleitos imputou a fé, abrindo assim os olhos destes para que compreendessem do porquê adorá-lo e como adorá-lo. Este é o motivo pelo qual os ímpios não desejam e nem conseguem adorar a Deus, pois não existe fé neles, não havendo nada em suas vidas que agradem ao Senhor. Eles estão mortos em seus delitos e pecados, sendo assim escravos, filhos do Diabo e FILHOS DA IRA de Deus (Ef 2.23). Como mortos podem adorar a um Deus vivo? Herminsten Maia coloca da seguinte maneira sobre a fé: "Sem a genuína fé, procedente da Palavra e direcionada para o Deus Trino, todos os nossos atos de culto são vazios e abomináveis a Deus." Nos achegamos a Deus para adorá-lo por causa da fé. Nós apenas conseguimos nos aproximar de Deus porque um dia Deus se aproximou de nós e nos salvou, imputando-nos a fé. É impossível cultuar a Deus sem fé!

2. Inteligência

Calma, pelo tópico você pode estar achando que os burros (não o animal, gente burra mesmo) não são capazes de adorarem a Deus. Não é bem assim. A palavra inteligência aqui está no sentido lato da palavra. Sentido este que digo ser necessário inteligência e raciocínio na adoração. O culto não é regado simples e puramente de emoção, mas a própria emoção no momento do culto provém do nosso intelecto. E ela conta para a nossa adoração, o nosso culto a Deus. 

O problema da maioria dos cristãos de igrejas emergentes é a "emoção a flor da pele", quando a emoção é tão forte, mas tão forte, que eles deixam de usar a inteligência e esquecem que estão adorando a Deus, passando a agir como se estivessem numa piscina de bolinhas (se jogando para um lado e para o outro) ou até mesmo numa casa de shows. Do mesmo modo que a emoção não pode se exceder, o ritual também não pode. Pois do que adianta um culto extremamente formalístico, 100% de acordo com a Escritura se é algo sem vida, monótono e cansativo? Foi disto que o Senhor Jesus falou acerca da adoração israelita, pois eles honravam a Deus com os lábios e com as mais perfeitas formas de culto, seguindo todo o manual, mas os seus corações estavam distantes de Deus. Não havia uma emoção genuína, um puro louvor (Mc 7.9). Tudo é equilíbrio! Tanto a emoção como o ritual devem andar juntos! E ambos exigem inteligência. Muitos agem como animais, sem qualquer resquício de inteligência. Deus nos adverte para que não sejamos como os animais, cavalos e mulas especificamente ( Sl 32.9), mas para que usemos a inteligência dada por Ele para prestar o louvor que Lhe é devido. Como usar a inteligência? Lendo a Escritura, aprendendo por ela princípios de como adorar de forma inteligente e equilibrada ao Deus que nos chama a não O adorarmos como animais, mas como seres criados a Sua imagem e semelhança (Gn 1.26), providos de inteligência.

3. Visão espiritual

Os verdadeiros adoradores, chamados por Deus para que O adorem em espírito e em verdade (Jo 4.23), não adoram apenas quando estão entre quatro paredes. Andrew Murray diz que: "O grande propósito para o qual o Espírito Santo está dentro de nós é para que adoremos em espírito e em verdade." A visão de culto é abrangente, não restrita. Se é em espírito, vai muito mais além de algo material. Como dito na introdução, os adoradores entendem que a vida, quando vivida de forma piedosa, é um culto a Deus. Entendem que ao terminar a liturgia do culto, inicia-se a liturgia da vida. "A verdadeira adoração", diz Herminsten Maia, "vem do coração, sendo efetuada de forma consciente para Deus (Cl 3.23)." Compreendendo isto, vemos que a visão espiritual é essencial para a verdadeira adoração, pois desta forma o nosso culto não estará confinado apenas a um lugar específico, mas a todo e qualquer lugar que estivermos (Jo 4.10-24).

4. Experiência espiritual

No primeiro ponto foi visto que a fé precede a adoração. Ou seja, apenas os salvos pela Graça adoram. Vimos também que os não-regenerados não adoram por serem inimigos de Deus e mortos, pois mortos não adoram. Mas também há outro motivo. É claro que, antes de tudo, devemos louvar a Deus por Ele ser simplesmente Deus. Mesmo que Deus não tivesse decidido salvar a raça humana de Sua condenação, escolhendo um povo para Si, Ele por si só, simplesmente por ser quem é, merece a nossa adoração. Como no Salmo 105.3, adorar é gloriar-se "no seu [de Deus] santo nome." Mas nós, regenerados pelo Santo Espírito, louvamos a Deus não apenas por Sua grandeza e santidade, mas por nos alegrarmos na Sua salvação (Sl 9.14). Louvor, basicamente, significa elogio. Por isso as músicas na igreja, durante o culto público, devem ser cristocêntricas, pois devem elogiar a Deus e Seus feitos, não aos homens e seus pequenos feitos. Gosto de uma frase de Agostinho que diz: "As melhores ações do homem natural são apenas pecados espetaculares." Esta é a situação de um não-regenerado. Como uma pessoa, que não teve nenhuma experiência espiritual, a experiência de ter nascido de novo em Cristo, pode louvar/elogiar a Deus? É certo que não podemos louvar a Deus sem primeiro sermos salvos. Mas quando salvos, não há nada mais prioritário do que entoarmos louvores a Deus, dando glórias a Ele por Sua grande Graça e Misericórdia em nos salvar e livra-nos da ira vindoura.

5. Confiança

No culto, para se aproximar de Deus, é necessário confiança. Como ficar diante de um Deus Santo se, mesmo salvos, ainda temos o pecado habitando em nós? Em Hebreus 4.16 lemos: "Cheguemo-nos, pois, confiadamente ao trono da graça, para que recebamos misericórdia e achemos graça, a fim de sermos socorridos no momento oportuno." Isto é perfeito! Deus diz que podemos nos achegar confiadamente perante o Seu trono, trono este que emana Graça, Misericórdia e auxílio! Nós só temos confiança, pois Cristo nos concede esta confiança tornando-nos filhos de Deus. Cristo é a lente pela qual Deus nos vê, enxergando nós como: justos, santos e sábios. É apenas por isso que nos aproximamos confiantes. Pois antes éramos inimigos, hoje somos filhos. Timothy Keller, na última conferência do The Gospel Coalition, expôs isto de forma fantástica: "A única pessoa que se atreve em acordar um rei às 3 horas AM para um copo de água é o filho. Temos este tipo de acesso." Tudo isto por causa de Cristo! Ele nos tornou filhos de Deus! Aleluia! "Mas, a todos quantos o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus;" (João 1.12). Por isto, tenhamos confiança!

6. Unidade

A unidade é uma das grandes marcas do cristianismo. No livro de Atos vemos não só a igreja adorando em unidade ao Senhor (Atos 4.24) como sendo unida em sua vida cotidiana (Atos 4.32), compartilhando tudo o que tinham, tendo assim tudo em comum. Deus une também nações, tribos, povos e línguas (Ap 7.9) para que sejam Seus filhos e O adorem. Dentre estas especificações do versículo 9 de Apocalipse, podemos incluir também a cultura. São pessoas de costumes, vestimentas e gírias diferentes. São negros, pardos, morenos e brancos. Deus tem uma diversidade enorme de filhos, que são amados da mesma forma, e chamados a adorarem da mesma forma. Existe maior exemplo de unidade do que a igreja? A adoração do culto público deve ser também em unidade. Lloyd-Jones, fazendo uma aplicação acerca do culto público, comenta:

"Louvor cristão é isso, e nos envolve a todos. Portanto, Paulo não pode estar falando sobre a congregação ficar sentada e ouvindo o belo cântico de um coral. Isso é quase diretamente o oposto do que ele está dizendo. Todavia, é a isso que chegamos. É pior quando o canto é executado por um coral pago, e pior ainda quando os membros do coral pago ou do quarteto especial nem cristãos são, mas são introduzidos na igreja porque têm boa voz. Às vezes, neste país, e mais frequentemente noutros, eles chegam ao culto justo na hora de cantar, e logo depois se retiram!"

Lloyd-Jones não comentou nenhuma novidade sobre não-cristãos que são convidados para conduzirem ou apresentarem louvores ao Senhor na igreja. Existem dois problemas bastante sérios nesta realidade. Primeiro: filhos de Deus se unindo aos filhos do Diabo para em uma só voz entoarem louvores a Deus? É quase que uma traição! Segundo: como ímpios louvam a Alguém que têm como inimigo? Eles cantam diante do trono do próprio Deus, fingindo estarem louvando com suas belas vozes e seus semblantes alterados pela emoção da melodia, enquanto têm seus bolsos cheios de dinheiro em troca desta adoração hipócrita. Que afronta! Mal sabem que Deus rejeita a adoração do ímpio e todos os falsos louvores e que os castigará severamente por causa disso! Então, isto é a unidade na igreja: É o POVO DE DEUS (apenas o salvos pela Graça), reunidos em UMA SÓ VOZ (de toda nação, tribo, povo, língua e de todas as idades), entoando louvores ao Deus que é UNO EM SUA ESSÊNCIA (Trindade).

7. Carência

Vemos em Romanos 3.23, na Nova Versão Internacional (NVI) que "todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus". Mas na João Ferreira de Almeida lemos que "todos pecaram e CARECEM da glória de Deus." O sentido é o mesmo, pois, estar destituído de algo, ou como outras vezes colocam, privado, é estar CARENTE desta coisa. Então, o homem está distante de Deus, apartado, privado, carente da Glória dEle. 

Sabemos que este versículo aplica-se ao não-regenerado. Mas ao mesmo tempo ele se aplica a nós também, Sua igreja. Pois quando foi que, mesmo salvos, deixamos de carecer de Cristo para sobreviver? A própria oração é uma prova de que mesmo não estando nós mais afastados de Deus, nós ainda (e SEMPRE) precisamos de Deus para ter vida. R. C. Sproul, em minha opinião o maior teólogo presbiteriano vivo, diz que "A oração é para o cristão o que a respiração é para a vida, mas nenhum outro dever é tão negligenciado." Em média, o ser humano consegue ficar sem respirar por uns 25 segundos - quando mergulhamos por exemplo. O maior recorde até então foi de um dinamarquês que ficou 22 minutos sem respirar. Com este tempo, eu estaria morto faz muito tempo. Mas a conclusão que chegamos é que mesmo que alguém consiga em algum momento ficar um dia sem respirar, não importa o recorde: ninguém consegue ficar sem respirar por toda a vida. Por isto Paulo nos ordena a orar sem cessar (1 Ts 5.17), viver em espírito de oração, pois nós não conseguimos viver sem falar, sem estar em comunhão com o Deus vivo. Somos totalmente carentes da Glória, do Amor e da Graça de nosso Senhor Jesus. Não há vida fora de Cristo, pois Ele mesmo diz ser o caminho, a verdade e a vida, ficando assim claro do porquê que todos que não tem Cristo, por não crerem no Autor da vida, estão mortos!

Encerrando, você se caracteriza como um adorador segundo os padrões bíblicos? Perceba o quão necessários são estes pré-requisitos. Mas graças a Deus que nós, filhos de Deus, temos auxílio do Espírito Santo para que todas estas coisas sejam aprimoradas, dia após dia em nossas vidas. Busquemos ao Senhor, para que nos tornemos cada vez mais verdadeiros adoradores

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Sobre o autor: Filipe Castelo Branco prega o evangelho em ônibus e favelas. É membro da Igreja Presbiteriana da Aldeota (IPB) em Fortaleza/CE. Coordenador de Evangelismos na Academia de Formação em Missões Urbanas.

Fonte: Blog do autor
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