O Ataque dos Teístas Relacionais à Expiação - 2/3



por John MacArthur


A doutrina bíblica da expiação substitutiva


Na cruz, Deus fez de Cristo uma propiciação – uma satisfação da ira divina contra o pecado (Rm 3.25). O sacrifício que Cristo ofereceu foi um pagamento da penalidade pelo pecado, penalidade que foi estabelecida por Deus. Cristo ofereceu a si mesmo sobre a cruz a Deus. Ele “nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave” (Ef 5.2, itálico acrescentado). Sua morte foi um sacrifício oferecido para saciar a justiça de Deus. Essa foi a única forma pela qual Deus podia continuar sendo justo enquanto justificava os pecadores (Rm 3.26). Essa foi a única forma pela qual ele podia perdoar o pecado sem comprometer sua própria justiça e santidade. 

A Escritura expressamente ensina isso. Cristo morreu em nosso lugar e em nosso favor. Cristo se ofereceu “uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos” (Hb 9.28). Ele “carregou em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (1Pe 2.24), e, quando foi pregado sobre a cruz, ele sofreu a plena ira de Deus em nosso favor. “Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.4, 5). “O Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos
” (Is 53.6). “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar” (Gl 3.13). Esses são princípios estabelecidos no sistema sacrificial do Antigo Testamento, e não conceitos extraídos dos paradigmas legais grego e romano, como os teístas relacionais tanto alegam.  

Foi Deus quem decretou e orquestrou os eventos da crucificação. Atos 2.23 diz que Cristo foi “entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus”. A mão e o conselho de Deus determinaram cada faceta do sofrimento de Cristo (At 4.28). De acordo com Isaías 53.10, “ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar”. Esse mesmo versículo diz que o Senhor fez de seu Servo uma “oferta pelo pecado”. Em outras palavras, Deus puniu Cristo pelo pecado sobre a cruz, e, portanto, fez dele uma oferta pelo pecado. Toda a ira e vingança do Todo-Poderoso ofendido foi colocada sobre ele, e ele se tornou o Cordeiro sacrificial que carrega os pecados de seu povo. 

Essa é a essência do livro de Hebreus. “É impossível que o sangue de carneiros e de bodes remova pecados” (Hb 10.4). O verso 10 diz: “Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas”. Muito claramente esses versos estão ensinando que Cristo foi sacrificado como uma expiação sangrenta para cumprir as exigências da justiça de Deus. Não é de se espantar que muitos achem chocante essa verdade. Ela é chocante. E ela é profunda. Ela deve nos colocar prostrados diante de Deus. Qualquer “novo modelo” que diminua ou negue a verdade do sofrimento vicário de Cristo nas mãos do próprio Deus é um “modelo” seriamente defeituoso.

O que você pensa quando pondera a morte de Cristo sobre a cruz? O teísmo relacional reafirma a velha mentira liberal de que ele foi basicamente um mártir, uma vítima da humanidade – entregue à morte nas mãos de homens maus. Mas a Escritura diz que ele era o Cordeiro de Deus, uma Vítima da ira divina. 

O que fez com que as misérias de Cristo sobre a cruz fossem tão difíceis de suportar não foi o escárnio, nem a tortura, nem o abuso dos homens maus, foi o fato de que ele levou sobre si todo o peso da fúria divina contra o pecado. Os sofrimentos mais dolorosos de Jesus foram não somente aqueles infligidos pelos cravos, pregos e espinhos, a mais excruciante agonia que Cristo suportou foi a plena penalidade pelo pecado em nosso favor – a ira de Deus derramada sobre ele em medida infinita. Lembre-se de que quando ele, finalmente, clamou em agonia, foi por causa das aflições que ele recebeu da própria mão de Deus: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mc 15.34). Nós não podemos sequer começar a saber o que ele sofreu.

Essa é uma terrível realidade a ser ponderada. Mas nós temos coragem para não seguir os teístas relacionais na rejeição da noção de que ele suportou a punição de seu Pai por causa de nossos pecados, pois nessa verdade está a própria espinha dorsal do genuíno Cristianismo. Essa é a principal razão pela qual a cruz é uma ofensa (cf. 1Co 1.18). 

A Escritura diz: “[Deus] o [Cristo] fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). Nossos pecados foram imputados a Cristo, e ele suportou o preço cruel de ser nosso substituto. Da mesma forma, sua justiça foi imputada a todos os que crêem, e esses crentes ficam diante de Deus plenamente justificados, vestidos com as puras vestes brancas da perfeita justiça de Deus. Em outras palavras, esse é o sentido do que aconteceu na cruz para cada crente: Deus tratou Cristo como se ele tivesse vivido nossa vida pecaminosa, de forma que ele possa nos tratar como se nós tivéssemos vivido a vida perfeita e imaculada de Cristo. 

Negue a natureza vicária da expiação – negue que nossa culpa foi transferida a Cristo e que ele suportou a penalidade correspondente a ela – e você terá negado o próprio fundamento de nossa justificação. Se nossa culpa não foi transferida a Cristo e paga na cruz, como a justiça de Cristo pode ser imputada a nós para nossa justificação? Toda visão deficiente da expiação tem que lidar com esse problema, e, infelizmente, aqueles que compreendem equivocadamente o sentido da expiação, invariavelmente, acabam proclamando um evangelho diferente, um evangelho que nega o princípio da justificação pela fé. 


A luta pela expiação

A expiação é um tema teológico que tem sido debatido desde que Anselmo de Canterbury (1033-1109) começou a focalizar a clara luz da Escritura sobre esse tão negligenciado e geralmente mal compreendido aspecto da redenção. A Igreja primitiva, consumida por controvérsias sobre a Pessoa de Cristo e a natureza da Divindade, mais ou menos tomou por certa a doutrina da expiação. Ela raramente era um assunto de debate ou análise sistemática nos escritos da Igreja primitiva, mas, quando os Pais da Igreja escreveram sobre a expiação, eles empregaram a terminologia bíblica sobre resgate e propiciação. 

Poucos argumentam que os Pais da Igreja tinham uma compreensão bem formada da expiação como uma substituição penal, mas Augustus Hodge salientou que a idéia de expiação vicária estava mais ou menos implícita em sua compreensão, exatamente como se ela fosse “geralmente deixada em um alto grau como pano de fundo e misturada confusamente com outros elementos da verdade ou da superstição”. Especificamente, alguns dos Pais da Igreja pareciam confusos sobre a natureza do resgate pago por Cristo – especialmente sobre a questão de a quem esse resgate era devido. Alguns deles pareciam pensar que esse resgate foi pago a Satanás, como se Cristo tivesse pago uma taxa ao demônio para libertar os pecadores. Essa posição geralmente é chamada de teoria do resgate da expiação.

Contudo, de acordo com Hodge, “com poucas exceções, toda a Igreja, desde o começo, tem afirmado a doutrina da redenção no sentido de uma propiciação literal de Deus através da expiação do pecado”. Certos comentários sobre o resgate de Cristo, feitos pelos Pais da Igreja, não deveriam ser admitidos como afirmações doutrinárias estudadas e conscientes, mas como expressões infantis de uma deformada e inadequada doutrina da expiação. Philip Schaff, comentando sobre a falta de clareza sobre a expiação nos escritos da Igreja primitiva, diz:

“Os mestres da Igreja primitiva viviam mais em grata alegria da redenção do que em reflexão lógica sobre ela. Nós percebemos em suas exibições desse abençoado ministério a linguagem de um sentimento entusiástico em vez da linguagem de uma análise aguda e de definições cuidadosas”. Contudo, Schaff acrescenta: “Todos os elementos essenciais da posterior doutrina da redenção podem ser encontrados, de forma expressa ou implícita, antes do fim do século 2º” 

Até Anselmo, nenhum teólogo de ponta tinha gasto realmente muita energia na sistematização da doutrina bíblica da expiação. Anselmo escreveu sobre esse assunto a obra Cur Deus Homo? [Por que Deus se Tornou Homem?], oferecendo evidência bíblica de que a expiação não foi um resgate pago por Deus ao demônio, mas um débito pago a Deus em favor dos pecadores, uma satisfação da justiça divina. A obra de Anselmo sobre a expiação lançou os fundamentos para a Reforma Protestante e se tornou o próprio coração da teologia evangélica. A articulação da doutrina de Anselmo, conhecida como teoria da substituição penal, há muito tempo tem sido considerada um aspecto essencial de toda doutrina verdadeiramente evangélica. Historicamente, todos aqueles que abandonaram essa posição passaram a integrar movimentos fora do evangelicalismo.

Um contemporâneo próximo de Anselmo, Pedro Abelardo, respondeu com uma posição sobre a expiação que é virtualmente a mesma posição mantida por alguns dos principais teístas relacionais modernos. De acordo com Abelardo, a justiça de Deus é submissa ao seu amor. Ele não exige pagamento pelo pecado. Em vez disso, o valor redentivo da morte de Cristo consistiu no poder do exemplo amoroso que ele deixou para que os pecadores seguissem. Essa posição é geralmente chamada de teoria da influência moral da expiação. A posição de Abelardo foi posteriormente adotada e refinada pelos socinianos do século 16 (como discutido acima).

Claro, como acontece com a maioria das heresias, há um pedacinho de verdade na teoria da influência moral. A obra expiatória de Cristo é a expressão consumada do amor de Deus (1Jo 4.9, 10). Ela também é um motivo para o amor do crente (1Jo 4.7, 8, 11), mas o grande problema com a abordagem de Abelardo é que ele fez da expiação nada mais que um exemplo. Se Abelardo estivesse certo, a obra de Cristo na cruz nada realizaria de objetivo em favor dos pecadores – pois não haveria o aspecto de propiciação real na morte de Cristo. Isso faz com que a redenção do pecador seja essencialmente nossa responsabilidade. Os pecadores são “redimidos” por seguirem o exemplo de Cristo. A “salvação” é reduzida a uma reforma moral motivada pelo amor. Trata-se de uma forma de salvação pelas obras.

A posição de Abelardo sobre a expiação é a doutrina que está no núcleo da teologia liberal. Como toda forma de salvação pelas obras, ela é um evangelho diferente daquele apresentado como boas-novas na Escritura.

Uma terceira posição sobre a expiação foi inventada por Hugo Grotius (1583- 1645) durante a controvérsia arminiana na Holanda. Conhecida como a teoria governamental da expiação, essa posição é uma espécie de meio-termo entre Abelardo e Anselmo. De acordo com Grotius, a morte de Cristo foi uma demonstração da justiça de Deus, mas não um pagamento real em favor dos pecadores. Em outras palavras, a cruz mostra com o que se pareceria a punição pelo pecado se Deus o tratasse como merece, mas nenhum pagamento vicário do débito dos pecados foi feito por Cristo.

Grotius, assim como Abelardo e os socinianos, cria que Deus pode perdoar pecados sem qualquer tipo de pagamento, mas dizia que a dignidade e autoridade da lei de Deus ainda precisavam ser afirmadas. O pecado é um desafio ao direito que Deus tem de governar. Se Deus simplesmente negligenciasse o pecado, ele estaria abrindo mão de seu direito moral de governar o universo. Dessa forma, a morte de Cristo foi necessária para manter sua autoridade como governante, pois ela provou sua prontidão e seu direito de punir, muito embora ele renuncie às reivindicações de sua justiça contra pecadores arrependidos. A morte de Cristo, portanto, não foi uma substituição pela punição merecida por alguma outra pessoa, mas simplesmente um exemplo público da autoridade moral de Deus e de sua aversão ao pecado.

Em outras palavras, diferentemente de Abelardo, Grotius viu que a morte de Cristo revelou tanto a ira quanto o amor de Deus. Como Abelardo, contudo, Grotius cria que a expiação foi exemplar, e não substitutiva. Cristo realmente não sofreu no lugar de qualquer outra pessoa. A expiação não teve uma realidade objetiva em favor dos pecadores, ela foi somente um gesto simbólico. A morte de Cristo foi somente um exemplo e a redenção, portanto, depende completamente de algo que o pecador precisa fazer. Dessa forma, a teoria governamental também resulta inevitavelmente em salvação pelas obras.

O novo modelo teísta relacional parece vacilar entre duas opiniões erradas, às vezes ecoando o governamentalismo de Grotius, às vezes ecoando suspeitosamente a teoria de Abelardo, mas uma coisa sobre a qual todos os teístas relacionais concordam é esta: Anselmo e a posição da substituição penal da expiação são obsoletos, parte de um modelo ultrapassado que eles mal podem esperar para que o movimento evangélico jogue fora.

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Continua nos próximos dias...

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Fonte: Eu não sei mais em quem eu tenho crido / Douglas Wilson (org.) - São Paulo: Cultura Cristã, 2006. Págs. 87-91

Leia também: 

O ataque dos teístas relacionais à Expiação - 1/3
O ataque dos teístas relacionais à Expiação - 3/3 (em breve)
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