Apologética - A Questão da Taxonomia

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Por Steven B. Cowan


Embora os Apologistas concordem com a definição e objetivos básicos da apologética, eles podem diferir significativamente sobre a metodologia apropriada da apologética. Ou seja, eles discordam sobre como o apologista realiza sua tarefa – acerca de tipos de argumentos que podem e deveriam ser usados e sobre a maneira que o apologista envolve o incrédulo no debate apologético. Para usar uma analogia militar, existem diferenças de opinião sobre a melhor estratégia para usá-la na defesa da fé. Essas diferenças na estratégia apologética geralmente dependem de desacordos mais fundamentais a respeito de importantes assuntos teológicos e filosóficos. E isto me leva à questão da taxonomia.[1]

Como podemos esboçar as diferentes abordagens à Apologética? De todos os livros de metodologia apologética, nem mesmo dois deles classificam os vários métodos exatamente da mesma maneira. Por exemplo, Gordon Lewis classifica os métodos apologéticos de acordo com suas respectivas epistemologias religiosas.[2] Ele distingue-os por aquilo que cada uma considera ser a relação correta para aquisição de conhecimento das verdades religiosas. Com base nisso, ele diferencia seis métodos apologéticos.[3]

A Epistemologia Religiosa pode ser um fator decisivo em distinguir um método apologético de outro. Por exemplo, dois dos métodos distinguidos por Lewis são o Empirismo Puro, defendido por J. Oliver Buswell Jr.[4] e o Racionalismo, defendido por Gordon H. Clark.[5] A metodologia de Buswell requer que façamos observações do mundo e façamos inferências causais a partir dessas observações, que ele acredita vai conduzir o observador objetivo a crer em Deus e na Verdade da fé Cristã. Ele usa os argumentos teístas clássicos e apela às evidências históricas para a ressurreição de Jesus. [Gordon] Clark, por outro lado, repudia o uso de tais argumentos e evidências, em grande parte por razões epistemológicas. Além do mais, ele argumenta que o apologista deve começar com as Escrituras com um primeiro princípio. Ou seja, a Escritura serve como um axioma racional por meio da qual todas as outras reivindicações da verdade são testadas. Clark, então, afirma que o Cristianismo é o único sistema coerente, [e] todas as outras cosmovisões são logicamente inconsistentes. Então, a epistemologia religiosa destes dois apologistas leva-os a diferentes abordagens apologéticas.

Não há dúvida de que a epistemologia religiosa pode servir para demarcar diferentes métodos apologéticos. Mas, é igualmente evidente que epistemologia religiosa não pode sempre distinguir os métodos apologéticos. Tomemos novamente o Empirismo Puro de Buswell, mas desta vez comparemos com o que Lewis chama Empirismo Racional, atribuído a Stuart C. Hackett.[6] A epistemologia de Buswell segue Locke e Hume, que criam que todo conhecimento surge a partir da experiência. Hackett é um kantiano, que sintetiza racionalismo e empirismo. Como Kant, ele acredita que o conhecimento começa com os dados brutos da experiência, mas que estes dados são organizados e estruturados por categorias a priori da mente.

Estudantes de epistemologia sabem que estas abordagens do conhecimento são significativamente diferentes, mas as abordagens apologéticas derivadas destas epistemologias, para fins práticos, não diferem.[7] Se compararmos o que Buswell realmente faz por meio de seus argumentos apologéticos, com o que Hackett faz, vamos discernir pouca ou nenhuma variação. Hackett usa os argumentos teístas para estabelecer a verdade da cosmovisão teísta. Ele, então, como Buswell, apela às evidências históricas para estabelecer a ressurreição e divindade de Cristo.

Assim, novamente, enquanto a epistemologia religiosa seja certamente importante e possa desempenhar um papel importante em distinguir um método apologético de outro, ela não é suficiente (em todo caso) para distinguir um método de outro. Este sentimento é fortemente ecoado por mais de um dos colaboradores deste volume. Gary Harbemas, por exemplo, argumenta que sua abordagem evidencialista da apologética “pode ser favorecida por qualquer dos diversos pontos de vista epistêmicos”(p. 93).

Bernard Ramm, outro autor que escreveu um livro sobre metodologia apologética, apresenta uma abordagem taxonômica mais promissora à apologética.[8] Ele distingue três famílias de sistemas apologéticos.

1. Sistemas que enfatizam a singularidade da Experiência Cristã da Graça. Ramm descreve várias características distintivas desta abordagem apologética, mas chama a atenção para a ênfase colocada sobre a experiência religiosa subjetiva. A ênfase recai aqui por causa de ênfases correlativas, tanto na transcendência de Deus quanto no efeito noético do pecado. Desde que o pecado cega a mente humana, e desde que Deus é tão diferente dos seres humanos, Deus pode ser conhecido apenas através de alguma experiência supra-racional, talvez até mesmo paradoxal, ou “encontro existencial”. Consequentemente, esta abordagem tem pouco uso para a teologia natural ou evidências cristãs. A “experiência” individual “da religião é tão profunda ou exclusiva ou auto-confirmada que a experiência em si é sua própria prova”.[9] Ramm lista Pascal, Kierkegaard e Brunner como membros desta família.

2. Sistemas que enfatizam a teologia natural como o ponto do qual o apologista começa. Aqueles que seguem esta escola, deposita grande confiança na razão humana para descoberta do conhecimento religioso. Consequentemente, existe menos ênfase no efeito noético do pecado e na transcendência de Deus. As verdades religiosas podem ser conhecidas e verificadas da mesma maneira que proposições científicas podem ser conhecidas e verificadas. Entre aqueles que seguem este método, se encontrará uso extensivo dos argumentos teístas e evidências históricas para demonstrar a verdade do Cristianismo. Aquino, Buswell e Tennant são proponentes tomados por Ramm como paradigma desta abordagem apologética.

3. Sistemas que enfatizam a revelação como fundamento sobre o qual a apologética deve ser construída. Ramm descreve esta abordagem como correspondendo, de certa forma, entre as duas primeiras. Como ele coloca, “a escola revelacional acredita que a primeira escola é subjetivista demais... [e] critica a segunda escola por não avaliar seriamente a depravação do homem”.[10] Em vez de começar com o subjetivismo da experiência religiosa ou o racionalismo da teologia natural, esta terceira escola começa com a verdade objetiva da revelada Palavra de Deus. A razão tem um papel nesta abordagem, mas a razão é fundamentada sobre fé na revelação de Deus e busca entender a revelação de Deus. A razão não pode colocar-se como juiz da revelação de Deus. Esta abordagem põe grande ênfase no efeito noético do pecado, mas talvez não tanto na transcendência de Deus. Deus é capaz de revelar-se em forma proposicional ao ser humano através de uma revelação escrita (i.e, a Bíblia) e pela obra do Espírito Santo é capaz de diminuir os efeitos da cegueira do pecado na mente do crente. Esta escola concentra-se na apologética negativa, embora exista algum uso limitado de argumentos teístas e evidências históricas.[11] Ramm indica Agostinho, Calvino e Kuyper como defensores desta escola apologética.[12]

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Notas:

[1] In: GUNDRY, Stanley N. ;COWAN, Steven B. Five Views on Apologetics. Zondervan Counterpoints Collection. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2000, p.9 – 12.
[2] Gordon R. Lewis, Testing Christianity’s Truth Claims (Chigago: Moody Press, 1976).
[3] Os seis métodos/epistemologias são (1) Empirismo Puro, exemplificado no século vinte por J. Ollver Buswell Jr; (2) Empirismo Racional, que Lewis atribui a Stuart C. Hackett; (3) Racionalismo, que, de acordo com Lewis, é a epistemologia e o método de Gordon H. Clark; (4) Absolutismo Bíblico, advogado por Cornelius Van Til; (5) Misticismo, exemplificado pela obra de Earl E. Barret e; (6) Verificacionismo, que é o que Lewis atribui a E.J. Carnell.
[4] Veja o A Christian View of Being and  Knowing (Grand Rapids: Zondervan, 1960), de Buswell.
[5] Algumas obras de Clark incluem A Christian View of Men and Things (Grand Rapids: Eerdmans, 1952) e Three Types of Religious Philosophy (Nutley, N.J: Craig, 1973). Nota do Tradutor: Ambos os livros encontram-se traduzidos para o português, sob os respectivos títulos:  Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo (Brasília, DF: Editora Monergismo, 2013) e Três Tipos de Filosofia Religiosa (Brasília, DF: Editora Monergismo, 2013). Visite o site: www.editoramonergismo.com.br
[6] O método e epistemologia de Hackett podem ser encontrados em The Reconstruction of the Christian Revelation Claim: A Philosophical and Critical Apologetic (Grand Rapids :Baker, 1984)
[7] Este ponto, claro, é baseado na suposição de que metodologia apologética tem algo a ver com a forma como alguém faz apologética.
[8] Bernard Ramm, Varieties of Christian Apologetics (Grand Rapids: Baker, 1961), 14 – 7.
[9] Ibidem, 15.
[10] Ibidem, 16.
[11] De fato, esta Escola não menospreza o uso dos Argumentos Teístas e Evidências Históricas como alguns equivocadamente afirmam. Porém, tais argumentos não são vistos neutramente, mas dentro de uma estrutura epistemologicamente bíblica. Cf. Cornelius Van Til, Christian Theistic Evidences (In Defense of the Faith, vol. 6). Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing, 1978. [Nota do Tradutor]
[12] Em um a edição mais antiga de seu livro (Types of Apologetics Systems[Wheaton: Van Kampen, 1953]), Ramm lista Cornelius Van Til e E.J. Carnell como seguidores desta abordagem.

Nota do Tradutor: Certamente é um equívoco colocar Van Til e Carnell na mesma Escola, e isso a partir do próprio ponto de vista do Dr. Van Til, que embora reconhecesse o valor da obra do Dr. Carnell, o considerava um apologista reformado inconsistente. Diz Van Til: “O falecido Edward John Carnell, autor de An Introduction to Christian Apologetics, e professor de apologética do Fuller Theological Seminary, foi o escritor da série [de artigos no Moody Monthly Magazine]. Os escritos de Carnell estavam entre os melhores dos que apareciam nos círculos evangélicos. De fato, em seu livro sobre apologética, Carnell com frequência argumenta como esperaríamos de um apologista reformado. Contudo, em toda a extensão, ele representa o método arminiano, em vez de o método da apologética reformada” (VAN TIL, Cornelius. O Pastor Reformado e o Pensamento Moderno. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2010, p.44)(grifos meus). 

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Fonte: COWAN, Steven B. Five Views on Apologetics. Zondervan Counterpoints Collection. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2000, p.9 – 12.
Tradução: Rev. Gaspar de Souza
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