Podemos repreender Satanás e os demônios?

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Por Leonardo Dâmaso

A prática de repreender Satanás em nome de Jesus, bem como os seus demônios que causam ou são os demônios da doença, da miséria, da prostituição, do adultério e dos vícios em geral [que são obras da carne, e não espíritos malignos Gl 5.19-21], determinando que eles vão embora da vida da pessoa vitimada por eles, é vista exclusivamente no meio evangélico pentecostal e neopentecostal. Muitas destas denominações religiosas, com algumas poucas exceções por parte dos pentecostais tradicionais da primeira fase do pentecostalismo que conservaram suas doutrinas iniciais, são aderentes do movimento de batalha espiritual, difundido mundialmente a partir da década de 1960.

Origem do conceito de repreender demônios

O movimento herético animista de batalha espiritual alcançou grande popularidade mediante dois romances escritos por um novelista – Frank Perretti, chamados Este Mundo Tenebroso (vols. 1 e 2), os quais relatam o renhido confronto espiritual de um grupo de cristãos contra espíritos malignos territoriais que tentavam estabelecer domínio em pequenas cidades nos Estados Unidos. Todavia, o conceito de batalha espiritual [especificamente o da quarta linha, caracterizada pela terceira fase do Espírito] envolvendo a luta com demônios, ministério de libertação, quebra de maldições e mapeamento espiritual ganhou destaque, tendo maior popularidade no Brasil, através do seu maior precursor, o teólogo Peter Wagner, que escreveu muitos artigos e livros sobre o tema. 
     
Não obstante, algumas das principais “doutrinas” do movimento de batalha espiritual já era praticada no início do século 20. “Nas três primeiras décadas, o missionário inglês James O. Fraser, trabalhando em meio ao povo Lisu, na China, um povo envolvido com magia negra, espiritismo e animismo, utilizou estratégias como dar ordens em voz alta a Satanás e seus demônios para quebrar o domínio desses espíritos sobre os Lisu. Partindo de sua experiência no campo missionário Fraser desenvolveu na base da “tentativa e erro”, alguns métodos para combater, pela oração, a influência dos espíritos malignos que atormentavam esse povo tribal. O que convenceu Fraser de que estava no caminho certo foi que esse método “funcionava”.¹ Apesar de existir 4 linhas dentro do movimento de batalha espiritual que diferem umas das outras [os carismáticos, dispensacionalistas, batalha espiritual moderada e batalha espiritual popular da terceira fase do Espírito], contudo, todas elas são unânimes nos pontos básicos de suas “doutrinas”.  

Jesus e as repreensões a demônios

Geralmente, o argumento popular utilizado pelos aderentes do movimento da batalha para repreender os demônios que causam os mais variados tipos de males na vida das pessoas que são atacadas por eles, é que o próprio Jesus, o Deus filho encarnado, repreendeu os demônios, pois ele veio a este mundo para desfazer as obras do diabo (1Jo 3.8).

Indubitavelmente, Jesus repreendeu os demônios algumas vezes em seu ministério terreno. Se estudarmos no Novo Testamento o verbo grego repreender (έπιπιμάω - epitimaõ), especificamente nos Evangelhos, iremos perceber que ele é aplicado no contexto das repreensões aos demônios somente a Jesus (no caso de repreensões aos discípulos, veja Mc 8.33; Lc 9.55; 19.39; para outros tipos de repreensões veja Mt 16.22; 19.13; 20.31; Mc 8.32; 10.13, 48; Lc 17.3; 18.15, 39; 23.40). Ele repreendeu um tipo de doença apenas uma vez, quando curou a sogra de Pedro de uma febre altíssima (Lc 4.39). Repreendeu a tempestade [o vento e o mar], que imediatamente cessou (Mt 8.26; Mc 4.39). Repreendeu os demônios para que não se revelasse aos outros quem ele era – o Filho de Deus (Mt 12.16; Mc 3.12) e, em outras circunstâncias, nos exorcismos para que ficassem calados e saíssem da vida de suas vítimas (Mt 17.18; Mc 1.25; 9.2). No livro de Atos, por sua vez, e nas cartas de Paulo, Pedro, João, Judas e Hebreus não encontramos qualquer um dos apóstolos usando o termo repreender ou ensinando a prática do mesmo. Embora vemos descrito no livro de Atos o ríspido confronto de Paulo com o falso profeta Barjesus ou Elimas, todavia, ainda assim, ele não disse: “Eu te repreendo” (At 13.4-12), conforme vemos muitos pastores e cristãos pentecostais e neopentecostais repreendendo nos cultos de libertação e no dia a dia quando se deparam com alguma situação que, no entendimento deles, seja de origem demoníaca.

Análise teológica do termo repreender

O motivo pelo qual não podemos estender o ato de repreender aos cristãos para cercear a ação dos demônios é em virtude da falta de evidências explícitas nas Escrituras para esta prática e porque repreender os demônios é uma prerrogativa exclusiva de Cristo, apenas, pois foi Jesus quem venceu Satanás e os demônios e os expôs publicamente a derrota triunfando sobre eles na cruz pela sua morte e ressurreição (Cl 2.15). O termo repreender neste contexto tem a ver com a obra redentora de Cristo Jesus em derrotar Satanás na cruz. É por isso que não encontramos nenhum apóstolo repreendendo Satanás e os demônios, mas, sim, utilizando outros termos para realizar exorcismos, como ordenar (At 16.18) e expelir os demônios (MT 10.1; Mc 6.7; Lc 9.1), os quais diferem do significado do termo repreender usado no contexto da obra de redentora de Jesus em vencer Satanás.  

Jesus é Deus e Senhor sobre toda sua criação. Se os cristãos usam Jesus como modelo e quem lhes deu autoridade para repreender demônios e doenças, via de regra eles deveriam também repreender tempestades, furacões e tsunamis, uma vez que possuem autoridade e que Jesus, conforme vimos anteriormente, também repreendeu a fúria destes elementos naturais. Contudo, pelo o que sei ninguém até hoje na história foi capaz de fazer isso, nem mesmo os apóstolos; somente Jesus.

Por outro lado, muitos cristãos podem tentar refutar esta posição recorrendo ao Evangelho de Marcus 16. 17, onde o próprio Jesus diz, segundo os cristãos pentecostais e neopentecostais:

E estes sinais acompanharão os que creem: em meu nome [no nome de Jesus] expulsarão demônios” [ou seja, é o famoso chavão: “Em nome de Jesus, eu te repreendo demônio”, nota do autor]. (Almeida Século 21)

Embora possa ser interpretado como uma referência aos apóstolos, é importante destacar que, tendo em vista os problemas textuais que levantam dúvidas quanto a sua autenticidade, os versículos 9-20 do capítulo 16 do Evangelho de Marcus não constam em alguns manuscritos antigos. Existem também finais diferentes para este trecho do Evangelho de Marcus em outros manuscritos. Portanto, devemos ser cautelosos antes de lançar mão desta passagem como prova irrefutável de que os cristãos podem repreender os demônios, uma vez que foram os apóstolos que receberam autoridade do próprio Jesus para tal prédica.

O exemplo de Miguel com o Diabo

Em Judas 9 é relatado que o arcanjo Miguel, discutindo e disputando com o diabo sobre o corpo de Moisés, não foi ousado em pronunciar contra ele injúrias, e nem disse Eu te repreendo em nome de Jesus ou, tampouco, eu te repreendo, apenas. Pelo contrário, Miguel disse: “O Senhor te repreenda”!

O arcanjo Miguel é o mais poderoso dos anjos de Deus. Ele é o chefe do exército dos anjos de Deus. Ele é um ser sem pecado e mais poderoso que os seres humanos e está na presença de Deus. Na ocasião em que se deparou em um confronto com o diabo acerca do corpo de Moisés [é bem provável que Satanás queria roubar o corpo de Moisés para incitar Israel a idolatria], o arcanjo Miguel não se atreveu a proferir palavras infames contra ele como muitos cristãos fazem hoje por falta de conhecimento, tais como: “Você não vale nada, seu desgraçado”! Você é um leão sem dentes! Você é um cabeça rachada [chavão popular no meio pentecostal e neopentecostal, nota do autor] etc. Antes, Miguel entendia que somente Cristo Jesus e Deus Pai podem repreender Satanás, e se limitou apenas em dizer: O Senhor te repreenda (veja outro exemplo em Zc 3.1-2)!  
        
Conclusão

Portanto, de acordo com as Escrituras, entendemos que:

(1) Existe a batalha espiritual, porém, a batalha espiritual bíblica, que é diametralmente oposta do que enfatiza a batalha espiritual do movimento herético e místico difundido pelo seu maior percussor – Peter Wagner.

(2) Não foi dada autoridade aos cristãos para repreender Satanás e os demônios, entretanto, eles podem realizar o exorcismo em nome de Jesus caso se deparem com alguma pessoa possessa.

(3) O ato de repreender [no sentido de ter derrotado] Satanás e os demônios e suas atuações é uma obra exclusiva de Jesus que ocorreu no passado, em seu ministério, morte e ressurreição e ainda ocorrerá na sua segunda vinda, quando ele derrotar Satanás e os demônios definitivamente lançando-o no lago de fogo (Ap 21.10). Satanás e os demônios já foram e são derrotados, mas ainda serão derrotados para sempre.

(4) Ao invés dos cristãos quando forem exorcizar alguém possesso e também orar equivocadamente assim: “Eu te repreendo, Satanás; ou, em nome de Jesus, eu te repreendo desta vida Satanás”, os cristãos podem exorcizar e orar corretamente assim: Senhor Jesus, repreenda Satanás. Repreenda a ação de Satanás da vida desta pessoa libertando-a. Creio ser esta a melhor forma de se orar no caso de exorcismos.  

Quando se viram ameaçados pelos lideres religiosos em Jerusalém, os cristãos da igreja primitiva em Atos não repreenderam algum demônio que poderia estar por trás da oposição que estavam enfrentando, [o que pode ter acontecido, uma vez que o diabo se opõe aos que evangelizam e ensinam o verdadeiro e puro evangelho de Cristo Jesus], simplesmente eles se voltaram para Deus em oração e pediram para que ele olhasse para as ameaças que receberam para não mais anunciar o evangelho (At 4.29-31).


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Nota:
1 Augustus Nicodemus Lopes. O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual, pág 29.   

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Divulgação: Bereianos
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5 comentários

Anônimo mod

Por exemplo: Se uma pessoa ficar possessa, um cristão não pode dizer: Em nome do Jesus Cristo saia!? O cristão não têm autoridade para, em nome de Jesus, expulsar os demónios? Será que, realmente, a solução é negar a autenticidade e a inspiração de Marcos 16.17? Rejeito, absolutamente, os pressupostos e o conteúdo do movimento de Batalha Espiritual. Não podemos confundir as obras da carne (adultério, prostituição, ódio...) e as enfermidades com os demónios (espirito disso ou daquilo...), como fazem os neo-pentecostais e alguns pentecostais. Todavia, afirmar que um cristão não pode expulsar, em hipótese alguma, um demónio; não me parece ser uma resposta coerente com o testemunho neotestamentário.

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Anônimo mod
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo mod

Anônimo, releia o artigo e verá que o que foi abordado não é que o cristão não pode exorcizar alguém possesso, mas, sim, que o cristão pode exorcizar, porém ele não possui autoridade para repreendê-lo, uma vez que somente Cristo tem essa autoridade. Os cristãos podem ao invés de orar dizendo: "Eu te repreendo em nome de Jesus ou está repreendido em nome de Jesus" fazer como o arcanjo Miguel fez: O Senhor te repreenda! Ou seja, devemos orar dizendo - "Senhor Jesus, repreenda Satanás desta vida! Repreenda a atuação de Satanás contra esta vida, por exemplo. O agente que repreende é Jesus! Quando dizemos assim: EU TE REPREENDO mesmo em nome de Jesus, todavia, isto pressupõe que a pessoa que diz isso possui autoridade, o que não é verdade. Aconselho vc a ler os artigos postados com atenção para que seja evitado equívocos desnecessários por falta de entendimento correto.

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É o seguinte sobre a Batalha Espiritual todo o Cristão sofre todos os dias contra o pecado.
Epa eu não sei Ali em Brasil. mas nós aqui em Africa vimos coisas que só Deus pode nós fazer intender.
e cada um que prega a palavra da verdade que é a Bíblia prega oquê vive.sem mas nada a comentar Mateus 10 .1-8.João 17:17

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Òtima abordagem! Pastor Augustus sempre preocupado com o que a escritura nos diz sobre o tema.

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