O conhecimento médio - Parte 1/3



Por François Turretini

Há em Deus um conhecimento intermediário entre o natural e o livre? Isso negamos contra os jesuítas, os socinianos e remonstrantes.

O duplo conhecimento intermediário.

I. Embora o conhecimento de Deus seja uno e simples intrinsecamente não menos que sua essência, ele pode ser considerado de maneiras diferentes, extrinsecamente, quando aos objetos. Mas comumente é distinguidos pelos teólogos entre o conhecimento da simples inteligência (ou natural e indefinido) e o conhecimento da visão (ou livre e definido). O primeiro é o conhecimento de coisas meramente possíveis, e por isso é chamado de indefinido, porque nada em mãos é determinado por Deus concernente a eles. O segundo é o conhecimento de coisas futuras e é chamado de definido, porque coisas futuras são determinadas pela infalível vontade de Deus. Por isso diferem mutuamente: (1) em objeto, porque o conhecimento natural se ocupa de coisas possíveis, porém o soberano de coisas futuras; (2) em fundamento, porque o natural se fundamenta na onipotência de Deus, porém o soberano depende de sua vontade e decreto, por cujas coisas passa de um estado de possibilidade a um estado de futurição; (3) em ordem , porque o natural precede o decreto, porém o soberano o segue, porque visualiza coisas futuras; agora elas não são futuras, exceto por meio do decreto.

A origem do conhecimento intermediário. 

II. Além dessas duas espécies de conhecimento divino, uma terceira foi engendrada pelos jesuítas Fonseca, Lessuis e Molina. Não há entre eles concordância sobre quem é o pai desse feto (foetus) (cada um o reivindica para si), o qual chamam de "intermediário", porque está entre o natural e o livre e difere de ambos. Difere do indefinido e natural, porque se ocupa do futuro, porém não das coisas possíveis. Difere do soberano, porque se relaciona com as coisas certamente futuras, porém apenas em termos hipotéticos. Os autores explicam esse conhecimento intermediário no sentido da presciência de Deus sobre eventos condicionais futuros, cuja veracidade depende não do decreto soberano de Deus (sendo anterior a este), porém da liberdade da criatura (a qual Deus certamente prevê), seja em si mesma ou na coisa (como se determinará se posta em dadas e certas circunstâncias).

III. O propósito dos jesuítas era defender a heresia semipelagiana da fé e das obras previstas na eleição, e apoiar a ficção do livre arbítrio a fim de mais facilmente livrar-se dos argumentos dos dominicanos, que rejeitavam tal previsão (principalmente por esta razão: visto que não há conhecimento em Deus [a não ser natural - de coisas possíveis - ou soberano - de coisas futuras], toda presciência da fé e do bom uso do livre arbítrio deve depender do decreto, não precedê-lo). Imaginariam que só poderiam escapar desse argumento pela invenção do conhecimento intermediário. Não há necessidade de levar em conta os distúrbios que essa questão suscitou entre os jesuítas e dos dominicanos. O papa, nesse ínterim, a cujo tribunal toda a matéria era frequentemente submetida para seu julgamento infalível, num assunto de tão grande importância cochilou e não ousou determinar coisa alguma. É suficiente fazer essa observação: o que os jesuítas defendiam como sua Helena foi ferozmente assaltado pelos dominicanos como o que há de mais falso (entre os quais se contavam os eminentes Cumel, Ripa, Alvarez, Nugno e outros, com os quais concordam os jansenistas modernos). 

IV. Essa invenção foi posteriormente adotada pelos socinianos e remonstrantes, os quais defenderam corajosamente visando preservar na fortaleza o livre arbítrio; ver Armínio, "Certain Articles to be Diligently Examined and Weighed", "On God Considered According to His Nature", The Weitings of James Arminius (1956), 2:480-81; Vorstius, Tractatus theologicus de Deo (1610); Grevinchovius, Dissertatio theologica de duabus quaestionibus... controversis... inter G, Amesium (1615).

Fonte: Turretini, François. Compêndio de teologia apologética: vol 1, 3º tópico, 13º pergunta, pags 288-289. Ed. CEP.
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