Tensões no culto evangelico Brasileiro

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Por: Augustus Nicodemus Lopes

Uma das áreas mais polêmicas dentro do Cristianismo é exatamente aquela em que deveria haver mais harmonia e consenso entre os cristãos, ou seja, o culto. Através da sua história, a Igreja Cristã vem se debatendo com disputas, discussões e discordâncias quanto a alguns importantes aspectos relacionados com o serviço divino. E o debate, naturalmente, está presente na igreja evangélica brasileira.

Por exemplo, a questão da organização versus liberdade na liturgia. Até que ponto podemos organizar e estruturar a ordem ou seqüência dos atos de cultos sem que isso tire a espontaneidade dos participantes? Ou mais grave ainda, até que ponto a própria idéia de preparar uma liturgia antecipadamente já não representa uma limitação à liberdade do Espírito de Deus em dirigir o culto como deseja? Igrejas, movimentos e grupos dentro do evangelicalismo brasileiro têm assumido as vezes lados radicalmente opostos nessa questão. De um lado temos liturgias elaboradas milimetricamente, realizadas por ministros paramentados de acordo com o calendário eclesiástico e as estações do ano, exigindo formalidade, seriedade e reverência; de outro, cultos sem qualquer ordem ou seqüência pré-estabelecidos, onde as coisas acontecem ao sabor da inspiração momentânea do dirigente, supostamente debaixo da orientação do Espírito de Deus. Felizmente, onde predomina o bom senso e um desejo de seguir os princípios bíblicos para o culto a Deus, adota-se uma liturgia que procura usar o que há de melhor nos dois esquemas, unindo seriedade reverente com liberdade exultante.

Outra tensão é entre ofício e participação. Quem deve dirigir o culto a Deus? Quem pode participar ativamente na liturgia? Somente aqueles que foram ordenados para isso – pastores e presbíteros? Ou qualquer membro da comunidade? Respostas variadas têm sido dadas a essas questões por diferentes grupos evangélicos no Brasil. Por um lado encontramos igrejas que entendem que apenas aqueles que foram treinados adequadamente e posteriormente autorizados (ordenados) pela igreja é que podem participar ativamente do serviço divino. Outros grupos, como os quacres do passado e alguns movimentos quietistas modernos, rejeitam a própria idéia de ofício e dispensam qualquer ordem ou liderança no culto público. Encontramos nas igrejas evangélicas brasileiras variações desses extremos. Parece-nos claro que o caminho correto é manter no culto a liderança claramente bíblica dos presbíteros e pastores e ao mesmo tempo procurar entre os não-ordenados aqueles que têm dons públicos que possam, após treinamento adequado, participar ativamente da liturgia.

Mais uma tensão: formalismo versus simplicidade. Relacionada com esta vem a tensão entre solenidade e alegria. Esses extremos na verdade não se excluem. São todos elementos do culto bíblico, muito embora em sua história, a Igreja tenha por vezes enfatizado uns em detrimento dos outros. Mais uma vez, a busca pelo equilíbrio bíblico deve marcar a liturgia das igrejas evangélicas.

Mas existe ainda uma tensão – talvez a um nível mais profundo – que representa um sério desafio para a liturgia da Igreja, que é mente versus coração. Ou mais exatamente, qual o lugar da mente no culto? Pode-se cultivar o entendimento e o crescimento intelectual sem perder-se de vista o papel do coração no culto? Um culto só é realmente espiritual se a mente for deixada de lado e o coração envolver-se inteiramente? Muitos grupos evangélicos hoje responderiam sem hesitar que a mente acaba por representar um obstáculo na experiência da verdadeira adoração, e que deve ser deixada de lado para que as emoções fluam livremente. Desse ponto de vista, as partes do culto, e especialmente a pregação, devem facilitar a experiência litúrgica. A pregação acaba por ser relegada a plano secundário, sendo substituída por relatos de experiências pessoais; ou quando é feita, via de regra (há exceções) é uma coleção de casos, exemplos e experiências, intermediados aqui e ali por trechos bíblicos nunca expostos e explicados, mas citados como prova.

Mas essa tendência é bem antiga. Paulo teve que corrigir o desequilíbrio litúrgico dos coríntios, com sua ênfase na participação, uso dos dons, liberdade e pouca atenção à instrução e o uso da mente. Modernamente, percebe-se sem muito esforço a tendência de se enfatizar participação, louvor, testemunhos, dramas e corais, em detrimento da pregação da Palavra durante os cultos dominicais de muitas igrejas.

É essa última tensão que tem questionado com mais radicalidade a natureza, necessidade e propósito da pregação nos cultos. O que nos parece fundamental neste assunto é que, desde o início, Deus usou a pregação expositiva de sua Palavra como veículo de revelação da Sua vontade ao Seu povo; e que portanto, a pregação nunca deve ser relegada a plano secundário no culto, mas deve sempre ocupar lugar central de destaque.

Estas são algumas das tensões na igreja evangélica brasileira quanto ao culto. Nem sempre elas têm sido bem resolvidas. Provavelmente, o caminho para um culto que seja bíblico e brasileiro tenha de passar pelas seguintes vertentes:

1) Empregar o princípio de que devemos manter no culto somente aqueles elementos que possam, de forma direta ou indireta, encontrar respaldo nas Escrituras do Novo Testamento. De outra forma, desprovida de referencial, a igreja brasileira não terá como impedir a avalanche de inovações no culto, algumas bem intencionadas porém apócrifas, e outras inspiradas até em práticas das religiões afro-brasileiras.

2) Reconhecer que há circunstâncias do culto que não estão necessariamente definidas, proibidas, ou ordenadas nas Escrituras, e que podem ser adotadas à critério das igrejas, respeitada a história, a tradição, a cultura e especialmente o bom senso.

3) A busca do equilíbrio nas tensões mencionadas acima, reconhecendo que qualquer dos extremos citados termina prejudicando o culto, por reduzi-lo e privá-lo da plenitude desejada por Deus.

O culto é certamente um dos aspectos mais centrais da vida das igrejas evangélicas, pois nele deságuam as doutrinas, as crenças, as práticas, as tensões e a vida espiritual das comunidades. Uma igreja é aquilo que seu culto é. Como parte da sua reflexão e reforma, a igreja evangélica brasileira deveria enfocar mais este assunto.

Autor: Augustus Nicodemus Lopes
Fonte: [
Teologia Brasileira ]
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1 comentários:

A transculturalidade também é algo importante a ser considerada, pois é algo que se não impede, dificulta qualquer tentativa de padronização.
Isso ocorre muito neste nosso país de dimensões continentais, de imigrantes e costumes tão diversos.

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